Peter Coltman*
Quando Joseph Rowntree criou sua organização de beneficência em 1904, ele acreditava que “ se o enorme volume de filantropia da atualidade fosse sabiamente dirigida”, poderia… em poucos anos, mudar a face de Inglaterra. Assim, ele instruiu seus advogados para que a sua doação acabasse em 1939, imaginando que, até então, o trabalho estaria terminado.
No entanto, ele levou em consideração se o Fundo da Caridade Joseph Rowntree (JRCT) devia gastar seu capital para fechar. Vale a pena especular se há circunstancias nas quais se deveria pensar nisso?
Existe uma série de “pequenas dificuldades locais”. A maior de todas é a inércia: temos que desenvolver um padrão de existência e, por definição, fechá-las seria contraditório. Os administradores fiduciários teriam dúvidas para mandar embora o pessoal: não seria uma recompensa por serviços prestados com dedicação.
E os doadores atuais, alguns deles que têm estado junto à fundação por longos anos, seu trabalho cessaria se a fundação desaparecesse? Também teríamos a falsa modéstia dos membros diretores que reconhecem a sua falibilidade humana: enquanto a fundação continua, as falhas ou omissões do passado podem ser corrigidas no futuro, se não por eles, pelos seus sucessores.
Corações frios diriam que os membros fiduciários não são recatados mesmo. Eles não podem imaginar a paisagem social sem a fundação estar nela – por isso que nós não consideramos seriamente o argumento de gastar de acordo com a percepção das necessidades, em contraposição de gastar para preservar os Fundos.
Uma visão menos otimista do mundo
Numa grande escala, pensamos de forma diferente sobre como o mundo é hoje e foi há cem anos. Até a Primeira Guerra Mundial, as pessoas acreditavam que a sociedade era perfectível. Uma revolução pela qual a sociedade poderia mudar radicalmente e para melhor era um sonho esperando a ser realizado: daí o entusiasmo pela União Soviética, e que persistiu ao longo dos anos de 1930; e a romantização do Maoismo, que ainda prevalecia nos anos de 1970.
Levou tempo para que entendêssemos os abusos que serviam de base para as realidades do comunismo. Enquanto isso, presenciamos o crescimento exponencial de inovação tecnológica, que passou a oferecer novas formas de enxergar o que agora percebemos ser problemas globais em vez de nacionais. Ao mesmo tempo vimos a fome e o extermínio numa escala inimaginável e nunca antes vista.
Nós já perdemos o otimismo de Joseph Rowntree e o seus contemporâneos que assumem que um enfoque mais sério na “raizes das causas” da pobreza, fome, ou seja lá o que for, poderia produzir soluções permanentes. Vivemos em um mundo pós-moderno, onde não existe apenas um ideal; em que os problemas podem ter soluções permanentes ou nenhuma e onde a “solução” em si pode definir o próximo problema.
A experiência nos mostra que existe uma série de áreas em nossas vidas que simplesmente não sabemos como controlá-las: as finanças, por exemplo. A história nos diz que o consenso geral, até mesmo dentro da comunidade científica, que se preza por ser racional pode, às vezes, estar dramaticamente errado. Nessas circunstâncias, você deve ter autoconfiança e seguir em frente com ousadia até o limite da afobação para se envolver num projeto único que use todos os seus fundos.
No entanto, há fundações que têm decidido gastar. Existem diversos raciocínios para isto que vão de uma simples ordem dos filantropos que as financiam, até uma percepção que, sem a urgência trazida pela limitação de tempo, as fundações simplesmente passam a ser parte dos móveis da sala que eles procuram mudar. Uma das perguntas pessimistas que ficou no ar na última conferência da EFC em Istambul, era se as fundações, com todo o dinheiro que têm, conseguem fazer alguma diferença.
Entretanto, nessa visão oposta, não existe uma solução “de uma vez por todas” que quando o projeto termina, o dinheiro é gasto, a Fundação fecha e, quem ficar, terá que recolher os cacos para preencher o vácuo que a natureza abomina, porque mudanças sociais são um processo complexo que continua evoluindo além da data do fechamento da Fundação.
Um exercício em avaliação de risco
Poderia haver uma situação que gastasse apenas uma parte sem ter que fechar totalmente? Esse é um típico exercício de avaliação de risco. Se, por exemplo, a sua fundação deseja promover a paz – como a JRCT faz – uma oportunidade única que apareceu na planejada renovação da força dissuasora nuclear Britânica e, caso a Grã Bretanha decida não proceder tornando-se efetivamente um poder não-nuclear, essa decisão dificilmente seria alterada. O projeto – para convencer o governo no poder para não modernizar o Trident – é também de tempo limitado, o que novamente o torna atraente. Então, qual é o risco?
Primeiro, é um projeto realístico ou de caridade? Os cínicos dirão que a decisão já foi tomada e o centro de Aldermaston está em atividade preparando-se para executar o trabalho enquanto os advogados argumentariam que a promoção ou o desmonte de nossa arma de guerra mais perniciosa é um ato político e não de caridade (por que a promoção da paz não pode ser considerada parte da caridade?), todavia pelo bem da conversa, vamos deixar estes assuntos de lado.
Segundo, dada a apatia da maioria das pessoas com o dissuasor nuclear britânico – com a maioria a favor de mantê-lo, qual seria o custo da campanha para mudar as atitudes da opinião pública e qual é a possibilidade de ser bem sucedida? A alternativa, visto que o parlamento, às vezes, pode ser convencido para legislar contra a opinião pública prevalecente, qual seria o custo de uma campanha para fazer um lobby no governo? E, como estamos começando agora com uma eleição à vista, que partido seria nosso alvo?
Com esses imponderáveis, com os quais apenas conseguiremos fazer conjeturas, nossa avaliação de riscos é, na melhor das hipóteses, vaga. Vamos supor que nos digam que £50 milhões (como 30% da doação atual da JRCT) poderia dar-nos uma boa possibilidade de sucesso; e daí? Nós gostaríamos de saber se o “justo”, digamos, seria separar £60 milhões em vez de £50 milhões e se isso melhoraria nossas possibilidades. A experiência nos mostra que, até mesmo com as melhores campanhas coordenadas por pessoas com vasta experiência, as coisas podem fracassar. Então, temos novamente mais imponderáveis.
Contando o custo
Se nós decidirmos que o projeto vale a pena, digamos, com 70% de probabilidade de sucesso, então teríamos que fazer o levantamento do custo e não do fracasso, apesar de que num dado momento deveria entrar no cálculo dos danos dos outros programas.
Trinta por cento de perdas de ingresso nas doações… Ou achamos que seja isso. Mas nenhum de nós é mago financeiro e, apesar de podermos fazer projeções de curto prazo, é impossível saber que economia faremos em, digamos, 20 anos (ou até mesmo em um ano: quem de nós, há um ano atrás, poderia enxergar o desastre financeiro e tomar as devidas providências para preservar nossas doações?). Assim, o melhor que poderíamos dizer é que contaríamos com menos dinheiro para gastar; mas em quê?
A rigor, a JRCT responde às aplicações em vez de criar seu próprio programa de trabalho – assim não sabemos quais postulantes teremos que recusar com pesar devido ao nosso corte de receitas. Ao certo, tudo o que sabemos é que estamos sobrecarregados de comprometimentos e, portanto, no futuro deveremos recusar ainda mais idéias que, em outras oportunidades, apoiaríamos. Mas é impossível avaliar estes pedidos em comparação com aqueles que neste momento contemplamos.
Incidentalmente, este é o argumento para gastar por atrito. Regularmente gastamos menos nos pedidos atuais do que gostaríamos devido às nossas doações encontrarem-se limitadas por uma política de receita sustentável que tem como objetivo manter o valor de nossas doações. Resumindo: hipotecamos um (conhecido) bem em favor de um futuro (desconhecido) bem. A discutível alternativa política e lógica, seria gastar agora de acordo com as necessidades percebidas.
Vamos retornar ao projeto em discussão. Vamos supor que optamos por uma campanha antinuclear e fracassamos. E agora? Como saber se jogamos ou não fora o nosso dinheiro? Apesar de não termos tido sucesso hoje, a campanha ainda pode ter semeado o desarmamento nuclear numa data futura: financiar no campo da paz é notoriamente uma tarefa em longo prazo.
Entretanto, como fica a reputação de uma Fundação que notoriamente gastou muito dinheiro apoiando uma causa perdida? Este é um dos poucos riscos que pode ser descontado. A Fundação não precisa da aprovação pública para funcionar e pode continuar, com menos dinheiro, como antes. De fato, um cínico poderia argumentar que sua reputação aumentaria: a JRCT, por muito tempo, tem sido considerada uma Fundação radical, a fim de arriscar, e sua opção heróica por causas perdidas pode aumentar sua reputação!
Mas quando tudo é dito e feito, as incertezas do projeto são uma garantia para não serem adotadas. Claro que poderíamos neutralizar alguns riscos, encontrar parceiros para compartilhar o peso financeiro e tudo o mais. Mas o campo da paz no Reino Unido não é maior e a JRCT é uma das maiores protagonistas. Seriam muitos ovos colocados numa cesta e assim, um sábio conselheiro balançaria a cabeça e com humildade apropriada, os fiduciários optariam pela cautela. Stanley Baldwin aprovaria “Primeiro a segurança!” Sempre é mais seguro não fazer nada…
Mas o que Joseph Rowntree teria feito? Bem, o tempo muda tudo, mas em 1904 ele planejou que a sua caridade tiraria as causas demoníacas e, passados 35 anos… feche a loja e vá para casa.
Peter Colman é diretor da JRTC.
E-mail: pcoltman@gn.apc.org
Fonte: GifeOnline
Data: 16/03/2009