26/11/07
Luiz Carlos Merege*
As longas e persistentes lutas travadas pelos movimentos sociais, que se intensificaram durante a ditadura militar, resultaram em enormes conquistas no campo legal com a redemocratização de nossa vida política. Além dos direitos civis e políticos, o povo brasileiro passou a desfrutar de garantias sociais fundamentais para a construção de uma sociedade igualitária.
Os direitos sociais se constituem na terceira e mais recente materialização dos ideais revolucionários do século XVIII fundamentados na igualdade e fraternidade. A fonte contemporânea desses direitos encontra-se na “Declaração universal dos direitos humanos” publicada pela ONU, em 1948. No seu artigo primeiro, o mais incisivo e inspirador, lê-se: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos.”
A Constituição de 1988 foi denominada, não por acaso, de cidadã, uma vez que além de garantir os direitos civis e políticos ela explicita no capítulo II os direitos sociais dos brasileiros. Em seu artigo 6º. ela nos diz: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta constituição.”
Tais direitos são detalhados no Título VIII que trata da ordem social, onde nos capítulos II, III e VI encontra-se o conjunto integrado de ações que podem ser de iniciativa do poder público ou da sociedade destinados a assegurar seguridade social, educação, saúde, acesso à cultura e um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Em áreas tão importantes como da educação a Constituição estabelece que é um “direito de todos e dever do Estado e da família” sendo “promovida e incentivada com a colaboração da sociedade.”
Vale ressaltar que os direitos sociais fundamentais necessários para uma vida digna na sociedade contemporânea além de serem um dever do Estado eles podem também ser garantido através de atuação da sociedade, tal como estabelece nossa lei maior. Esta conquista significa, na pratica, uma mudança na natureza da atuação das organizações do Terceiro Setor.
A filantropia marcada pelas ações caritativas e assistencialistas se justificava para o período da nossa historia onde não se tinha definido os direitos sociais de nosso povo. Embora necessária nos casos extremos, a filantropia em si torna-se uma ação aquém de nossa época, já que existem instrumentos legais que devem ser postos em prática para que todos, indistintamente, possam desfrutar plenamente das conquistas humanas. A miséria, exclusão e a discriminação deixaram de ser simplesmente uma constatação para fazer parte do campo das lutas pelos direitos de homens e mulheres de nosso país.
Os miseráveis da periferia, as mulheres, os negros, as crianças, os portadores de necessidades especiais, os índios, os homossexuais, os defensores da natureza passam a levantar suas bandeiras tendo como referência aquilo que a lei passou a garantir-lhes como direito. Invertem o papel de seres passivos, que tinham na filantropia, para se tornarem protagonistas de demandas sociais, demandas políticas e econômicas. O implorar é substituído por ações de caráter legal. A discriminação racial não é mais lamentada, mas sim processada através de ações dos indivíduos e do ministério público. Arma-se dessa forma o problema político em torno do social e o terceiro setor encontra-se maduro para ir além de seu discurso e ação humanitária. Encontra-se diante de um desafio já que deve mediar as ações entre a esfera governamental e o universo social.
Uma vez que a nossa Constituição abre espaço para que os direitos sociais de todos sejam garantidos quer pelo Estado ou pela colaboração da sociedade, as ações do terceiro setor sem dúvida alguma devem ser sustentadas pelo Estado.
Se as organizações do Terceiro Setor estão atuando no campo social, o Estado tem que garantir essa atuação já que se trata de colocar em prática o acesso universal à educação, à saúde, à assistência social e a um ambiente ecologicamente saudável. Aquelas organizações cuja atuação se identifica com o campo dos direitos sociais deveriam praticar ações de cidadania ativa pressionando o Estado para que este transfira recursos para suas atividades já que estão disponibilizando serviços públicos como determina nossa Constituição. O exemplo a ser seguido é o das ONGs/AIDs que se mobilizaram e lutaram arduamente para que o Estado cumprisse a determinação legal de que a saúde é um direito de todos. O Estado foi obrigado a transferir recursos financeiros e materiais, no caso remédios e preservativos, para que a sociedade organizada pudesse ajudá-lo no cumprimento de um dever constitucional.
O Terceiro Setor apesar de ser marcadamente heterogêneo e complexo pode convergir para ações articuladas em torno de temas que são comuns e estratégicos para o fortalecimento de suas organizações. A demanda por recursos públicos, que garantam o cumprimento dos direitos sociais constitucionais, pode e deve tornar-se uma agenda de luta comum das organizações sociais fundamentada no que dita nossa Constituição, ou seja, a garantia de acesso universal aos bens públicos quer eles sejam ofertados pelo Estado ou pelo terceiro setor.
* Luiz Carlos Merege é professor titular, doutor pela Maxwell School of Citizenship and Public Affairs da Universidade de Syracuse, coordenador do Centro de Estudos do Terceiro Setor – CETS da FGV-EAESP, do curso de Administração para Organizações do Terceiro Setor e do Projeto Censo do Terceiro Setor do Pará .
Este artigo foi originalmente publicado na edição de abril da revistaIntegração, publicação do CETS).