O GIFE tem apresentado, ao longo de seus últimos anos, um conceito chave que reúne e explica quem faz parte de sua base de associados – aquelas organizações que praticam o Investimento Social Privado – ou seja, direcionam recursos de origem privada de forma planejada, sistemática e monitorada em iniciativas de interesse público.
A criação desse termo se fez necessária no Brasil, pois a palavra que é normalmente utilizada no mundo – filantropia – aqui ficou muito associada a uma prática mais tradicional, muitas vezes ligada à religião e a uma visão mais assistencialista. Assim, ao enfatizar a idéia de um investimento social, fica clara a preocupação com a forma de se investir – não apenas movido por caridade, mas sim de forma organizada e levando em conta os diferentes públicos envolvidos – e com o resultado obtido – não basta fazer o bem pelo bem em si, é preciso ser eficiente e efetivo.
É interessante constatar, no entanto, que a expressão aqui utilizada – Investimento Social Privado – tem também outros sentidos mundo afora. Como se observou na Conferência Anual do Centro Europeu de Fundações (EFC), há pelo menos dois importantes usos da expressão, que surgem a partir de contextos diferentes do brasileiro.
Um primeiro sentido é quando se fala em Investimento Social Privado a partir de um movimento que vem sendo chamado de venture philanthropy, que tem suas origens nas supostas novas práticas filantrópicas praticadas por doadores novos, geralmente vindo do mundo da tecnologia. Assim como o surgimento da internet e o fortalecimento dessa indústria trouxeram mudanças às organizações empresariais, seus líderes se voltaram ao meio social com a mesma intenção – a de fazer mais, melhor, pensando de jeitos diferentes.
Assim, aplicando técnicas do mundo empresarial e, em especial, do capitalismo de risco, como incubadoras, planos de negócios, planejamento de governança a médio e longo prazo, tais pessoas buscaram apagar as divisões antes claramente estabelecidas entre dois segmentos: o social e o mercado. Façamos o bem, desde que ele claramente produza retorno – de preferência, financeiro, de forma a ter um impacto maior e resolver os problemas de sustentabilidade tão comuns às iniciativas e instituições sociais.
Essa abordagem não apareceu sem críticas, no entanto. Na mais recente edição da revista Alliance, o professor Bruce Sievers apontou pelo menos 4 desafios a essa abordagem. Em primeiro lugar, falta demonstrar que esse suposto novo tipo de filantropia produza resultados e impactos melhores e observáveis. Além disso, ao focar tanto nos resultados financeiros, essas iniciativas podem deixar de lado aspectos mais subjetivos e qualitativos tão importantes à área social. Em seguida, observa-se que a orientação de negócios tende a reproduzir estruturas de decisões mais hierárquicas, top-down, que conflitam com a idéia de que todos os envolvidos na ação social têm a contribuir com as soluções de seus problemas. Por último, essa abordagem pode aprofundar os conflitos presentes entre interesses públicos e privados e sistemas de valores.
Mas ainda há outro sentido que começa aos poucos a fazer parte da nossa cultura. Chama-se de Investimento Social Privado também a prática de direcionar recursos financeiros em fundos éticos, que de alguma forma selecionam sua carteira de projetos e de ações de empresas de acordo com critérios baseados em responsabilidade social e desenvolvimento sustentável. No Brasil, já há importantes iniciativas neste sentido, como o Fundo Ethical do ABN AMRO Real Bank e o Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bovespa.
É interessante destacar que esse movimento tem ganhado especial força no mundo das fundações norte-americanas e européias, que desde sua origem tem grandes patrimônios de onde tiram anualmente seu orçamento. De posse destes significativos patrimônios – muitas vezes nas casas dos milhões ou mesmo bilhões de dólares – as fundações tradicionalmente tenderam a investir seus recursos de forma conservadora, buscando mais segurança do que retorno. Agora, têm sido cobradas a atentar a que tipo de investimento estão fazendo, tanto em termo de retornos quanto em relação a em que empresas e fundos estão investindo. Levando em conta o tamanho do patrimônio de tais fundações, espera-se que elas possam, agindo em grupo, criar exemplos e benchmarks que levem a melhores práticas em geral.
Em sessão temática do encontro da EFC sobre Investimento Social e filantropia viu-se como a confusão em torno do termo se dá na prática: com palestrantes vindo de Inglaterra, Áustria, Rússia e Alemanha, cada pessoa parecia ter sua visão e interpretação para o conceito e para a prática de Investimento Social. Foi possível chegar a algum consenso, no entanto, principalmente em torno de dois pontos. Em primeiro lugar, a busca pelo retorno, pelo resultado, é sem dúvida importante, mas não se deve deixar de dar atenção ao processo pelo qual se chega ao fim esperado. Além disso, é importante dar atenção cada vez maior a questões como transparência e governança. Tais práticas poderão melhorar significativamente a forma como se lida com as inevitáveis tensões que surgem entre interesses públicos e privados em iniciativas do Investimento Social.
Fonte: RedeGIFE Online – 02/07/2007
Texto: Fernando Nogueira – gerente de projetos do GIFE e mestre em Administração Pública pela FGV-SP