Recentes episódios ocorridos em CPI do Congresso Nacional envolvendo possíveis atuações ilegais de advogados de membros de organizações criminosas levaram à mídia um debate em torno da responsabilidade desses profissionais em relação a atos culposos ou dolosos praticados, segundo os mesmos, sob o fundamento de estarem defendendo os interesses de seus clientes. Sabe-se que a Constituição Federal é categórica ao afirmar que ninguém será privado da liberdade sem o devido processo legal. Todos têm direito à defesa, em processos judiciais e administrativos, e ninguém será considerado culpado até que haja o julgamento de todos os recursos cabíveis contra uma sentença penal condenatória, segundo os incisos UV, LV e LVll do artigo 5º da Constituição.
Para a concretização desses direitos e dessas garantias constitucionais, a participação do advogado torna-se essencial. No entanto, nunca é demais lembrar que há limites para regular a atuação desse profissional, limites esses fixados, principalmente, pelo Estatuto da Advocacia e pelo Código de Ética e Disciplina. Comprovadas condutas ilícitas como as investigadas por referida CPI, aos advogados (ir)responsáveis podem ser aplicadas penas que vão desde a multa até a exclusão definitiva dos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A punição disciplinar, que deve ser adequada e proporcional às infrações cometidas, também tem por finalidade desestimular outros advogados a cometerem atos semelhantes.
Os aludidos escândalos provocam danos à imagem e à profissão dos advogados, notadamente daqueles que mantêm irrepreensível atuação ética, respeitando a legislação de base. Porém, cabe realçar que maus profissionais existem em todas as profissões, não estando concentrados unicamente na classe dos advogados.
Felizmente, ao lado desses tristes acontecimentos, também é possível divulgar boas notícias envolvendo a advocacia, as quais certamente trarão grandes benefícios para a população brasileira, com destaque para os mais carentes. Uma dessas notícias é que o Conselho Federal da OAB, por meio da Proposição nº 0037/2002/COP, encontra-se perto de regulamentar a prestação de serviços advocatícios pro bono, também conhecidos como advocacia solidária.
A chamada advocacia pro bono consiste no oferecimento de serviços voluntários a entidades sem fins lucrativos por advogados ou sociedades de advogados. Tais serviços são prestados sem a cobrança de honorários – ou com cobrança de honorários reduzidos – em função da relevância social e política da causa, notadamente em defesa dos interesses da sociedade.
A advocacia para o bem surgiu nos Estados Unidos, por iniciativa da própria sociedade, passando do a contar com programas organizados pelas associações esta- duais de advogados. Atualmente, discute-se na sociedade americana a questão de tomar-se ou não obrigatória a prestação desses serviços. No Brasil, cresce o interesse por essa modalidade de serviço voluntário, embora ela não possa ainda ser plenamente exercida porque depende de um posicionamento oficial da OAB.
Um dos problemas levantados pela Turma Ética e Disciplina da OAB é qUe a advocacia pro bono poderia ser utilizada para a captação indevida de clientes por parte dos advogados que prestassem tal serviço. Tal conduta caracterizaria, em princípio, concorrência desleal. No entanto, esse empecilho poderia ser afastado, por exemplo, através da criação de uma regra que previsse um prazo de quarentena, ou seja, um prazo em que a organização não governamental (ONG), antes atendida gratuitamente pelo advogado, não pudesse contratá-lo, agora pagando por seus serviços.
Tendo em vista o grande número de associações de bairro, entidades filantrópicas e de utilidade pública hoje existentes, e diante da notória necessidade de se ampliar o acesso à Justiça para parcelas maiores da população brasileira, é preciso considerar a repercussão benéfica que a expressa autorização, pela OAB, do exercício da advocacia solidária pode trazer à sociedade.
O Estatuto da Advocacia prevê que “no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social”, segundo o parágrafo lº do artigo 20 da Lei n° 8.906, de 1994. Portanto, toma-se necessário que o advogado e os escritórios de advocacia, independentemente do seu porte, expressem dia a dia a função social desta atividade profissional de extrema relevância, considerada por nossa Constituição Federal, em seu artigo 133, como “indispensável à administração da justiça”.
Regulamentação da advocacia pro bono consistirá em um importante passo para a dignificação e a elevação da classe dos advogados no Brasil. Com isso, espera-se que o advogado procure, sempre, respeitar as normas que regem sua atividade. Ao lado disso, aguarda-se que tais profissionais possam preferir sempre fazer o bem, renegando o mal que condutas desastrosas, como essas que vêm sendo noticiadas ultimamente, trazem à profissão.
Fonte: Jornal Valor – São Paulo – 22, 23, 24 e 25/12/2006
Texto: Gustavo Justino de Oliveira