O Notícias da Semana publicará entrevistas com todos os vencedores do Prêmio Ethos de Jornalismo 2008. Nesta edição, os entrevistados são Cynthia Rosenburg, vencedora na categoria Revista, e André Trigueiro, da categoria Televisão.
Entrevista com Cynthia Rosenburg
Instituto Ethos: Por que jornalistas da área de economia costumam olhar o desenvolvimento econômico apenas sob o enfoque do crescimento, sem abordar as questões com o viés da sustentabilidade?
Cynthia Rosenburg: Acho que não é só o jornalista de economia. Ninguém aprendeu a ter essa visão mais integrada e mais completa das coisas. E nem só os jornalistas, mas também os empresários, os cidadãos, os consumidores. Há, porém, uma evolução muito clara, e percebo isso nas redações, principalmente na revista Época Negócios, em que atuo. Muitas vezes, ao falar com uma fonte, um economista ou alguém do governo, há um esforço de abrir o foco para outras questões que não apenas a do crescimento, como os impactos sociais e ambientais. Os jornalistas de economia estão aprendendo a desenvolver esse olhar. Um exemplo é a Míriam Leitão. Os que cobrem negócios mais diretamente, que é a minha experiência, talvez venham exercitando esse olhar há mais tempo, porque essa discussão começou dentro das empresas, pelo lado da responsabilidade social. Como jornalista de negócios, você é levado a treinar esse olhar, até para poder criticar as ações das empresas.
IE: No seu caso, o que a levou a desenvolver esse olhar?
CR: Trabalhei durante quase oito anos numa publicação que começou a falar disso há tempos. Entrei na revista Exame em 1998, ano em que o Instituto Ethos foi criado. Lembro que naquele ano o Guilherme Leal, co-presidente da Natura, escreveu um artigo falando o que era responsabilidade social. Dois anos depois, a Exame criou, junto com o Instituto Ethos, a edição especial Guia da Boa Cidadania Corporativa, que hoje se chama Guia de Sustentabilidade. Quando comecei lá, vi que esse assunto estava crescendo e me interessei. Fundamental, no meu caso, foi ter trabalhado do outro lado. Trabalhei quase um ano e meio como gerente de Comunicação da Natura. Foi um momento crítico na empresa, o da abertura de capital, em que a discussão era como manter aqueles valores e princípios de negócio tornando-se uma empresa de capital aberto. Mas aquilo foi determinante, porque ficou muito claro para mim que não se trata de um modismo, mas um desafio de negócios gigantesco, que vai mexer muito com as empresas. Depois, quando voltei para o jornalismo, achei que o espaço na imprensa para esse tipo de cobertura iria crescer muito, como de fato aconteceu.
IE: Ainda existe um preconceito dos próprios jornalistas em relação à cobertura de ações de responsabilidade social, pois julgam em geral que se trata de maquiagem verde. Como o jornalista pode aprender a separar o joio do trigo, diferenciar a maquiagem verde das boas práticas?
CR: É superdifícil hoje, na cobertura de negócios, separar o joio do trigo. O jornalista não consegue fazer isso se não tiver clareza do conceito, de que tipo de práticas está observando, de qual é o negócio central de cada empresa e qual o impacto que ela tem do ponto de vista da sustentabilidade. É preciso ter muita clareza do caminho que as diversas empresas, em diversos setores, vão precisar trilhar daqui para a frente. Hoje há um amadurecimento dessa discussão nas próprias empresas. Por outro lado, muitas delas estão aproveitando para pegar essa onda e fazer a maquiagem verde. Ficou mais difícil fazer essa distinção, esse filtro. Quem trabalha em jornalismo de negócios passou a ser bombardeado com sugestões de empresas, de assessorias de imprensa e de consultores que também têm seu interesse ali. O que se pode fazer? Acho que o papel do jornalista é ouvir cada empresa com aquelas regrinhas de sempre do jornalismo, que mais do que nunca continuam valendo. Você vai ouvir o que a empresa tem a dizer, mas também especialistas, pessoas que estão relacionadas à empresa, fornecedores, concorrentes, consumidores, clientes, e tentar colocar aquele tema num contexto. Não dá pra simplificar demais e não há receita de bolo, mas acho que um jeito de separar o joio do trigo é observar qual é o negócio dessa empresa. A publicidade dos bancos, por exemplo, hoje é voltada para a sustentabilidade. Mas qual a questão central do negócio, o que um banco faz? Empresta dinheiro. Quando ele faz isso, que impacto tem? Está cobrando juros exorbitantes? Está estimulando o consumo da população de baixa renda? E como fica, nesse contexto, um banco que tem uma ação social relevante? Isso é importante para a sustentabilidade? É louvável que um banco invista em educação? Sim, mas, se estamos falando em sustentabilidade, vamos olhar para o centro do negócio. Não vamos abandonar esse olhar crítico sobre o negócio, os impactos e os riscos.
IE: Como as empresas devem fazer esse tipo de comunicação?
CR: Existe um gigantesco desafio de comunicação por parte das empresas. Hoje o discurso é completamente padronizado. Se você olhar as primeiras páginas dos relatórios de sustentabilidade, onde está a mensagem institucional, e tirar os nomes das empresas, é sempre a mesma coisa. Todo mundo tenta olhar para sua história, ver que elementos de movimento social e cuidados ambientais ao longo dessa história justificam uma abordagem de sustentabilidade hoje, para tentar dizer que sempre fizeram isso. Todas têm a sustentabilidade no seu DNA. Todas se consideram prontas. E pouquíssimas falam de desafios, de dilemas, de riscos, e nunca falam de resultados, nem do que querem alcançar. Nós, como jornalistas, não podemos esperar que as empresas evoluam nisso. Temos de continuar a fazer as matérias, sendo críticos, enquanto as empresas descobrem como melhorar sua comunicação.
Entrevista com André Trigueiro
Instituto Ethos: No programa Cidades e Soluções, apresentado na Globo News, você apresenta experiências de baixo custo que usam recursos de forma sustentável. Qual é o papel da imprensa na disseminação desse tipo de soluções?
André Trigueiro: Entendo que a função social da mídia, num planeta que experimenta uma crise ambiental sem precedentes, é não apenas revelar as origens da crise, mas sinalizar rumos e perspectivas. É dar visibilidade às boas práticas, às boas experiências, àquilo que a gente poderia chamar de solução. Estou convencido disso porque experimento essa realidade e vejo que surte efeito. Você consegue inspirar gestores públicos ou privados, e mesmo um cidadão comum, alguém que tem uma liderança comunitária, a buscar mais informações sobre determinada experiência e, se for possível e interessante, replicá-la. Estamos aqui para fomentar a multiplicação dessas experiências onde elas forem pertinentes, cabíveis, e onde a relação custo-benefício for bem resolvida.
IE: O que falta para que a maioria dos jornalistas produza matérias a partir do enfoque do desenvolvimento sustentável?
AT: Cultura, informação, uma pitada de ousadia e outra de coragem. Existe um arrastão vibratório na direção das rotinas, das mesmices, da receita de bolo. Nesse sentido, a pitada de ousadia e de coragem é você imaginar que talvez não seja propriamente ruim fazer algo diferente. O diferente que assusta talvez não seja o diferente que te exponha a situações vexatórias ou constrangedoras, muito pelo contrário. E cultura e informação são necessárias porque a gente está falando de fato de um assunto que precisa ser garimpado. É preciso descobrir onde estão essas histórias, quem são as pessoas mais indicadas para contar essas histórias com propriedade e como transformar isso em notícia. Hoje é mais fácil fazer isso do que já foi num passado recente, pois há um processo de transformação em curso. Mas, ao mesmo tempo, há um senso de urgência. Não basta mudar, é preciso mudar rápido e incomodar. A gente só realiza essa manobra, com o timing necessário, incomodando. Se a gente quer agradar a todos, estar de bem com a vida e com todo mundo, é melhor não dar muita bola para a sustentabilidade. O selo que assegura que você está no caminho certo é se você está incomodando.
IE: Você ganhou o Prêmio Ethos de Jornalismo por trabalhos apresentados em 2003 e em 2007, e agora, em 2008, pelo conjunto da obra. Como você vê essa iniciativa do Ethos em reconhecer, por meio do prêmio, os jornalistas que falam sobre responsabilidade social e sustentabilidade?
AT: Prêmio é reconhecimento. É evidente que a partir do prêmio, em determinadas redações, alguns trabalhos passam a ter mais prestígio, certas pautas são apreciadas com mais respeito e você começa a ter um elemento indutor no sentido de abrir caminhos. Entendo que a função do prêmio é lubrificar engrenagens que estão emperradas. Você está trabalhando com a vaidade não só das pessoas físicas, mas também das pessoas jurídicas. A vaidade tem seu lado positivo. A maior parte das pessoas que conheço não realiza seu trabalho em função do prêmio. Mas, quando ele acontece, você pode contar esse efeito inspirador para quem te emprega, para quem paga teu salário e vê que esse trabalho, que eventualmente é o patinho feio da pauta, merece atenção e respeito.
Fonte: Instituto Ethos
13/10/2008