Os relatórios contábeis são parte do cotidiano das empresas. Agora, é a vez dos relatórios de sustentabilidade.
Ainda há empresas que olham os relatórios de sustentabilidade de forma equivocada. Acreditam que seja mais uma ferramenta de marketing, uma outra maneira de mostrar ao público como são “boazinhas”. No entanto, um bom relatório de sustentabilidade, construído dentro de regras claras, como as do Global Reporting Iniciative (GRI), é um diferencial importante para a análise da posição a empresa em seu mercado, além de ser um fator de valorização de suas ações. Afinal, investidores e consumidores (individuais ou institucionais) gostam de saber que seu dinheiro está sendo destinado a projetos com baixo risco ambiental, alto valor social e lucratividade justa.
Outro ponto de segurança em relação aos relatórios de sustentabilidade é que ele ajuda a empresa a conhecer melhor os seus próprios pontos fracos. Sua confecção exige um mergulho nas profundezas da organização a fim de desvendar de mazelas. Com isso, constitui-se como um instrumento de gestão capaz de oferecer muita clareza em relação às externalidades (fatores de impacto ambiental e social) das organizações.
É um instrumento de prestação de contas à sociedade, sem dúvida, mas é, principalmente, um espelho capaz de refletir a auto-imagem de uma organização, possibilitando os ajustes em direção à sustentabilidade de fato, que pode ser encarada como um caminho sem volta e sem fim.
Em tempos de desafios globais, como as mudanças climáticas e os grandes abismos entre ricos e pobres, as empresas precisam ser honestas consigo mesmas e com seus acionistas. O que está em jogo é a manutenção da qualidade de vida no planeta e a perenidade dos negócios. O relatório de sustentabilidade é o instrumento para mostrar como a empresa encara estes desafios e quais são suas opções de gestão e operação.
Ray Anderson, um dos pioneiros na construção do conceito de sustentabilidade empresarial, mostra o principal motivo pelo qual as empresas devem buscar ser sustentáveis e tratar isso com muita transparência: “O lucro não pode ser o principal objetivo de uma empresa. Seu principal objetivo deve ser sua Missão. O lucro é apenas um fator essencial para que a empresa compra sua Missão”.
Uma pesquisa realizada pela SustainAbility Ltd, junto com a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), publicada em 2008, afirma que o Brasil é um dos entusiastas na publicação de relatórios de sustentabilidade. Em 2008, cerca de 100 empresas brasileiras produziram relatórios, superando a África do Sul, que apresentou 73 relatórios, a Índia com 12 e a China continental com 18.
Segundo o instrutor do curso de GRI do Uniethos/FGV, Beat Gruninger, o relatório deve mostrar os impactos gerados pela atividade produzida e o que a empresa está fazendo para remediá-los. “Percebemos que o interesse dos empresários nesse documento tem crescido bastante, e que as empresas estão percebendo o valor de publicar estas informações dentro de padrões de comparabilidade e mensurabilidade, fornecidos pelo GRI”, diz.
Países europeus, como Inglaterra, Alemanha e França, possuem leis que obrigam as empresas a divulgar suas ações sociais e ambientais. No Brasil, apesar de não serem obrigatórios, muitas indústrias, principalmente as de mineração e petróleo, têm procurado produzir seus relatórios. “Isso já é uma exigência do mercado financeiro. Os investidores estão dando preferência a empresas que avaliam seus riscos e procuram minimizá-los. Além disso, uma boa relação com consumidores e fornecedores é certeza de bons negócios”, afirma.
Para fazer com que as informações apuradas cheguem ao máximo de pessoas, Beat Gruninger sugere que a empresa utilize o maior número de processos de comunicação. “Desde reuniões com a comunidade onde está inserida para apresentar os dados, até a confecção de material gráfico de alta qualidade para ser entregue a um público específico. A internet também é uma ótima aliada por chegar a um enorme número de pessoas de diversos setores da sociedade”, diz.
Diretrizes GRI estão se tornando padrão
Em 1997, uma ONG americana chamada Coalition for Environmental Responsible Economies (CERES), formada por investidores do mercado financeiro em parceria com o PNUMA, criou a Fundação Global Reporting Initiative (GRI), cuja missão é disseminar diretrizes globais para a elaboração de relatórios de sustentabilidade, que abordem aspectos econômicos, sociais e ambientais.
Hoje a GRI está sediada em Amsterdã, na Holanda, e possui representantes em alguns países no mundo, inclusive o Brasil. Gláucia Térreo é quem coordena o escritório da GRI por aqui. O país foi o primeiro a ter um ponto focal da instituição fora da Holanda. Constatado o sucesso da experiência, outros países foram contemplados como Austrália e, mais recentemente, a China. “Isso ajudou a fortalecer e disseminar as diretrizes e incentivou mais empresas a prepararem seus relatórios”, avalia.
Diferentemente do que se imagina, os relatórios não são complicados de produzir, de acordo com Gláucia. Ela explica que “essa avaliação, nada mais é do que um complemento do balanço financeiro da empresa, que é obrigatório. Só que em vez de lucros e prejuízos, são abordados aspectos sociais e ambientais”. Aspectos que, por sinal, já estão influenciando nas transações internacionais de diversos setores produtivos, como a agricultura. “Há muitos países europeus que adotam as normas da GRI, inclusive em sua legislação, como a Suécia por exemplo”, diz.
A freqüente divulgação no exterior de informações sobre problemas do Brasil, como trabalho infantil e corrupção, agrega mais importância ao relatório. “É por meio dele que as companhias mostram aos investidores que não fazem parte do problema e sim da solução. E por ser um modelo mundial, as diretrizes do GRI vão direto ao que os investidores querem saber”, diz Gláucia Térreo.
Empresas aprimoram relatórios
Apesar da forte resistência de ordem cultural e política à cultura de transparência empresarial no país, verifica-se atualmente não só o aumento da quantidade de relatórios de sustentabilidade produzidos mas também uma melhoria acentuada de sua qualidade, a ponto de alguns terem merecido prêmios internacionais.
A Natura Cosméticos, por exemplo, divulga seu relatório anual de sustentabilidade desde 2000, sendo a primeira empresa na América Latina a adotar o padrão GRI. De acordo com Rodolfo Gutilla, diretor de Assuntos Corporativos e Relações Governamentais, apesar de muitas empresas apresentarem seus relatórios de sustentabilidade, a maioria ainda o faz sem a qualidade técnica necessária. “Isso acaba se transformando em pura ferramenta de marketing”, diz.
O relatório da Natura utiliza a versão G3 das diretrizes da GRI, no nível de aplicação A+, que é o mais elevado para o relato de desempenho econômico, social e ambiental. Mas, de acordo com Guttilla, esse não é um processo fácil. “Por ser dinâmico, encontramos algumas dificuldades, principalmente pela exigência dos indicadores da GRI, que são continuamente aperfeiçoados”, afirma.
Uma das questões delicada na confecção do documento é o nível de transparência dos dados a serem divulgados. “Somos a única empresa no setor de higiene e perfumaria do país a fazer um relatório de sustentabilidade e temos de tomar muito cuidado para que informações estratégicas não caiam nas mãos da concorrência”, analisa.
Um panorama geral sobre a comunidade em que está inserida, os impactos causados por suas atividades e as ações para minimizá-los são alguns dos pontos que podem ser obtidos por meio dos estudos realizados para os relatórios.
“Depois que começamos a produzir os relatórios, ficamos mais conscientes sobre os danos que causamos em diversos públicos, o que nos ajudou a direcionar medidas mais eficientes para combater esses problemas. Também é uma forma de mobilizar toda a cadeia produtiva para avaliem sua parte nesse processo”, disse, observando que a Natura foi a primeira empresa do mundo a rastrear toda a emissão de carbono de sua cadeia produtiva. “Isso nos dá possibilidade de exigir mais responsabilidade de nossos fornecedores”, afirmou Guttilla.
Um novo mercado
Além de ser um instrumento fundamental para a gestão empresarial, os relatórios de sustentabilidade representam uma ótima oportunidade de mercado para profissionais e empresas especializadas na área. Com o crescimento do interesse das companhias em divulgar seus resultados socioambientais, os investimentos nas áreas de sustentabilidade e comunicação também têm crescido, abrindo espaço consultorias em GRI, serviços de redação, design e divulgação do material.
A Report Comunicação é uma empresa paulista que produz relatórios de sustentabilidade para grandes empresas, como Bunge, Itaú-Unibanco e Usiminas, entre muitas outras. Segundo Estevam Pereira, sócio diretor da agencia, houve um aumento significativo no número de empresas que passaram a produzir suas publicações. “Quando começamos, em 2002, apenas uma empresa fazia um relatório técnico sobre sustentabilidade, o resto fazia balanços sociais. Hoje no Brasil já são mais de 100 empresas confeccionando seus primeiros relatórios e a tendência é só aumentar”, falou.
O empresário ressaltou que alguns setores ainda estão longe de entender a importância da questão. “Um dos setores mais impactantes, o agronegócio, infelizmente ainda não despertou para a influência de suas atividades nas questões socioambientais”, alerta.
A empresa de Estevam demonstrou a diversidade do tema ao fazer o relatório de sustentabilidade do Corinthians, primeiro clube de futebol do mundo a divulgar suas práticas socioambientais. “Atividades que causam menos impactos, como o futebol, tendem a não ser tão cobrados como uma mineradora, por exemplo. Mas, mesmo assim, o conceito já está consolidado na sociedade e isso faz com que todos os setores sejam responsabilizados”, afirma.
O futebol movimenta em torno de 250 bilhões de dólares no mundo e é uma atividade com grande impacto social. “A copa do mundo, por exemplo, tem uma relevância coletiva: conseguiu amenizar a desigualdade racial na França e melhorar a imagem dos alemães diante do mundo”, cita Pereira.
A Copa de 2014 será uma oportunidade ímpar para que o Brasil mostre uma capacidade de liderança sobre os assuntos de sustentabilidade, transparência e gestão responsável. “Os problemas ambientais atingirão toda a humanidade, então é bom estarmos preparados. E quanto mais a sociedade conhecer os impactos socioambientais, mais facilmente poderemos enfrentá-los”, finaliza Estevam.
Fonte: Redação da Envolverde, especial para o Instituto Ethos