A edição deste ano debateu os paradigmas da nova “economia verde” e confirmou o engajamento das empresas na busca por um desenvolvimento sustentável.
Sob o tema “Rumo a uma nova economia global: A transformação das pessoas, das empresas e da sociedade”, a Conferência Internacional Ethos 2009 chegou ao final com a participação total de 1.357 pessoas, originárias de várias partes do Brasil e do exterior. A organização do evento contabilizou 759 inscritos, 115 jornalistas credenciados, 71 palestrantes e 47 convidados, que estiveram envolvidos durante quatro dias em seis painéis, seis mesas-redondas, cinco oficinas, três plenárias e duas atividades culturais. O evento foi realizado entre 15 e 18 de junho no Hotel Transamérica, em Santo Amaro, zona sul de São Paulo.
Muito satisfeito, apesar do evidente cansaço, o presidente do Ethos, Ricardo Young definiu a 11ª edição da conferência como surpreendente: “Em um ano de crise, com cortes de investimentos, ficamos em dúvida se haveria mobilização entre as empresas. Elas não só fizeram isso, com a decisão de enviar seus representantes, como também elevaram sobremaneira seu grau de comprometimento com os temas debatidos”.
Em comparação com a edição de 2008, os conteúdos de cada sessão foram concebidos no sentido de discutir e mostrar como devem funcionar na prática os novos paradigmas que vão nortear uma economia verde, inclusiva e responsável em substituição ao velho modelo. Ricardo Young avaliou que “a crise acelerou a urgência do desenvolvimento sustentável. As pessoas entendem que o futuro é hoje e querem respostas. Elas estão cada vez menos tolerantes com as divagações”.
Para o presidente do Ethos, “a qualidade das contribuições dos conferencistas a partir dos debates foram muito boas. Mesmo as críticas serão consideradas, porque foram muito bem fundamentadas.” Realizadas após as plenárias e mesas-redondas, as rodas de diálogo, uma novidade deste ano, foram oportunidades de aprofundamento das discussões que registraram um elevado índice de adesão entre os participantes.
Transparência das empresas
Ficou claro na conferência que as empresas precisam colocar em foco, daqui para a frente, o novo consumidor, muito mais consciente e preocupado com o meio ambiente. Segundo Helio Mattar, presidente do Instituto Akatu, o consumidor passou a ser solidário e a ter a percepção de que “estamos todos no mesmo barco”, quando sente que a corporação está verdadeiramente comprometida com práticas sustentáveis. “O atual sistema econômico é agressivo e desumanizador, pois leva as pessoas a ter uma felicidade baseada em bem-estar material e esse impulso de acumulação de bens deve ser um dos primeiros sintomas a serem combatidos. Para isso, é necessária uma grande articulação entre todos os setores da sociedade”, disse ele, em uma das atividades de que participou.
Para Jodie Thorpe, diretora de Economias Emergentes da SustainAbility, em tempos de crise econômica as empresas apostam no engajamento de seus stakeholders para a reconstituição da confiança em suas atividades. “Entender qual é o valor dos relatórios de sustentabilidade e a importância do fortalecimento do diálogo com seus públicos é um dos desafios para as empresas”, ressaltou.
Arab Hoballa, representante do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), alertou que é preciso união entre sociedade, empresas e governos para que o atual modelo capitalista de consumo sofra uma profunda transformação. “Podemos dizer que há 40 ou 50 anos a questão primordial era a produção. Não se discutia consumo. Isso está mudando e hoje temos de decidir: ou vivemos ou nos destruímos”, disse.
Meio ambiente em foco
Como não poderia deixar de ser, os debates sobre a temática ambiental foram os mais acalorados. A Amazônia, as fontes de produção de energia e o aquecimento global foram alguns dos muitos temas ambientalistas apresentados durante a conferência.
Foi consenso entre os debatedores que a pressão social é a única força capaz de apressar as decisões, sobretudo as das agendas positivas do governo e do Legislativo, e que as parcerias entre ministérios e diversos setores da sociedade são o principal caminho para a implementação de ações sustentáveis.
Citando a já conhecida frase “crescer por crescer é a filosofia do câncer”, o professor da PUC-SP Ladislau Dowbor ilustrou as falsas realidades forjadas pelos números escondidos do PIB: “Num mundo em que dois terços da população – cerca de 4 bilhões de pessoas – não têm voz e no qual desastres ecológicos colaboram para o incremento do PIB porque geram fluxo de caixa, está claro que há algo de muito errado com os atuais indicadores de crescimento”.
A secretária do Ministério do Meio Ambiente, Samyra Crespo, lembrou que há dez anos não seria possível abrir uma conferência em torno da Carta da Terra e com parcerias entre setores empresariais, não-governamentais e governo. De acordo com Samyra, “o Ministério do Meio Ambiente é totalmente contra o licenciamento da rodovia BR-319, que liga Porto Velho a Manaus, sem as contrapartidas ambientais, e contra os incentivos à grilagem de terras que estão contidos em artigos da MP458, a ‘MP da Grilagem’, conforme os ambientalistas”.
Para Luiz Fernando Furlan, ex-presidente do conselho administrativo da Sadia, comparou o desmatamento de florestas no norte e no sul do país e a evolução do desenvolvimento dessas regiões – enquanto a Mata Atlântica foi desmatada em sua quase totalidade (93%) para a produção agropecuária, da Amazônia ainda restam 73%. “A preocupação com a Amazônia ultrapassa os limites setoriais, mas é uma prioridade planetária. Até o secretário-geral da ONU fez um apelo para que o mundo coma menos carne”, lembrou o ex-ministro do Desenvolvimento.
A redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) só será possível por meio de um pacto global entre sociedade, empresas e governo. É no que acredita Soren Petersen, coordenador de redes e parcerias do Pacto Global das Nações Unidas. Petersen salientou que desde 2007, quando o IPCC lançou o relatório sobre as mudanças climáticas, a ONU vem monitorando as ações de várias companhias do mundo, no que diz respeito à sustentabilidade. “Criamos um pacto chamado Caring for Climate, do qual participam mais de 300 empresas de todo o mundo. É uma grande oportunidade para esses empresários se comprometerem com metas e estratégias de diminuição de impactos ambientais e sociais”, disse.
Conforme Antônio Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o panorama global é muito pior do que imaginamos. Até os cientistas mais conservadores e céticos estão preocupados com o caminho que estamos seguindo, um caminho desconhecido e sem volta. Na opinião de Nobre, mesmo o cenário descrito pelo IPCC em 2007 é mais ameno do que realidade. “Não sou alarmista, mas as projeções são desoladoras. Se não tomarmos atitudes firmes e rápidas, não sei se teremos tempo. É preciso ter bom senso e decisão. Não existe mais espaço para discussões ideológicas, sejam econômicas ou ambientais. A questão agora é de sobrevivência”, alertou.
Legislação ambiental
Empresários, dirigentes sindicais e de associações indígenas, ambientalistas e jornalistas, num total de 17 líderes da sociedade civil, participaram, durante a conferência, de ato público promovido pelo Instituto Ethos em defesa da legislação ambiental brasileira e contra a sanção da MP 458, a chamada MP da Grilagem.
Setores da sociedade, representados especialmente pela bancada ruralista no Congresso, foram duramente criticados no ato público, que aconteceu na tarde do dia 18, último dia da Conferência Ethos 2009. Eles são acusados de tentar sabotar a legislação ambiental brasileira, emendando a medida provisória com artigos que favorecem grileiros e abrem espaço para o desmatamento.
Para Júlio Barbosa, do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), a aprovação da MP 458 representa um “desmonte da política ambiental brasileira”. Segundo ele, o item que dá garantia de título da terra após três anos de posse abre espaço para a legalização da grilagem, renegando a luta de 20 anos pelos direitos ambientais na Amazônia.
O Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, por meio de um depoimento em vídeo, pronunciou-se contrário às emendas que descaracterizam a MP 458. Ele reafirmou o perigo que habita o Congresso, atualmente dominado pela bancada ruralista, a qual acusou de práticas “terroristas”, como a falsificação de mapas para que o Código Florestal seja modificado.
O representante da empresa de cosméticos Natura, Guilherme Leal, disse que grande parte do empresariado não aceita mais a dilapidação dos recursos naturais em prol do interesse de poucos. Segundo ele, o Brasil vive uma oportunidade histórica de falar mais alto, “porque tem uma situação macroeconômica bastante consolidada e um patrimônio ambiental único”.
O ato público terminou em tom emocionado, com a platéia de cerca de 800 pessoas cantando o Hino Nacional.
Pela Redação Envolverde / Edição de Benjamin S. Gonçalves
Fonte: Instituto Ethos
25/06/2009