Ficou claro na 11ª. edição do evento que as empresas já estão conscientes do que pode ser feito. Agora elas querem saber como viabilizar as ações, de acordo com Paulo Itacarambi, vice-presidente executivo do Ethos.
Os quatro dias da Conferência Internacional Ethos 2009 foram diferentes das edições anteriores. No ano passado, a festa dos 10 anos do Instituto Ethos ocupou grande parte do evento e abriu espaço para um debate quase ufanista sobre a sustentabilidade. Naqueles dias, a crise financeira internacional ainda não havia se instalado e o Ethos estava em grande forma, exercendo sua liderança não apenas entre empresas que buscam seguir os princípios da responsabilidade social empresarial, mas também entre organizações da sociedade civil que se aglutinam em torno de temas relevantes como, por exemplo, a defesa da Amazônia.
Em 2009, a conferência buscou consolidar avanços e impedir que a crise seja usada pelas empresas e organizações como desculpa para retrocessos na busca por modelos de desenvolvimento comprometidos com os princípios da responsabilidade social e da sustentabilidade. Ao fim da 11ª. edição da Conferência Ethos, o diretor-executivo do Instituto Ethos, Paulo Itacarambi, falou ao jornalista Dal Marcondes, da Envolverde, fazendo uma avaliação do evento no atual contexto empresarial e externando as expectativas e planos do instituto para o futuro do movimento.
Dal Marcondes: Ao final de mais uma conferência do Instituto Ethos, ficou bastante claro que os participantes já estão conscientes do sentido de urgência nas transformações. Como você viu isso?
Paulo Itacarambi: Dá para perceber isso na forma como as pessoas estavam participando dos debates. Este ano, a participação teve um caráter mais de trabalho; as pessoas estão mais preocupadas em como fazer. A presença em todas as atividades foi muito alta, a maior parte das pessoas ficou todo o tempo em regime de trabalho e houve altos executivos que não arredaram pé em quatro dias de evento. De fato saímos da história de “o que pode ser feito”, para encarar seriamente “o que tem de ser feito”.
DM: O Ethos está num momento de se repensar e se reposicionar em relação a esse novo cenário, que não é mais de catequese, mas de começar as transformações. Como você vê o Ethos agora e nos próximos anos?
PI: O Ethos está mudando. Acho que cumprimos nosso papel nesses dez anos. Houve muitos avanços no movimento e contribuímos para isso, mas poucas mudanças de fato foram feitas e cada vez mais fica evidente a urgência em fazê-las. Já não basta trabalhar no plano da mudança da gestão das empresas. É indispensável que elas mudem suas práticas e incorporem novos conceitos. Para isso, é necessário trabalhar também no ambiente em que empresas operam. Na economia, na cultura do conjunto da sociedade, há vários elementos que precisam mudar para que a empresa continue mudando.
DM: Quais são as ferramentas que o Ethos pretende usar pra promover essa mudança?
PI: A principal ferramenta é a de movimento mesmo. Esse trabalho não pode ser feito por nenhuma entidade sozinha. Precisa ser realizado por um conjunto de organizações, pela convergência entre suas agendas. O Ethos está propondo uma agenda, provocando as outras organizações. Não precisa ser essa que estamos trazendo, mas temos de encontrar uma agenda para uma nova economia, focada na mudança da economia.
DM: O Ethos então está com uma proposta mais dialética, mais focada em políticas públicas, que possa transformar essa economia com algo articulado com movimentos sociais?
PI: Pois é. É uma combinação entre políticas públicas e mudança de cultura de gestão. Em outras palavras, é a contribuição da ação voluntária e da regulamentação, uma combinação da autorregulação com a regulamentação. É a união dessas duas coisas que passa a ser o enfoque da nossa atividade. Precisamos ter foco no que é estratégico, pois não dá pra atuar em tudo. Elaborar, junto com as empresas e com as outras organizações do movimento, propostas de política econômica, de regulamentação. Tudo isso em torno de uma visão de país. Então o que vai nortear toda essa elaboração, tanto de políticas macro quanto de propostas de regulamentação é a prática empresarial concreta e, acima disso, a construção de uma visão de pais que tenha uma nova economia a ampará-la.
DM: Em 2010 vamos estar em ano eleitoral, em que o país vai reavaliar seus gestores. Há formas de se trabalhar com os possíveis candidatos?
PI: Olha, não estamos pensando nisso neste momento. Acho que devemos trabalhar no âmbito da sociedade para apresentar propostas que possam influenciar os programas dos futuros gestores, e trabalhar com os órgãos públicos para a formulação de propostas. Aliás, devemos trabalhar não apenas com órgãos públicos, mas também com universidades, sindicatos, entidades representativas do mundo empresarial, ONGs e movimentos sociais. Será ótimo se os candidatos incorporarem essas propostas, para o bem da sociedade.
DM: A Conferência Ethos 2009 teve algumas características bem distintas das anteriores. O Ethos vai continuar usando esse modelo ou as coisas mudam daqui pra frente?
PI: Em razão da mudança que o Ethos está propondo em sua estratégia central, possivelmente vai haver alterações. Uma das idéias em debate é ampliar esse movimento de sustentabilidade e RSE de forma mais abrangente na sociedade, defendendo a construção de uma economia ao mesmo tempo inclusiva, verde e responsável. Por enquanto, isso é uma idéia. Como ganhar concretude? Por meio de propostas para os setores específicos e agendas de compromissos específicos dos setores. Uma das sugestões é que, em lugar de manter uma conferência internacional do Ethos, tenhamos um encontro internacional de presidentes de empresas com lideranças da sociedade nos assuntos relacionados a RSE e sustentabilidade, a fim de formularmos propostas com essas pessoas, tanto para as empresas quanto para a economia. Ao mesmo tempo, faríamos encontros regionais para ampliar o movimento pelo país e levar para mais empresas, pequenas e medias, o conteúdo que já acumulamos nesses dez anos. Poderíamos, por exemplo, promover esse formato de conferência em outras regiões do país, considerando as realidades especificas de cada uma.
DM: Nos últimos dois anos, o Ethos, além de ter alcançado um protagonismo muito claro com as empresas, passou a ter influência também sobre outras formas de organização, como as não-governamentais. O que você pode dizer sobre esse caminho de articulação com outras organizações da sociedade civil?
PI: Desde o início do Ethos, a idéia foi sempre trabalhar de um lado com as empresas e do outro com os públicos que influenciam o comportamento das empresas. E a gente veio gradativamente ampliando isso. No primeiro momento, focamos na mídia, depois na academia e em seguida fomos ampliando para os consumidores e até criamos um instituto específico para isso, que é o Akatu. Daí fomos ampliando para ONGs e sindicatos, buscando construir diálogos e estabelecer compromissos entre as empresas e essas organizações. Isso pode ocorrer na forma de fóruns, como o Fórum Amazônia Sustentável, junto com outros parceiros, ou na forma de movimentos, como o Nossa São Paulo, do qual o Ethos é um dos criadores, ou ainda apenas no âmbito das empresas, criando-se um grupo referencial de empresas para a sustentabilidade, por exemplo. Estamos buscando desenvolver mecanismos de cooperação entre as diversas organizações, tanto no plano da cidade e num plano mais geral ou regional, como a Amazônia, quanto no plano específico das empresas. Outro projeto que estamos desenvolvendo, e que agora toma forma, é o InternEthos. Há muito tempo vínhamos planejando constituir uma ferramenta virtual para englobar nossas redes, como a Rede Ethos de Jornalistas, a rede da academia (que reúne estudantes e professores universitários), e as redes de empresas associadas em vários Estados, que constituem a rede empresarial pela sustentabilidade. A função do InternEthos é colocar essas redes em contato umas com as outras, avançando no campo das articulações e nos compromissos com as organizações, bem como no que se refere aos pactos empresariais. O Ethos já vem trabalhando há bastante tempo no sentido de consolidar compromissos públicos e promover as diversas interações, mas agora isso tomou maior vulto.
DM: Como é que estão seu índice de otimismo e seu sentido urgência?
PI: A gente avançou bastante, mas mudou muito pouco. Diante do que ainda é necessário fazer, as mudanças foram muito pequenas, seja na empresa, seja na sociedade. Temos de mudar mais rapidamente, precisamos adotar estratégias mais eficientes para promover essa mudança. É por isso que estamos alterando a estratégia central do Ethos, a fim de trabalhar num plano maior, em conjunto com mais organizações. Tem de ser algo que inclua tanto lideranças do meio empresarial quanto da sociedade e públicas, que formulem um projeto de país, com propostas de políticas econômicas, de práticas empresariais e de mudanças no mercado, e integrem as questões que são centrais para o desenvolvimento sustentável. É preciso reunir lideranças que tenham peso forte no PIB, peso político, peso na sociedade, que sejam representativas e reconhecidas pela sociedade. Só assim vamos conseguir fazer as mudanças.
Fonte: Instituto Ethos
25/06/2009