Valéria Maria Trezza *
A Lei nº. 9.790/99, que instituiu a qualificação como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), completou dez anos no mês de março. Entre as novidades introduzidas pela lei estão: o reconhecimento de organizações que atuam em áreas emergentes, até então não previstas em outros dispositivos legais como no meio ambiente, por exemplo; a possibilidade de as OSCIPs remunerarem seus dirigentes; instrumentos de accountability e controle das ações e aplicação de recursos; e uma nova forma de relacionamento entre as organizações qualificadas e o Poder Público, o Termo de Parceria.
A lei foi criada após um processo de discussão do Marco Legal do Terceiro Setor, que contou com a participação de representantes dos diversos setores da sociedade, entre eles das entidades da sociedade civil, que viam a necessidade de uma reforma da legislação aplicável ao Terceiro Setor.
Durante o processo de discussão da Lei nº. 9.790/99 e até cerca de dois anos após sua promulgação, observou-se um intenso debate ideológico entre os que eram favoráveis e os que eram contrários à nova legislação.
As opiniões favoráveis comemoravam a nova legislação como um importante passo em direção ao reconhecimento, por parte do Poder Público, do papel fundamental que o Terceiro Setor desempenha no desenvolvimento social e econômico. Já as opiniões desfavoráveis apontavam a falta de legitimidade da lei, elaborada por grupos que não representavam integralmente o setor, e o risco de enfraquecimento do papel político das organizações que aderissem ao novo modelo.
Passados dez anos, temos quase cinco mil organizações qualificadas. No entanto, vemos a quase total ausência da continuidade dos debates, apesar de muito ainda haver para se discutir, principalmente a forma como a lei tem sido implementada e se os novos mecanismos e as vantagens que a certificação de OSCIP instituiu têm sido aproveitados.
Para isso, é fundamental o acesso às informações referentes às organizações qualificadas. Apesar de o Cadastro Nacional de Entidades (CNEs), por meio do qual as OSCIPs prestam contas anualmente, significar o aperfeiçoamento da coleta de informações sobre elas, a indisponibilidade de dados prejudica essa análise. A prática e algumas pesquisas realizadas, contudo, nos ajudam a refletir sobre alguns pontos, entre os quais destacamos a utilização do Termo de Parceria.
Esse novo instrumento foi criado com base em princípios como transparência, ética, compromisso com a boa utilização dos recursos públicos e qualidade dos serviços prestados. Além disso, foi desenhado para proporcionar vantagens como maior flexibilidade na aplicação dos recursos, mecanismos de avaliação focados no alcance de resultados, regras mais claras e bem definidas de prestação de contas e responsabilização em caso de uso indevido dos recursos.
Apesar disso, o Termo de Parceria parece ainda não ter sido incorporado como um melhor instrumento de cooperação entre o Poder Público e as OSCIP. Nota-se, ainda, uma resistência do Poder Público na utilização desse importante instrumento. Mesmo quando ele é utilizado, nem todas as suas regras são seguidas, deixando-se de aproveitar várias de suas vantagens. Pelo lado das organizações, há muita dificuldade em acessar os órgãos públicos em busca de recursos e pouca capacidade de negociação para instar seu uso.
A lei das OSCIPs trouxe inovações importantes. No entanto, como uma década de sua existência nos mostra, não basta a previsão legal para que, na prática, o novo modelo seja implementado. Isso passa pela estrutura e cultura dos órgãos públicos e até por questões políticas. É necessário vencer a resistência ao novo e as dificuldades naturais decorrentes da utilização de qualquer mecanismo recente. Que o aniversário de dez anos da Lei nº. 9.790/99 estimule a volta do debate e o aperfeiçoamento do modelo.
* Valéria Maria Trezza é advogada especialista em Terceiro Setor do Rubens Naves, Santos Jr., Hesketh – Escritórios Associados de Advocacia.