A pesca é uma das formas mais antigas de subsistência do ser humano. E, das técnicas de pescar, a rede foi das primeiras a ser introduzida. Porque é uma coisa simples, basicamente feita de cordel trançado.
Pois a Rede, simples como é, nos serve de um bom ponto de partida para uma reflexão sobre as relações humanas. Com os cordéis, isoladamente, nada se faria, em matéria de pesca. Mas eles se entrosam uns aos outros, através de nós. “Nó” é uma palavra da qual a gente não gosta muito. Deu-me um nó na língua, dizemos, de uma palavra atrapalhada. Na Antigüidade, existia o nó górdio: quem o desatasse conquistaria o mundo. Confrontado com o desafio, Alexandre, o Grande, não hesitou: sacou a espada e cortou o nó. Formou um império, de fato, mas sob a égide de sua espada; quando ela desapareceu, o império também sumiu.
Podemos, contudo, olhar o nó de outra maneira. Podemos olhar o nó como a conexão que nos liga a outras pessoas. E assim como a conexão entre os cordéis resulta numa rede, e a rede por sua vez resulta em alimento, as conexões interpessoais resultam em benefício. Não só através daquilo que podemos alcançar, como também sob a forma de proteção: assim como a rede do circo tranqüiliza o equilibrista, a rede social significa para nós apoio, segurança, conforto em horas difíceis.
O escritor inglês E.M.Forster é autor de uma das passagens literárias mais citadas no mundo (só na internet, não por acaso uma rede, aparece 134 milhões de vezes). São só duas palavras, ditas pela personagem Margaret ao difícil Henry, com quem vai casar: “Only connect”. Podemos traduzir esta expressão como “Apenas se conecte”. É uma ordem, mas também um apelo, que leva em consideração os problemas que as pessoas enfrentam para se ligarem umas às outras.
Estas dificuldades são, antes de mais nada, de natureza psicológica e resultam de nossa ambivalência. Queremos e não queremos nos conectar. Queremos nos conectar porque sabemos que seres humanos não podem viver isoladamente (mesmo Robinson Crusoé contava com a presença de seus semelhantes através dos objetos que tirou do navio naufragado). Mas não queremos nos conectar, porque tememos ficar amarrados, perdendo assim a nossa liberdade. Agora: se pensarmos na rede não como uma soma de nós, mas como um objeto que nasceu da inteligência, que possibilitou a continuidade da vida humana, certamente teremos outra visão do mundo, das pessoas e de nós próprios. Apenas conectem-se, amigos. Vocês vão gostar.
Moacir Scliar
Fonte: FECOMÉRCIO – Bens e Serviços. Número 10 – Fevereiro/2006, p 49.