24/06/2014 – Várias lideranças do terceiro setor têm despendido energia em prol da aprovação de um marco regulatório para as organizações da sociedade civil. Essa não é a melhor estratégia, defende o advogado Eduardo Pannunzio, pesquisador da Direito GV, em três textos publicados no site Brasil Post. Ele argumenta que alterações pequenas e auto regulação são saídas com benefícios maiores.
No primeiro artigo (Por que complicar?) Pannunzio questiona justamente a norma que mais mobilizou o setor nos últimos anos: o Projeto de Lei do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, que regula os contratos entre poder público e entidades privadas. Está parado na Câmara dos Deputados.
“Parece que ainda recorremos ao vício de buscar grandes soluções, desprezando o potencial que aperfeiçoamentos pontuais, muitas vezes em regulamentos e arranjos institucionais que estão à mão do Poder Executivo, podem ter para a criação de um ambiente legal mais favorável, claro e estável”, escreve.
Reformas pontuais – e mais fáceis – teriam um grande efeito. “Ao invés de aperfeiçoar os instrumentos já existentes (o convênio e, especialmente, o termo de parceria, instrumento moderno criado há mais de uma década pela Lei das Oscips e ainda raramente utilizado), opta-se pelo caminho mais árduo, polêmico e, naturalmente, moroso”, compara Pannunzio.
Um dos pleitos mais frequentes entre as OSCs – a possibilidade de usar recursos públicos para pagamento de pessoal – poderia ser resolvido sem necessidade de passar pelo processo legislativo, segundo o advogado. “Bastaria a edição de um decreto com apenas três artigos e cuja minuta está pronta há quase dois anos.”
Por conta própria
No segundo texto da série (Autonomia ou anomia da sociedade civil?), Pannunzio chama a atenção para a necessidade de uma maior auto regulação por parte das organizações. “Acostumadas a serem disciplinadas pelo Estado, as OSCs parecem não vislumbrar alternativa outra que não a de demandar que esse mesmo Estado siga ditando as normas a que deverão se submeter.”
Ele admite que há poucas iniciativas desse tipo no Brasil e chega a levantar a tese de que nem todos estariam interessados no “estabelecimento de parâmetros rigorosos”. Pannunzio admite que a regulação estatal é insubstituível, mas destaca que “há diversos espaços que, com alguma criatividade e ousadia, podem ser preenchidos mais adequada e eficientemente pela auto regulação”.
Como exemplo, cita a certificação de OSCs. “Será que a sociedade civil brasileira não seria capaz de se articular e criar, ela própria, uma certificação de abrangência nacional que diferenciasse as organizações que se dedicam e estão estruturadas sob uma lógica de interesse público?” A auto certificação, avalia, ajudaria até na discussão de um marco regulatório do setor. “Uma vez definido com mais clareza esse conjunto de organizações, será muito mais fácil trabalhar por aperfeiçoamentos no marco regulatório das OSCs – afinal, ficará claro em nome de quem, e para quem, se demanda um tratamento diferenciado”.
Mas, afinal de contas, por que parece ser tão difícil criar normas para o terceiro setor? Pannunzio tenta responder a essa pergunta no terceiro texto (Dá para confiar na sociedade civil?). Avalia que o aperfeiçoamento do marco regulatório das OSCs “custa a mover-se não porque está fora das prioridades do Governo Federal. É porque está fora das prioridades da sociedade brasileira”.
A dificuldade ocorre, em grande parte, porque as organizações passam por uma profunda crise de confiança, segundo o advogado. Em pesquisas de credibilidade, as ONGs aparecem atrás até mesmo das empresas – na média mundial, estão em primeiro. O empresariado brasileiro, igualmente, mantém um pé atrás: dedica apenas 27% de seu investimento social privado para as entidades. “As empresas brasileiras preferem, em geral, executar elas próprias seus projetos sociais a transferir recursos para fomentar iniciativas da sociedade civil. Esse é um dado preocupante, que coloca em xeque a sustentabilidade do setor no país”, escreve Pannunzio.
“O setor precisa ser capaz de admitir não apenas que a crise de confiança está instalada, mas que ele possui parte da responsabilidade por essa situação”, afirma. Falta transparência. “A sociedade não sabe o que fazem as OSCs, não sabe como elas são geridas e não consegue distinguir as boas das más organizações.”
O que fazer
Entre as soluções para o problema, Pannunzio cita a necessidade de criar um índice de transparência das OSCs, mas ressalta que esta não será uma missão para o Estado: “É a sociedade civil, com apoio das universidades e centros de pesquisa, que deve liderar uma iniciativa do gênero”.
Ele defende, também, dar mais visibilidade aos trabalhos das organizações. “Não faltam exemplos de políticas públicas que, muito possivelmente, não existiriam se não fosse a atuação da sociedade civil organizada; basta lembrar o programa de proteção a testemunhas, a premiada política de enfrentamento ao HIV ou a recente aprovação, pela Câmara dos Deputados, do marco civil da internet incorporando garantias democráticas (como a neutralidade da rede)”.
Fonte: Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social