Embora as fundações em todo o mundo tenham conseguido algumas realizações reais na construção de um ‘capital social’, elas não podem fazer o tipo de investimentos em comunidades marginalizadas que permitiriam que elas se tornassem economicamente auto-sustentadas. Projetos de desenvolvimento econômico patrocinados por fundações não são suficientes para alterar a distribuição de renda. O que deve ser feito? O que as fundações podem fazer é agir como convocadores, reunindo os setores privado e público como parceiros para tentar criar a base para um bem-estar duradouro da comunidade. Mas isso é uma estratégia de longo prazo e é uma estratégia política e não econômica.
É também um senso comum dizer que nenhuma estratégia sozinha é suficiente para enfrentar a pobreza, a desigualdade, a discriminação e o autoritarismo. O termo ‘desenvolvimento sustentável’ tem, portanto, se tornado comum, uma etiqueta que cobre, para definir em termos muito amplos, um esforço complexo, multifacetado e sustentado para levar uma melhor qualidade de vida a seres humanos, em particular os desassistidos e em desvantagem.
Muitas fundações doadoras em todo o mundo abraçaram essa noção e têm investido milhões de dólares, euros, pesos e outras moedas em um grande número de projetos. E tem havido alguns sucessos notáveis no campo da valorização de comunidades, auto-organização, conscientização, aumento da auto-estima e fortalecimento da identidade cultural, essenciais como pontos de partida, o chamado lado ‘macio’ do desenvolvimento.
O lado ‘duro’ do desenvolvimento
No entanto, o grande desafio, o lado ‘duro’, o desenvolvimento econômico, permanece. O dinheiro das fundações não é suficiente para a regeneração econômica, a criação de empregos e a geração de renda. O que elas têm conseguido até agora são ‘modelos de demonstração’ de pequena escala do aumento da renda dos pobres através de microcrédito, de cooperativas, do desenvolvimento de microempresas e similares.
O pressuposto por trás dessas estratégias é de que a mudança pode acontecer como resultado da replicação em larga escala desses casos bem-sucedidos (mas isolados). Isso pode acontecer em condições afortunadas, mas a pergunta permanece: se o chamado ‘efeito trickle-down’ do crescimento econômico em países em desenvolvimento não tem beneficiado os pobres, e se os esforços de baixo para cima dos projetos de desenvolvimento patrocinados pelas fundações não são suficientes para alterar a distribuição de renda, o que deve ser feito?
O programa da Kellogg na América Latina
Em uma tentativa de explorar as respostas aos desafios da pobreza e sua continuação de geração para geração, a W K Kellogg Foundation vem desenvolvendo um ambicioso programa na América Latina e no Caribe nos últimos cinco anos para apoiar os esforços das comunidades locais em micro-regiões bem definidas para enfrentar os desafios da exclusão econômica, política e social. Trabalhando através de alianças com instituições públicas, privadas e sem fins lucrativos, especialmente com agências de juventude locais, esses esforços locais estão tentando aumentar e melhorar o capital social, humano e produtivo nas comunidades. Praticamente todas as 23 iniciativas estão produzindo avanços significativos em termos de organização dos movimentos liderados por jovens (frequentemente usando esportes, artes e projetos culturais como ponto inicial). No resto deste artigo, tentarei descrever os principais problemas enfrentados nessa estratégia e as principais lições aprendidas até agora. Como esse é um trabalho contínuo, estou certo de que mais surgirão no futuro.
Os pressupostos básicos
Um dos pressupostos nos quais o programa é baseado foi de que como é impossível para uma fundação investir em projetos de desenvolvimento econômico de grande escala, sua função deve ser tentar construir de baixo para cima diversos projetos de geração de renda geridos pela comunidade, concentrados em um território em particular.
No caso do nordeste do Brasil, por exemplo, dúzias de iniciativas foram apoiadas para: (a) fortalecer as cadeias produtivas existentes, como a pesca, a agricultura familiar, artesanato; (b) ajudar a construir associações e cooperativas de produtores; (c) mapear iniciativas de desenvolvimento econômico com potencial de mercado; (d) lançar programas de microcrédito concentrados em iniciativas de jovens; (e) incorporar novas informações e tecnologias de comunicação; (f) experimentar enfoques econômicos alternativos como comércio justo, economia solidária, agricultura orgânica e ecoturismo; (g) atrair o setor empresarial com práticas de responsabilidade social; (h) implementar cursos de educação e treinamento profissionais no sistema de educação pública ou através de organizações com alguma experiência no campo; (i) influenciar e informar políticas públicas que podem apoiar o desenvolvimento econômico.
Outro pressuposto do programa, mais básico e talvez óbvio, é que nenhum setor ou instituição pode fazê-lo sozinho. Consequentemente, muito tempo e esforço têm sido investidos na tentativa de atrair os setores público e empresarial para a iniciativa original de organizações não governamentais e comunitárias e tentar construir uma visão local e compartilhada para o bem-estar dessas comunidades. Diferentes tipos de alianças têm sido formadas como resultado, refletindo os interesses locais e o equilíbrio de forças, mas até agora, nenhuma dessas alianças teve sucesso no lançamento de planos ambiciosos de desenvolvimento econômico.
Primeira lição aprendida
Qualquer que seja a estratégia de desenvolvimento econômico escolhida, é importante construir a combinação de instituições apropriadas para a dinâmica econômica do território. Não é suficiente juntar todas as partes interessadas, elas precisam também ter as habilidades, o conhecimento e as competências (e a história) para serem capazes de ler as oportunidades e desafios e de fazer as escolhas certas com recursos escassos. Encontrar o equilíbrio certo entre o potencial produtivo de um território e seu potencial de mercado requer uma experiência profissional que geralmente não é encontrada em comunidades pobres.
As alianças com instituições fora do território que também podem contribuir para construir capacidades locais são cruciais aqui, mas esses parceiros são difíceis de se encontrar. Está claro, no entanto, que sem um esforço consciente para construir as parcerias certas, é quase impossível ir além dos projetos de pequena escala.
Segunda lição aprendida
As teorias econômicas tradicionais do desenvolvimento são falhas quando enfocam a ajuda a comunidades para atingir seu potencial e construir capacidade local e controle do processo de desenvolvimento econômico. Nenhuma intervenção econômica sozinha pode produzir esse tipo de mudança. Tecnologias, conhecimento do mercado, investimentos em infra-estrutura, instituições financeiras sólidas, políticas públicas apropriadas, estratégias de emprego, pensamento estratégico – todas essas coisas e muito mais são necessárias para realmente produzir um impacto sustentável na vida econômica das comunidades.
Terceira lição aprendida
Modelos estratégicos de desenvolvimento econômico não se sustentam sozinhos! Tanto o enfoque trickle-down quando o bottom-up nos países em desenvolvimento foram amplamente baseados em modelos econômicos teóricos, sem levar em conta as condições locais. Os pontos fracos desses modelos não estão na idéia de serem trickle-down ou bottom-up, mas no fato de que a maioria deles não leva a sério a complexidade das relações de poder específicas e da situação macro-econômica e política nos lugares onde são implementados. No caso do programa da Kellogg Foundation na América latina, o nível de poder e influência que os jovens podem ter para empurrar suas iniciativas econômicas seria muito pequeno sem ajuda externa.
Um começo?
Essas três lições talvez sejam um ponto inicial para o tratamento do lado ‘duro’ do desenvolvimento. As fundações evidentemente não podem fazê-lo sozinhas. Elas – nós – devemos desempenhar o papel de convocadores, unindo diferentes players e fazendo as escolhas estratégicas corretas sobre onde e quando seus investimentos podem mobilizar outros parceiros locais e externos. Elas devem se basear em diferentes tipos de experiências e se expor a críticas e a fracassos. Elas devem assumir riscos e assumir compromissos de longo prazo com poucos efeitos visíveis a curto prazo, exatamente em uma época em que a pressão por ‘atingir as metas’ está crescendo em todos os lugares.
Em democracias fracas, ajudar as comunidades a construir seu próprio futuro muitas vezes envolve afetar o equilíbrio estabelecido entre o poder econômico e o poder político. Investir na capacidade de comunidades privadas de seus direitos civis fazerem isso é uma estratégia política, não econômica. A democratização das relações de poder, através da ajuda para aumentar a voz e a participação daqueles que são afetados pelo desenvolvimento econômico desigual, está implícita nessa opção política.
As fundações estão preparadas e desejam enfrentar esse desafio?
Fonte: RedeGifeOnline – 30/07/07
Autor: Andrés A Thompson – Diretor de Programa para a América Latina e o Caribe na W K Kellogg Foundation. E-mail: andres.thompson@wkkf.org