Em sociedades com muitos problemas sociais e nas quais o campo filantrópico ainda não está maduro, uma organização da sociedade civil (OSC) às vezes é vista como panaceia que pode curar inúmeros males – mesmo em áreas que não têm relação direta com sua atuação. Nesses momentos, vale a pergunta feita pela diretora-executiva da CAF Rússia, Maria Chertok: “como dizer o que não fazemos?” O questionamento surgiu durante encontro promovido, no início de outubro, pela Worldwide Initiatives for Grantmaker Support (Wings), rede internacional criada para promover e fortalecer o desenvolvimento da filantropia no mundo.
“O desafio é dizer não”, comentou Maria durante o evento, realizado na Fundação Getulio Vargas, em São Paulo.
O diretor-presidente do IDIS, Marcos Kisil, concordou, acrescentando que é preciso ter critérios para aceitar as demandas. A questão “não é ser grande porque tem muitos clientes em vários segmentos, mas atuar com excelência em um espaço específico”. Abraçar muitas causas pode comprometer a qualidade do trabalho das entidades, alertou a diretora da CAF Global Alliance, Jane Arnott.
No John D. Gerhart Center for Philanthropy and Civic Engagement da Universidade Americana do Cairo, a análise dos diversos pleitos é feita pela diretoria. “Entram muitas grandes ideias, mas as decisões sobre o que fazer e o que recusar ficam com os líderes, para não sobrecarregar o staff”, contou a diretora do centro, Barbara Ibrahim.
Em algumas ocasiões, o problema não é só a discrepância de foco entre a demanda e a atuação prática da organização. “Essa é uma questão também relacionada ao capital humano, pois, às vezes, não há pessoas suficientes”, disse a diretora-executiva do IDIS, Paula Fabiani.
Maria Chertok ainda lembrou outro problema: nem sempre os desejos dos financiadores estão relacionados às atividades da organização. “Alguns clientes não vêm com a pergunta certa, ou nem têm pergunta, já chegam com respostas – e essas, na maior parte das vezes, não dizem respeito a investimento social.” Nesses casos, a solução drástica pode ser desfazer a parceria. Paula relata, por exemplo, que “já tivemos que deixar clientes que não estavam fazendo filantropia estratégica”.
Formas de financiamento
A sustentabilidade das OSCs também foi alvo dos debates. A discussão começou com Maria Chertok afirmando: “Sustentabilidade é uma palavra ruim, pois dá a impressão de que um dia a conseguiremos, mas é quase certo que nunca se consiga”. Ainda assim, a representante da CAF Rússia deu sua receita para se chegar perto desse objetivo: diversificação de fontes de renda. “Elas têm de ser nacionais e internacionais, de governos, setor empresarial e indivíduos.”
Os riscos de ter poucas fontes ficaram claros no relato de John Ulanga, diretor-executivo da Foundation for Civil Society, da Tanzânia, cujo modelo de negócio mostra-se muito dependente de agências de cooperação internacional. “Eu cruzo os dedos a cada eleição nesses países que nos ajudam, pois os resultados podem mudar tudo”, resumiu.
A diversificação, portanto, tornou-se a palavra de ordem para Ulanga. A Fundação se auto impôs a meta de, em três anos, ter ao menos 10% do orçamento proveniente de outras fontes. De qualquer modo, ressaltou, o setor social frequentemente se vê no dilema entre sustentabilidade de longo prazo e necessidades de curto prazo.
As fontes podem mesmo secar, e a crise econômica iniciada em 2008 representou um refluxo forte no dinheiro que circulava dos países desenvolvidos para organizações dos países em desenvolvimento. “A crise foi um teste, pois os investidores estrangeiros se foram”, lembrou Maria. Esses períodos, ressaltou Jane Arnott, chamam a atenção para a necessidade de planejamento. “É preciso resiliência para lidar com o problema”, observou.
Resiliência foi exatamente o que surgiu da história contada por Kisil sobre a experiência do IDIS com a crise. Ele chegou a pedir empréstimos em seu próprio nome para conseguir manter a organização – o que reflete outro problema: a dificuldade das OSCs em adquirir créditos no mercado financeiro.
A lição: “Começamos 100% financiados pela Fundação Kellogg, e vimos a necessidade de diversificar as fontes”.
Vale lembrar, contudo, que nem sempre são as crises que afastam os investidores estrangeiros das organizações sociais de países em desenvolvimento. No caso da África do Sul, foi a bem-vinda chegada de Nelson Mandela à presidência. “Com a eleição de 1994, grande parte do dinheiro acabou indo para o governo, o que levou a uma crise no setor”, lembrou Tina Thiart, coordenadora do Southern African Community Grantmakers Leadership Forum.
Fonte: IDIS
Data: 16/10/2013