As redes de organizações e movimentos sociais são espaços de troca coletiva e, portanto, qualificadores de informação e experiências. São espaços de articulação política e mobilização social que se constituem para otimizar esforços, potencializar ações, fortalecer atores que se unem em torno de um interesse comum; campos de construção de identidade, produção simbólica e ação política.
Trabalhamos em rede desde os primórdios da humanidade (até os insetos e animais se relacionam desta maneira, e a metáfora da biologia pode nos servir para uma análise da operação horizontalizada das redes). No entanto, a concepção de redes com a qual trabalhamos hoje tem um valor agregado principalmente a seu elemento articulatório, que são as novas tecnologias capazes de informação e comunicação. Este debate precisa ser apropriado e politizado pelas organizações, no entanto, é inquestionável que hoje, o trabalho de mobilização, articulação e disseminação de informação é facilitado pelo uso da internet, e-mails, telefone. Claro que estes meios de comunicação e distribuição não substituem outros canais (impressos, por exemplo, que são os mais eficazes quando se deseja que a informação chegue à base), mas é inegável sua contribuição para agilizar a comunicação e facilitar a transmissão de documentos e a circulação de informações.
Justamente por seu movimento de constituição espontâneo e seu formato horizontalizado – não piramidal -, a organização em rede tem lacunas e suscita uma série de questionamentos. Sabemos de fato operar em rede?
As questões começam a surgir no momento da “adesão”. A entrada na rede sem uma análise do espaço e seu sentido pode despolitizá-la. É preciso refletir a partir de alguns questionamentos: que sentido tem a rede? Que energia despendemos para que esta rede esteja articulada? Como trabalhamos para alimentá-la?
Uma rede não é uma associação, é um espaço por onde se transita, emitindo, recebendo informações ou fazendo-as circular. Um espaço de troca e construção coletiva. Portanto, não existe na rede um centro, que emana ordens. Existe – e é necessária – uma coordenação que sinalize para prioridades, fomente a ação articulada, dê conta da intensa dinâmica da rede para motivar os pontos a se engajarem na rede.
A rede não existe por si só. Ela é um espaço formado por cada um de seus membros e se não houver energia, sentido e alimentação com participação efetiva, a rede perde seu propósito. Eis a dificuldade de operar na horizontalidade.
A professora e pesquisadora Ilse Scherer-Warren, em seu artigo “Redes e Sociedade Civil Global” *1 , afirma que, no pensamento científico, os estudos das ações coletivas na perspectiva de redes ora as tratam como um elemento da sociedade da informação que, em si, estrutura-se cada vez mais sob a forma de redes, ora como uma metodologia adequada para investigar estas ações na sociedade complexa, ou ainda como uma nova forma de relações/articulações dos movimentos no mundo globalizado, cujas características demandam novas formas de entendimento.
Para a pesquisadora, a rede como estratégia pode ser usada tanto como meio libertário quanto totalitário. “A rede em si não é virtuosa. Uma rede de movimento libertário se distingue de uma rede terrorista por sua morfologia, seu simbolismo e pelo tipo de empoderamento que pratica e almeja” *2 , afirma a professora em seu artigo.
Além de não existir por si só, a rede e sua identidade, seu papel são elementos a serem construídos por todos aqueles/as que estão a ela articulados e constantemente revisados, reconstruídos e reavaliados, pois o dinamismo é o que move a rede. A comunicação exerce, portanto, um papel fundamental na articulação das redes, principalmente daquelas cujo objetivo é influenciar as políticas públicas. Funciona fortalecendo vínculos para a disputa do espaço público e afirmação da identidade da rede.
Antes de mais nada, o grande desafio que se põe para a atuação em rede hoje é o de superar a fragmentação. Este desafio passa pela necessidade de as pessoas e organizações investirem energia na rede. Para isso, a rede não pode ser um espaço que demande um peso extra para o membro. Deve ser um espaço em que ele possa circular o trabalho já desenvolvido sem novas demandas. A partir desta circulação e do debate envolvendo outros atores, o trabalho é qualificado.
A superação da fragmentação também passa pela necessidade de não instrumentalização do espaço. É preciso alimentar a rede e não apenas demandá-la quando seu potencial articulatório e qualificador serve aos interesses dos membros; passa pelo desafio de recursos humanos, financeiros e estruturais para manutenção da rede, na medida em que o funcionamento fica comprometido quando não existe uma estrutura mínima de coordenação.
O trabalho em rede é um dos princípios do Observatório da Educação *3 e um dos pilares de nossa atuação. Estamos articulados a diversos espaços e articulando a produção e circulação de informações entre nossos observadores e comunicadores: atores da área de educação, pesquisadores e jornalistas. Queremos que esta concepção de trabalho em rede chegue de fato às bases, fazendo com que este espaço coletivo não fique nas mãos apenas daquelas organizações que têm condições, recursos e projetos para participar.
A Rede Nacional de Observadores da Educação, lançada durante o último Fórum Mundial de Educação com o intuito de fazer circular informações sobre educação a partir da observação local de cidadãos e cidadãs *4, pretende, com o passar do tempo, tornar-se um sujeito político. Os Observadores da Educação serão ‘olheiros’ em suas cidades, estados e regiões, e o Observatório será o agente catalisador destas informações, recebendo-as, tratando-as e fazendo-as circular para toda a rede de atores envolvidos no debate sobre educação no país. Uma das prioridades será dar destaque à realidade das escolas deste país, locus onde a educação se concretiza e que tem pouca visibilidade. Para isso, o Observatório assume o desafio de incentivar a construção conjunta deste espaço como um ambiente de fortalecimento mútuo, envolvendo de fato os atores no debate, incentivando o protagonismo destes no controle social das políticas. O espaço não deve ser importante apenas para incidir, mas para construir uma ação coletiva plural.
O Observatório da Educação pretende ainda lançar uma segunda rede, esta de comunicadores pela educação, constituindo um espaço de articulação que promova o intercâmbio de informações, a realização de debates e incentive a multiplicidade de olhares e a contemplação da diversidade do país na cobertura dos veículos de imprensa. A intenção é contribuir para qualificar a cobertura da mídia neste tema em todo país e promover um diálogo entre os profissionais da comunicação que trabalham com o tema da educação.
O Observatório da Educação assume o desafio da atuação em redes consciente de que hoje vivemos um momento privilegiado de repensar a existência e as formas de operação em sociedade. Buscamos uma série de referenciais, levantamos uma série de questionamentos e acreditamos nesta iniciativa, mas cientes de que estamos construindo esta realidade como aprendizes, apesar das iniciativas ousadas. Temos a tarefa de, coletivamente, criar um espaço de mediação, reconhecê-lo, tratá-lo e fortalecê-lo.
Michelle Prazeres *5
Observatório da Educação
www.acaoeducativa.org.br