*Andrew Milner
Os doadores trabalham em um contexto em que, muitas vezes, é impossível medir o sucesso em termos numéricos e em que avaliar o impacto pode ser um problema. Assumir riscos é parte intrínseca da concessão de financiamentos. Mas, se os resultados de uma decisão são incertos, como avaliar o risco envolvido? Será que uma melhor mensuração dos resultados pode reduzir os riscos, ou uma obsessão com métricas torna os financiadores cautelosos demais e avessos a riscos?
A Alliance perguntou a vários financiadores quanto risco eles estavam dispostos a assumir, como avaliavam os riscos e que métodos adotavam para minimizá-los? O que está em jogo – e para quem?
Talvez a primeira coisa a dizer seja que não é apenas dinheiro que as fundações podem perder. O custo pode, muitas vezes, ser um prejuízo à reputação da fundação, a perda de uma oportunidade ou, em casos extremos, danos à propriedades ou à integridade física de seus beneficiários ou de seus próprios agentes. Para Ila Hukku, da CRY Índia, “a questão de risco gira em torno da compreensão de quem são os interesses que a fundação representa e de quanto poder esses interesses têm sobre as suas decisões”.
Não são os próprios financiadores quem mais provavelmente sofrerão as conseqüências adversas do fracasso dos financiamentos, explica Hukku. O maior risco, acredita ela, é dos beneficiários finais – a quem ela chama de grupos de referência ou comunidades: “Se os grupos de referência/comunidades estarão melhor ou pior do que antes do financiamento é o risco assumido cada vez que permitem que intervenções financiadas e/ou dirigidas externamente sejam feitas em suas vidas. O impacto do financiamento deve ser avaliado com base nisso, tendo como centro o feedback das próprias comunidades/grupos.”
Como Paul Shoemaker, da Social Venture Partners Seattle, ressalta, não é fácil avaliar riscos: “Todo mundo sabe o que é sucesso ou fracasso no setor de negócios… o serviço ou produto dá ou não dá dinheiro. No mundo sem fins lucrativos, não temos tanta certeza do que é fracasso, porque não temos um método claro de medir o sucesso. Se não temos certeza de como medir o sucesso, é difícil avaliar os riscos.”
Ele levanta uma outra questão que vale a pena mencionar. “O objetivo final são resultados melhores para os clientes a quem nossas organizações atendem. Precisamos ter cuidado para não nos tornarmos enamorados do risco pelo risco. Alguns programas de baixo risco nos ajudam a alcançar nosso objetivo de melhorar vidas. Os clientes atendidos não ligam se o programa é inovador, revolucionário ou de “alto risco”. Eles só desejam uma vida melhor.”
Tade Aina, representante da Fundação Ford na África Oriental, produz uma tipologia completa de riscos: “riscos políticos, riscos programáticos, riscos físicos e riscos que não são ameaças apenas para a fundação, mas também para os seus beneficiários e constituintes”. Mas ele acredita que “a variedade de riscos e a disposição de assumi-los cria a distinção especial entre as fundações que buscam a justiça social, cujos riscos assumidos podem ter conseqüências reais e duradouras para a fundação, seus beneficiários e seus constituintes, e aquelas cujos riscos assumidos são definidos pelo grau de inovação programática ou empreendedorismo.”
Os últimos, acredita ele, “não são terrivelmente altos porque estão rompendo fronteiras, experimentando estratégias, metodologias ou abordagens criativas ou que nunca foram usadas antes. Elas podem ou não funcionar. Existe sempre uma margem de erro, e o dano, normalmente, é mais para egos individuais e/ou institucionais e resultados nas avaliações”.
Ila Hukku acrescenta que “a exposição de comunidades a riscos (e, por associação, a exposição da fundação financiadora) é maior quando envolve questões políticas (com “político” me refiro à relação com equações de poder prevalentes na sociedade, quem tem e quem não tem poder, e como desafiar este status quo em favor dos que não têm poder)”.
Parte do negócio
As pessoas com quem conversamos, todas vêem o risco como parte integrante do financiamento. “Esses riscos são parte do negócio”, diz Tade Aina. “Eles são necessários se quisermos encontrar soluções para os grandes problemas.” Emilio Rui Vilar, da Fundação Calouste Gulbenkian, concorda: “Por natureza, as fundações precisam correr riscos, especialmente em comparação com as instituições governamentais e os agentes do mercado. Isso significa que as fundações têm de aceitar a possibilidade de fracasso como parte do seu processo de intervenção de longo prazo.”
Além disso, em alguns casos, correr risco não é apenas inevitável, mas também desejável, pois oferece oportunidades. Conny Hoitink, da Oxfam Novib, diz que a missão da sua organização é “apoiar as pessoas em sua luta por justiça e por uma vida sem pobreza”. Ela trabalha em um ambiente sujeito a constantes mudanças. “No que planejamos fazer, não podemos simplesmente depender do que deu certo no passado, porque pode não dar certo no futuro, pois a situação terá mudado e continuará a mudar.”
Essa incerteza, diz ela, “nos dá oportunidades de causar mudanças sociais e, ao mesmo tempo, temos de encarar o perigo de ter resultados negativos ou mesmo fracassos. É assim que encaramos os riscos e isso implica procurarmos deliberadamente correr riscos.”
“Na Social Venture Partners Seattle”, diz Paul Shoemaker, “os comitês de financiamento dentro da organização constantemente perguntam quanto “risco” é tolerável na concessão de financiamentos. Eles perguntam se é melhor financiar organizações que ainda estão engatinhando, mas que oferecem maneiras inovadoras de atingir os clientes, ou organizações que são bem administradas e bem financiadas, mesmo que seja menos claro que estejam promovendo grandes mudanças nas vidas que elas tocam.”
Ele complementa: “O conselho analisa o portfólio de investimentos e pergunta se temos o mix certo…e quais são os investimentos arriscados e os que são seguros.”
Como os riscos são avaliados e reduzidos?
“Nossa estratégia”, diz Daniel Dickens, da HelpArgentina, “é ter a mente aberta e uma atitude cética, sermos empíricos na tomada de decisão e não termos medo de atuar na prática. Visamos estar preparados para as conseqüências de eventos negativos imprevistos e, ao mesmo tempo, nos colocar na posição de aproveitar eventos positivos imprevistos.”
Ele explica que as organizações-membro da HelpArgentina “todas passam por um rigoroso processo de seleção, similar às averiguações feitas no setor privado, ou seja, análise dos registros financeiros, declarações de impostos, solidez das estruturas institucionais (conselho, funcionários e voluntários), visitas às instalações, além de testemunhos e entrevistas com investidores anteriores, membros e beneficiários.”
“A avaliação deliberada de riscos nos permite gerenciá-los da forma mais eficaz possível”, diz Conny Hoitink. “Por exemplo, um risco que assumimos é a probabilidade de irromperem conflitos armados nas regiões em que operamos, tendo como possíveis conseqüências a perda de vidas e propriedades de nossos beneficiários, e a impossibilidade de alcançarmos os resultados esperados. Outro risco é a possibilidade de má administração financeira por parte dos financiados que operam em locais onde não há sistemas bancários e onde o acesso a auditores independentes é limitado. Isso pode resultar em danos à nossa reputação como doadores.”
Quanto aos riscos financeiros, Hoitink explica que a Oxfam Novib tem um sistema “segundo o qual classificamos a exposição a risco financeiro, seguido de um sistema de medidas de redução de risco, como monitoramento cuidadoso através de relatórios mais freqüentes, auditorias extras e/ou envolvimento da gerência, da Qualidade e Controle e do Departamento de Comunicação”.
Outro meio que a Oxfam Novib usa para avaliar riscos e reduzi-los tanto quanto possível são seus Planos de Gerenciamento Estratégico de Portfólio (SPMs) para os países e regiões em que opera. “Os SPMs apresentam uma análise das oportunidades de contribuirmos para mudanças sociais e os riscos que, se tornarem-se problemas, podem solapar o sucesso da estratégia.”
Com relação às oportunidades potenciais, cada SPM pergunta: “Qual é o evento futuro incerto: qual é a estratégia de mudança da Oxfam Novib? Quais são as conseqüências positivas se a estratégia tiver sucesso: os resultados esperados? Qual é a probabilidade da estratégia ter sucesso? Temos capacidade demonstrada internamente? Que atores externos apóiam a estratégia? Quais são os fatores externos favoráveis?”
Um conjunto equivalente de perguntas é feito em relação aos riscos potenciais: “Qual é o perigo que poderia minar a implementação bem-sucedida da nossa estratégia? Quais seriam as conseqüências negativas se esse perigo se concretizasse? Qual é a probabilidade desse perigo se tornar um problema?”
Para financiamentos individuais, diz ela, a pergunta real não é se existe um risco, mas “a resposta à pergunta: a oportunidade vale os riscos principais?
O nível de risco aceitável, ou o que às vezes chamamos de nosso apetite por risco, é determinado caso a caso e depende principalmente de julgamento. Logicamente, em ambientes voláteis, um alto nível de risco relativo (à oportunidade) será aceito, mas será acompanhado de medidas mais rigorosas de redução de risco… mas, em alguns casos, isso não pode ir além de um monitoramento mais de perto e de estarmos preparados para as conseqüências.”
Ila Hukku acredita que “no caso das fundações que trabalham com uma agenda de justiça em particular, a minimização de riscos está em garantir que a voz das comunidades de referência estejam bem representadas e que sejam levadas em conta nas decisões.”
“A longo prazo”, diz Emilio Rui Vilar, “uma visão clara a sólida baseada em ações criativas e sustentáveis será sempre a resposta apropriada ao gerenciamento de riscos e à obtenção de impacto. Temos de encarar as circunstâncias com realismo, mas devemos evitar a mera metrificação da filantropia.”
Prevendo orçamento para os riscos
Os financiadores com quem conversamos têm um fundo específico para os seus empreendimentos de alto risco? Em alguns casos, sim. “Na Fundação Gulbenkian”, diz Emilio Rui Vilar,”nós alocamos uma parte generosa de nosso orçamento anual para projetos inovadores, e tanto nossos funcionários quanto outras entidades podem apresentar propostas para este fundo. Nós conduzimos vários projetos que podem ser considerados “arriscados” do ponto de vista da Fundação, especialmente por causa dos resultados incertos.”
Ele dá como exemplo um projeto-piloto de três anos de investimento em bancos moleculares e genéticos da imunobiologia de malária no rato e no homem. “Este projeto se provou um sucesso, com instituições externas cobrindo o nosso financiamento para dar continuidade à pesquisa.”
“Sabendo que algumas oportunidades surgem”, diz Conny Hoitink, “onde temos pouca ou nenhuma experiência”, a Oxfam Novib reservou “três orçamentos especiais, equivalentes a 6 por cento de nosso orçamento total de financiamento”: um fundo de inovação para iniciativas que “desafiam as crenças e práticas tradicionais nos campos combinados de justiça, gênero, saúde sexual e educação de jovens”; um fundo de diversidade para incrementar os investimentos na China e no mundo árabe, e um terceiro “para a criação de conhecimento sob a forma de “práticas boas e inovadoras” que serão compartilhadas com todos os nossos financiados.”
Tade Aina afirma que a programação em algumas áreas de trabalho pode ser inerentemente arriscada, “por exemplo, a liberdade de expressão em regimes autoritários ou direitos sexuais e reprodutivos em contextos religiosos fundamentalistas ou conservadores”. Nesses casos, a decisão de financiar nessas áreas é, de fato, uma decisão de alocar fundos a empreendimentos de mais alto risco.
Filantropos de risco
Seria de se supor que os “filantropos de risco” demonstrassem maior apetite pelo risco do que os assim-chamados “doadores tradicionais”. Entretanto, as opiniões de nossos entrevistados se dividem quanto a isso. Tade Aina acredita que não é esse o caso, uma vez que eles “quase nunca atacam as questões fundamentais de justiça social”. Emilio Rui Vilar concorda que, à primeira vista, eles deveriam, mas que, se por filantropia de risco nos referimos apenas a intervenções de curto prazo e comensuráveis, ele argumentaria que os filantropos de risco têm menos capacidade de assumir riscos. “Os filantropos de risco sempre preferem ações de curto prazo a intervenções de longo prazo, que envolvem mais recursos e são claramente mais “arriscadas”.”
Mas a HelpArgentina tem ponto de vista oposto – 20% de seu investimento social é feito através do que Daniel Dickens descreve como filantropia de risco: “Os filantropos de risco realmente provaram ser mais dispostos a assumir riscos maiores em seus investimentos sociais.”
A filantropia de risco pode ser também a medida corretiva vital contra o que Daniel chama de “mentalidade de clube da assistência internacional” e as idiossincrasias dos esquemas tradicionais de financiamento. Esse tipo de filantropia tende a identificar organizações que não têm acesso ao investimento social tradicional por causa de barreiras à sua entrada, como localização extremamente rural ou acesso limitado à Internet ou, às vezes, simplesmente porque não existem há tempo suficiente.”
Para Ila Hukku, tal debate está mal colocado. “A questão do risco deve ser vista não apenas com base na tipologia de fundações: privadas, comunitárias ou de filantropia de risco, mas com base nos interesses representados pelas fundações e, entre esses interesses, quais têm maior peso nos processos decisórios.”
Sendo fiel à missão
Todos os financiamentos, então, envolvem algum elemento de risco, e a inovação é necessária se você deseja produzir mudanças. Que outras considerações poderiam induzir os financiadores a assumir riscos? “No final”, diz Paul Shoemaker, “acreditamos que realmente a questão se resume à idéia de que risco e tolerância a risco estão intimamente ligadas à nossa missão.”
Tade Aina concorda, falando de “observância da sua missão, valores e princípios fundamentais; estando presentes onde os demais estão ausentes”. Ele dá exemplo de uma sociedade em que o aborto ilegal é a causa de um número significativo de mortes de adolescentes, mas na qual a discussão sobre como lidar com a questão não é aceitável. “Se você tem um programa de saúde reprodutiva nessa sociedade, precisa assumir o risco de começar os debates sobre o assunto.”
Outra consideração é a urgência, diz Conny Hoitink. “As mudanças ocorrem cada vez mais rapidamente e são influenciadas por inúmeros atores e fatores, e nós simplesmente não conseguimos conhecer todos eles no tempo limitado que temos para fazer nossa análise. Precisamos aceitar que temos de tomar decisões baseadas em informações incompletas, às vezes até mesmo contraditórias, e que as nossas decisões finais são julgamentos bem pensados. Precisamos decidir se vamos ou não aproveitar uma oportunidade quando ela se apresenta e não podemos nos dar ao luxo de esperar demais.”
Mensuração e inovação
Existe uma idéia persistente de que a preocupação com a mensuração é prejudicial à capacidade de uma fundação fazer inovações a assumir riscos. No entanto, nenhuma das pessoas com quem conversamos tem esta visão. Ila Hukku acredita que a “mensuração do desempenho/impacto por si só não limita a capacidade de inovar nem de assumir riscos. É ficar correndo atrás de metas que faz isso.”
Daniel Dickens sente que “em vez de limitar a capacidade de inovar e de assumir riscos, a mensuração do desempenho deve dar tanto aos investidores sociais quanto aos trabalhadores sociais mais possibilidade de modificar a sua estratégia quando necessário.” Paul Shoemaker explicita ainda mais a relação positiva entre mensuração e risco. “Não podemos avaliar os riscos”, sugere ele, “até podermos compreender os resultados.”
Mas Conny Hoitink admite que possa existir uma tensão entre a mensuração e a disposição de assumir riscos. A Oxfam Novib tem de prestar contas a seus membros e doadores. Conseqüentemente, “existe uma necessidade de demonstrar resultados, e explicar os fracassos às vezes pode ser difícil. Por isso existe uma tensão entre a necessidade fundamental de assumir riscos e a pressão para demonstrar resultados.” Por causa disso, “a aversão a riscos, como o adiamento das decisões, às vezes acontece”, reconhece ele.
Em última análise, Emilio Rui Vilar acredita que o rebuliço sobre “medir impacto” e a “nova” e a “velha” filantropia pode levar a enganos. “Na filantropia, nunca conseguiremos eliminar a possibilidade de fracasso. Talvez mais importante do que assumir riscos seja o processo de absorver os riscos e aprender com os fracassos da fundação. Se aprendemos algo, o fracasso não é total.”
O que eles medem e por quê?
O que os financiadores com que conversamos medem e por que o fazem? Tade Aina oferece uma lista completa de itens a serem medidos: “Se estamos fazendo progresso para alcançar as metas que nós mesmos definimos em um financiamento. As metas podem ser táticas ou estratégicas, de curto, médio ou longo prazo. Existe também a questão do resultado cumulativo, maximização, ou a simples abertura de espaços mínimos que outros ou nós mesmos possamos aproveitar como ponto de partida. Ou poderíamos estar testando questões ou tentando ver se um contexto está preparado para o trabalho.”
“As fundações devem enfocar o aprendizado, não apenas com o sucesso, mas também com o fracasso”, acredita Emilio Rui Vilar. Na Gulbenkian, ele diz, “nós basicamente medimos para aprender, mas também para seguir adiante. Tudo faz parte do processo de absorver os riscos que precisamos dominar.”
Para Ila Hukku, a mensuração é importante “na medida que permite avaliar a distância percorrida, os marcos ultrapassados, os desafios ao longo do caminho e o que aprendemos com tudo isso, pois isso ajuda a preparar a todos – a fundação, as ONGs parceiras e as comunidades – para o que está por vir mais adiante na luta por mudanças e justiça sociais”.
“Nunca eliminaremos a possibilidade de fracasso”
O comentário de Emilio Rui Vilar, acima, nos lembra que não importa o quanto os financiadores tentem garantir que as chances estejam a seu favor, existe sempre a possibilidade de perder a aposta. Tade Aina relembra uma conversa que ele teve com Susan Berresford, Presidente de Fundação Ford, quando ele entrou na fundação, na qual ela disse a ele que “devemos sempre fazer provisões para o fracasso quando nos aventuramos em zonas novas e não mapeadas”.
Finalmente, quaisquer que sejam as medidas de precaução que tomemos, às vezes um investimento continua sendo um salto no escuro. Como diz Conny Hoitink, “aceitamos que, às vezes, há pouco que podemos fazer para reduzir os riscos e simplesmente temos de decidir se a oportunidade vale o risco ou não.”
*Andrew Milner é Editor Associado da Alliance.
Fonte: redeGIFE ONLINE
31/03/2008