Por Sônia Araripe
Não o chamem de empresário. Ex-presidente da Klabin Papel e Celulose – que precisou assumir com o falecimento do pai, aos 30 anos e ainda hoje se mantém no Conselho de Administração – e ex-prefeito do Rio de Janeiro de 1979 a 1980, Israel Klabin gosta mesmo é de ser lembrado como um voluntário na causa da defesa da Sustentabilidade do planeta. Presidente da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), tem sido, desde 1992 interlocutor privilegiado nos debates sobre clima e Meio Ambiente em diferentes rodas, seja no Brasil ou no exterior. Viaja muito a convite de seminários e conferências, dentre as quais a Universidade Federal do Rio de Janeiro, a Fundação Getúlio Vargas, a Harvard University, a Tel Aviv University e a University of Southern California. Engenheiro de formação, se autodefine um acadêmico.
Em entrevista à Plurale em revista – trajando camisa jeans manga longa, mas sem esconder a elegância e sobriedade de lorde britânico, concedida no escritório cercado de muito verde – Klabin não usa de meias palavras. Toca o dedo na ferida de um modismo no mundo empresarial que passou a incorporar conceitos de responsabilidade socioambiental apenas como estratégia de marketing. “Trata-se do nouveau richismo, seja individual ou corporativo. Isto tudo está relacionado ao modelo econômico decadente e não sustentável.” Defende a reforma agrícola e não agrária; assegura que a fome no Brasil é fácil de ser resolvida e faz sugestões para um planeta mais sustentável. Confira a opinião de Klabin a seguir.
Revista Plurale: O senhor tem viajado muito para dar palestras e participar de conferências. Que visão o senhor tem hoje do cenário mundial do ponto-de-vista da sustentabilidade e como o Brasil se insere neste contexto?
Israel Klabin: Antes de partirmos para este debate, precisamos olhar o Brasil dentro de uma perspectiva histórica da evolução de diversos modelos que conduziram o planeta até este ponto em que estamos, no qual o Brasil faz parte. Saímos de uma pré-história que nos originou, quando o homem pré-histórico que era caçador, tornou-se o pecuarista de hoje. Quando o coletor de raízes e frutas da floresta tornou-se agricultor. E o homem que vivia à beira-mar e pescava, tornou-se pescador e um grande predador de reservas do mar.
Revista Plurale: Uma dependência forte da natureza…
Israel Klabin: Exato. Estas relações todas até hoje eram baseadas sempre na relação do homem com a natureza. Era o homem que precisava de comida, de fogo, de casa, de um contexto urbano, de se relacionar com outros. Dando um grande salto na História, esta relação foi quebrada quando entramos no século 18, na Revolução Industrial. Neste momento, alguns países detentores das matérias-primas essenciais para esta revolução do modelo econômico saltaram na frente. Outros procuraram acesso a estas mesmas fontes de matérias-primas, que depois foram chamadas de commodities procurando chegar a elas através de guerras ou domínios econômicos. Isso tudo funcionou com um relativo equilíbrio dentro de uma dinâmica que levou o planeta a começar a necessitar de modelos mais sofisticados.
RP: E vieram as várias guerras.
IK: Mais até do que isto. Estes modelos foram produzidos pelas guerras, as grandes guerras globais. Gosto muito da divisão que o grande historiador inglês Arnold Toynbee faz, separando os séculos em quatro fases distintas: as guerras preparatórias, a primeira grande guerra que era prenúncio de uma fase intermediária e logo depois eclodiria em uma guerra total. Vimos isso no século 20 e essas mesmas guerras mudaram de certa forma o acesso dos grandes países aos recursos naturais que eles precisavam pra manter a seqüência de sua dominação sobre esses mesmos recursos naturais. Aí começaram as evoluções dos modelos provocadas primeiro pelo acréscimo enorme da demanda desses mesmos recursos e pela explosão demográfica. Segundo, pela necessidade de posicionamento em relação a recursos estratégicos por motivo de defesa e terceiro, provavelmente o mais importante, last but not least, pela dominação dos recursos energéticos.
RP: Como a crucial questão do petróleo…
IK: Isso mesmo. O petróleo, naquela ocasião, chegou a ser cotado a dois dólares. Recordo-me bem da cotação a 25/30 dólares. Hoje está cotado a 130 dólares o barril. Esses recursos energéticos foram induzidos a serem utilizados dentro da Revolução Industrial e os detentores destes recursos estabeleceram seus próprios modelos econômicos no qual desenvolvimento era o aumento de consumo. Até hoje, o conceito de desenvolvimento econômico está intimamente ligado ao aumento de consumo. Este aumento de consumo bate de frente com a limitação dos recursos naturais e também com o uso de recursos energéticos oriundos de combustíveis fósseis que são a fonte de mais de 80% das necessidades de energia do planeta. Surge aí o divisor de águas: durante o Século 20, o mundo avançou rapidamente para um sistema de comunicação global. O pobre que não sabia, hoje sabe tanto quanto o rico.
RP: Talvez nem tanto. Mas, ao menos estas pessoas passaram a ter algum acesso à informação. Não sei se chega a ser uma competição de igual para igual …
IK: Quando falo sabe, quero dizer que estas pessoas passaram a ter acesso, entende? A mobilidade social destruiu conceitos de elite e reformulou este conceito de outras formas. Estamos caminhando para uma sociedade do saber e não mais a sociedade do ter. Hoje, o rico não é mais elite. O sábio é a elite. O que vive de acordo com a realidade do dia não é a elite. Aquele que cria a realidade do futuro é a elite.
RP: O divisor de águas foi o acesso às informações, ao conhecimento. O senhor poderia explicar melhor.
IK: Estava falando sobre o divisor de águas. Em primeiro lugar, a inviabilização do modelo energético, pelos impactos ambientais que ele causa e que nós temos hoje a certeza absoluta e concreta que o planeta não sobreviverá, como nós o conhecemos, ao uso crescente ou mesmo dentro das emissões atuais da matriz energética. Estou ajudando a organizar uma conferência em Israel dentro da preocupação de projetarmos a matriz energética do futuro. Segundo, o modelo de gerir economias nacionais evoluiu para modelos sofisticados de gerenciamento das economias globais provocando outro impacto. A relação de trocas que era baseada em moedas que estavam com seus valores amarrados ao valor de recursos naturais, a partir de 1972, quando o presidente Nixon terminou a paridade do dólar pouco a pouco as moedas do mundo começaram a desaparecer e a moeda de referência passou a ser o dólar. E o mundo inteiro passou a depender, dentro dos seus modelos nacionais, da relação do valor de sua moeda com o valor do dólar.
RP: O impacto desta mudança foi gigantesco.
IK: Exato. Modelos econômicos baseados no aumento de consumo esbarraram no limite da capacidade de consumo de certos países como, por exemplo, os Estados Unidos e o impasse que isso provocou com relação a sua moeda e da sua virtualidade enfraqueceu todo o resto do modelo. Então, há a inviabilidade física do modelo da matriz energética. Nós temos a inviabilidade estrutural do modelo econômico.E finalmente, por causa da comunicação global nós passamos a ter a inviabilidade de um modelo social cristalizado entre pobres e ricos.
RP: É possível pensar nesse cenário em crescimento sustentável?
IK: Eu estava falando dos cenários. Se não houver propostas de modificação destes modelos inviabiliza. Nós, aqui na FBDS, estamos trabalhando na modelagem dos impactos das mudanças climáticas sobre as diversas partes do mundo. Os cenários são vários modelos feitos pelo IPCC (Painel de Mudanças Climáticas da ONU), e que mostram dois níveis: a inter-relação entre a mudança climática e a disponibilidade de água. Água é o recurso final sem o qual não há nem sustentabilidade, nem viabilidade da vida. Portanto a distribuição da água quanto do clima são funções fundamentais impactadas pela matriz energética. Quais são as três insustentabilidades? Conforme vimos da matriz energética, do modelo econômico baseado em valores de moedas virtuais e da cristalização do modelo social não inclusivo. Mas você quer que eu fale de um cenário prospectivo ou analise o Brasil?
RP: O sr. poderia, por favor, complementar a resposta à pergunta anterior. É possível imaginar o crescimento de maneira sustentada?
IK: Imaginar o crescimento sustentado é possível. O problema é realizá-lo. Vamos ver o que seria um modelo de desenvolvimento sustentável. Primeiro baseado em uma evolução tecnológica que permitisse plena oferta de energia oriunda de recursos renováveis ou não poluentes. Como o etanol o biodiesel e não poluente seria a energia do vento, o hidrogênio etc. Segundo, o modelo econômico que mudasse os hábitos de consumo que se canaliza a poupança nacional para o equilíbrio entre oferta e necessidades de bens e serviços. Terceira condição, que este modelo direcionasse para o os diversos modelos sociais, nacionais e globais dos excessos de poupança que permitissem caminhar para a equalização de oportunidades. Não estou falando de renda. O quarto que também é fundamental através de modelos educacionais e que fosse o catalisador de criatividade e valores. Isso tudo só seria possível com a recriação de uma ética econômica e social. O modelo econômico sustentável deve ser baseado nesse quarto item. O resto é tudo mecânico.
RP: E quanto ao Brasil, qual é a sua avaliação?
IK: Olhando o Brasil de fora para dentro eu uso a frase que em 1939 Churchill falou sobre a Rússia de então, ou seja, a União Soviética. Ele disse que o país era “um quebra cabeça embrulhado em mistério e dentro de um enigma.” Ou seja, que o Brasil é menos um país e é mais uma região geográfica que tem um destino de enorme importância pela sua realidade física, pelo seu tamanho e pelas diversas realidades regionais que se misturaram harmonicamente.
RP: O nosso país tem e terá um papel importante seja pelas energias renováveis, seja pelas ofertas de produtos cada vez com maior valor agregado?
IK: Tudo indica que os ativos que o Brasil detém em termos de recursos naturais, sejam eles, de água, território, clima em relação ao resto dos países desenvolvidos é um horizonte de possibilidades não mais no futuro, mas no presente. Problema: que a liberdade de ação e do desenvolvimento do país tenha como parâmetros fundamentais a ordem interna e externa tanto econômica quanto social, que o projeto de inclusão socioeconômico e cultural seja apressado e que o Estado saiba canalizar os seus recursos sem coibir para as áreas fundamentais de infra-estrutura e de educação,deixando o setor privado fazer a parte dele.
RP: Estamos na direção certa?
IK: Einstein disse: “O mundo não suplantará o atual estado de crises usando os mesmos pensamentos que criaram esta situação.”
Traduzindo Einstein, o anacronismo dos nossos Três Poderes – tanto no Executivo, quanto no Legislativo e Judiciário – precisa ser repensado tendo em vista as realidades do século 21 se é que queremos ao século 22.
RP: Gostaríamos de ouvir sua opinião. Muitos especialistas acreditam que há muito mais modismo do que realmente práticas sustentáveis sendo desenvolvidas. Passada esta fase de modismo da sustentabilidade o senhor acha que algumas ações, vão ficar. Há trabalhos sérios?
IK: As áreas que o Brasil tem de importância para o futuro ainda estão relativamente intocadas. O exemplo mais gritante é a Amazônia. O Brasil depende fundamentalmente da preservação intacta da Amazônia. Alguém poderá dizer: mas aquilo lá é um ativo de grande valor se for realizado. Mas é um ativo de muito maior valor se nós não o realizarmos. Isso é modernidade. Veja que coisa extraordinária acontece com este país. Tem uma costa de mais de oito mil kms de extensão, uma bacia hidrográfica enorme, capaz de ser transformada em hidrovias diretamente ou através de canais. Não tem barreiras, cordilheiras que nos impeçam de ter transporte ferroviário. No entanto, copiamos o modelo de transportes de países desenvolvidos que não tinham as nossas mesmas qualidades e facilidades e temos hoje um modelo de transporte essencialmente rodoviário que é um nó enorme para toda a economia do país. Não precisamos copiar ninguém. Temos que nos realizar através da reinvenção do Brasil. Então isso tudo é sustentabilidade. A sustentabilidade do país se faz através da disconcionante destes itens que falei há pouco, porém, usando ao máximo o nosso potencial local.
RP: Estas ações de vários brasileiros não têm feito diferença? Porque o brasileiro tem cada vez mais encontrado soluções e tecnologias para a realidade local. Até porque por muito tempo acreditou-se que a tecnologia estava lá fora e era preciso copiar.
IK: O Brasil tem uma capacidade criativa enorme. A melhor coisa que este país tem é o brasileiro. Isso é muito melhor do que todos os recursos naturais que temos. Porque é inacreditável que um país deste tamanho, com 180 milhões de pessoas não tenha revoluções internas, guerras externas, nem tendências hegemônicas. É um país abençoado neste sentido, sem dúvida alguma.
RP: Não vivemos quase uma convulsão social principalmente nos grandes centros?
IK: Não chamaria de convulsão social. Existe uma desordem tanto no contexto urbano quanto social. Por exemplo: o Brasil não precisa de uma reforma agrária, mas precisa sim de uma reforma agrícola, o que é bem diferente. Se pensar em termos de produtividade, produção e de alocação de recursos humanos a um processo evolutivo do ponto-de-vista de conquista de melhorias de trabalho e renda, é preciso mudar os critérios das reformas que estão sendo discutidas e feitas. Reforma por desordem não funciona. É preciso ter ordem . As revoluções não têm taxa de sucesso. As evoluções têm taxa de sucesso. É isso o que nós precisamos. E as propostas ainda não são tão claramente definidas. Vocês publicaram (Plurale em revista, edição 1, de outubro de 2007) uma entrevista com a Zilda Arns. Este projeto foi um avanço enorme! E teve também o Bolsa Escola, que basicamente tinha a idéia de ensinar a pescar e não dar o peixe. O Bolsa Família, no meu entender, está dando o peixe, mas não está ensinando a pescar.
RP: A própria Dra. Zilda Arns adverte ser preciso atentar para o problema da fome no Brasil. O sr. não concorda?
IK: Fome no Brasil? Não acredito que o problema seja de fome. É preciso pesquisar os números do IBGE. Ou faça esta pergunta para o Sérgio Besserman Vianna (presidente do Instituto Pereira Passos, entrevistado de Plurale em revista, edição 5, de março/abril de 2008). Pergunte para ele sobre fome e miséria ano Brasil. E o Sérgio dará também números que desmistificam este tema. O Brasil não é um país pobre. O País não tem miséria nem tem fome. Vou explicar melhor. É claro que tem, mas não esta fome absurda que existe ainda hoje na China, na Índia e em vários países africanos. A fome e a miséria no Brasil são acontecimentos de fácil solução.
RP: O sr. concorda com estes especialistas que há certo “modismo” exagerado, principalmente do setor empresarial, em se vangloriar de boas práticas de responsabilidade socioambiental? No sentido de se autoentitular como for melhor para sua imagem. E cada um usa a seu favor a imagem de marketing que melhor lhe apetece: um grupo é o guardião da floresta, o outro é amigo das crianças, etc.
IK: Você está falando sobre o nouveau richismo, seja individual ou corporativo. Isto tudo está relacionado ao modelo econômico decadente e não sustentável. Sei que tem gente que vai ficar chateado comigo, mas pode escrever.
RP: E quando, na sua opinião, estas ações e estratégia realmente saem do terreno apenas do marketing para se transformar em uma política realmente sustentável, verdadeira e consistente?
IK: Quando o rico achar que a sua riqueza não lhe pertence. Mas que ela deva ter uma função social e cultural. Sem perder de vista que a riqueza é também um instrumento necessário para a continuidade do processo econômico. Nós que trabalhamos com Sustentabilidade temos como paradigma o triple botton line. Todo o desenvolvimento sustentado é baseado no tripé no qual o social, econômico e ambiental tem que estar juntos em um modelo de governança. Se não tiver, não é sustentável.
RP: O senhor poderia lembrar um pouco quando se deu a mudança em sua vida para o caminho da Sustentabilidade e do Terceiro Setor? Porque a maioria das pessoas conhece sua trajetória política e empresarial e não este trabalho dos últimos anos.
IK: Nunca mudei. Fui sempre assim. Minha vida sempre foi acadêmica. Fiz Engenharia, tirei Mestrado em Matemática e Física. Depois fui para a França e fiz Doutorado no Institut dês Science Politique, Paris. Quando voltei comecei a trabalhar em projetos de Desenvolvimento na antiga Comissão Mista Brasil-EUA, depois fui um dos criadores da Sudene. Aí tive que assumir a empresa, com a morte prematura do meu pai. Implantei lá toda a parte de Sustentabilidade.
RP: Que idade o sr. tinha, então?
IK: Tinha 30 anos quando passei a administrar um negócio com cerca de 25 mil pessoas. Me distanciei um pouco da vida acadêmica, mas, mesmo assim não abandonei os meus estudos. Até que a empresa caminhou para a profissionalização. Ainda continuo ligado, com muito orgulho e muita honra. É uma empresa que descobriu o reflorestamento no Brasil, dentro dos conceitos da Sustentabilidade, mantendo os recursos naturais, continuando a ser 100% brasileira. Depois da profissionalização eu pude voltar a assumir a vida acadêmica, em 1988.
RP: Hoje, o sr. é mais feliz?
IK: Muito mais feliz. E acho que não fiz nada na minha vida que não tenha me deixado feliz.
RP: As questões sociais, ambientais, do planeta lhe preocupam, lhe tiram o sono?
IK: Se eu não achasse que o destino do planeta não está apenas nas mãos do homem possivelmente eu teria desistido. Mas, como eu tenho uma profunda religiosidade, que não está intimamente ligada à idéia da religião, tenho a consciência da limitação do homem em conhecer todas as dimensões da criação. O meu otimismo vem do profundo reconhecimento da minha ignorância.
Fonte: Envolverde/Revista Plurale
Data: 24/06/2008