As relações entre o voluntariado e a filosofia no desenvolvimento de competências e do autoconhecimento.
O Brasil tem proporções continentais. Aposto que todos já leram ou ouviram isso pelo menos uma vez em algum texto ou discurso. As viagens que estou fazendo regularmente pelo país comprovam a afirmação. Uma das semelhanças com um continente reside nas distâncias geográficas entre uma região e outra. E lá se vão horas e horas de vôo. Outra semelhança é a diversidade de crenças, valores e costumes entre as localidades. Cada viagem é uma oportunidade de visitar um outro país dentro do nosso próprio, e, em alguns locais, me sinto mesmo em outro planeta.
Nessas andanças, a despeito dos desafios de distância e culturas, nuances de um movimento estão ganhando força, promovendo a aproximação de comportamento entre cidadãos brasileiros. Refiro-me ao desejo latente – muitas vezes já transformado em ação – de desenvolver uma atividade voluntária, que um número cada vez maior de pessoas está apresentando.
Eu acredito que o ato de se voluntariar, passando da condição de espectador a protagonista social, é um ato filosófico. Isso mesmo. Filosofia pura. Afinal de contas, a arte ou ciência de Sócrates, Aristóteles, Kant e tantos outros não é o gosto pelo conhecimento, o ser amigo do saber? Conheço poucas atividades que proporcionam ao ser humano mais conhecimento – especialmente autoconhecimento – do que o voluntariado. Sendo assim, creiam, sou voluntário, logo aprendo.
Retornando à Grécia Antiga, alguns séculos antes de Cristo, filósofos chamados de pré-socráticos – dentre eles Anaximandro, Heráclito e Parmênides – orientavam suas reflexões a temas relacionados à natureza e ao ser. Daí veio Sócrates (século 5º a.C) e criou uma revolução intelectual ao elaborar a interrogação “Quem sou eu?”, fortalecida ao longo do tempo pelo famoso “Conhece-te a ti mesmo”.
Para concluir esse breve mergulho filosófico, coloco sobre a mesa duas linhas de pensamento que vieram na seqüência: a epicurista e a estóica. Muita calma nessa hora. Está tudo sob controle. Os nomes são potencialmente assustadores, mas suas formas de pensar são simples.
Os primeiros, discípulos de Epicuro, tratam de gozar o máximo possível e de sofrer o mínimo possível, pela redução dos objetos de desejo, centralizando a busca naquilo que é verdadeiramente natural e necessário. A “receita” é aumentar a chance de alcançar os objetivos, aumentando o prazer e, por conseqüência, a felicidade. Para Epicuro, viver bem significa viver com prazer. Já para a outra corrente citada, a estóica – de Epicteto ou Marco Aurélio, por exemplo -, viver bem quer dizer viver de modo virtuoso, sendo o seu bem um bem moral, gerado por um comportamento virtuoso, ético e positivo. Alguém apostaria as suas fichas da felicidade em uma corrente em detrimento da outra? Eu, particularmente, não. E percebo na atividade voluntária uma possibilidade de desenvolver habilidades e competências, assim como emoções inteligentes geradoras de autoconhecimento, que aumentam as chances de o indivíduo encontrar a sua direção, ficando à vontade e com vontade para curtir a estrada que é a felicidade.
As histórias que chegam ao Canto Cidadão – ONG da qual sou diretor – por seus voluntários são verdadeiros tratados fi losóficos de descobertas individuais, em sintonia com o auxílio social que está sendo prestado. O que percebo nas citadas viagens é que o desejo de participar está vivo, e não ficou para trás com o distanciamento do marcante ano de 2001, denominado o Ano Internacional do Voluntariado.
Importante frisar, entretanto, que o desejo de ser protagonista é uma energia em potencial que pode, ou não, se tornar luz. Faz-se necessário o gesto de ligar o interruptor. No caso da ação voluntária, seja ela relacionada a um programa social instituído ou a uma mudança individual de postura perante a sociedade, a luz deriva da sensibilização (comunicação social clara e empolgante) e da informação (capacitação dos interessados). Por onde passo, lanço a mensagem de que ser protagonista é a fórmula mais eficiente que conheço de desenvolvimento pessoal e equilíbrio social. Viva os pré-socráticos, viva os socráticos, viva os epicuristas e estóicos! E viva, acima de tudo, a criação de uma sociedade de filósofos vivos. Creio que vi uma luz do outro lado do rio. “Vamos atravessá-lo, construindo pontes com emoções inteligentes, solidárias e divertidas.”
O título e a última frase deste texto foram extraídos da música de Jorge Drex-ler “Al outro lado del río”, tema do filme “Diários de Motocicleta”. Se você ainda não assistiu ao filme ou não ouviu a música, fica aqui a sugestão.
Fonte: Revista Filantropia On Line – Outubro/2006
Felipe Mello. Radialista, palestrante e diretor da organização não-governamental Canto Cidadão, fundada para produzir e democratizar informações sobre cidadania e direitos humanos.