Para especialista, organizações não estão se preparando para a escassez de talentos.
O fato das empresas estarem muito mais aceleradas do que há 20 anos por conta da globalização, e que, por conta disso, precisarão de mais líderes, muito já foi dito. Mas a má notícia escondida neste cenário de crescimento é que as organizações não estão preparadas para enfrentar esse problema. “Só nos Estados Unidos, estima-se que 75 milhões de profissionais se aposentem, enquanto existem apenas 30 milhões prontos para substituir esses cargos”, afirma Mary Fontaine, vice-presidente e gerente geral do centro McClelland para pesquisa e inovação do Hay Group, consultoria de gestão e recursos humanos.
E nas economias em desenvolvimento, como Brasil, China e Índia, a realidade é ainda mais critica, principalmente porque muitas companhias passam por momentos de expansão e internacionalização. “Por conta da grande demanda, muitas já enfrentam um ‘gap’ de talentos”.
Mas os desafios não se restringem às companhias. O papel e perfil do líder está mudando. Ele passa cada vez menos tempo no cargo – em média cinco anos – e está na mira do board. Seu desempenho é acompanhado de perto. Ele precisa ter habilidades diferentes do passado. ” O líder deverá ter visão de outras culturas e preparar mais de um sucessor em sua equipe”, avalia Mary, que está no Brasil esta semana e concedeu entrevista exclusiva ao Valor. A seguir alguns trechos dela:
Valor: Muito se fala sobre a escassez de líderes. Mas as empresas já estão preparadas para enfrentar essa realidade?
Mary Fontaine: Ainda não. E o mais preocupante é que nos próximos cinco anos, só nos Estados Unidos, estima-se que 75 milhões de profissionais se aposentem, enquanto há apenas 30 milhões prontos para substituí-los. A falta de líderes deve se tornar ainda mais grave com as economias se tornando cada vez mais globais e as empresas expandindo para outros países de forma acelerada. Ao mesmo tempo em que abrem-se oportunidades, principalmente para executivos mais jovens. Com o dinamismo com que o mercado vem crescendo, vejo uma enorme dificuldade de se encontrar talentos.
Valor: Qual o cenário atual das economias em desenvolvimento?
Mary: Países como Brasil, índia, China e Rússia têm buscado como nunca líderes. Mas por conta da grande demanda enfrentam também um ‘gap’ de talentos. A China, por exemplo, no futuro sentirá impactos significativos nessa questão da liderança.
Valor: Por que?
Mary: Um estudo preliminar que estamos concluindo mostra que CEOs de empresas chinesas e executivos do alto escalão possuem como característica o foco na produção. Eles definem suas estratégias competitivas baseadas em custos mais baixos. Por outro lado, perdem por não terem uma visão de economia globalizada. Os líderes chineses não enxergam fatores importantes como a inovação nos processo de expansão para fora do país. Nesse aspecto, os indianos estão bem à frente. O modelo de sucesso da Índia vai superar, inclusive, a China, porque são mais profundos no que fazem e têm um perfil mais voltado para a globalização.
Valor: Após os escândalos financeiros, os CEOs passaram a ter seus passos controlados de perto. Essa é uma tendência que deve permear a nova geração de líderes?
Mary: Com certeza. Hoje, o board está muito mais voltado a analisar a performance da empresa, as ações que a companhia toma, qual a estratégia adotada pelo CEO. No passado, eles funcionavam como peças figurativas e tinham como única responsabilidade eleger o novo presidente. Agora são responsáveis por acompanhar o dia-a-dia das companhias e os impactos que algumas medidas podem gerar no mercado, caso os líderes atuem comprometendo questões éticas. Recentemente fizemos uma pesquisa junto às empresas mais admiradas no mundo e um dos pontos favoráveis identificados foi como o board se comporta frente aos lapsos de seus CEOs. São empresários que se destacam pelas práticas de governança corporativa mais rígidas.
Valor: Veremos cada vez gente nova assumindo postos de comando nas empresas?
Mary: Certamente que sim. O tempo de permanência dos CEOs e presidentes mudou nas companhias. Nos anos 80 e 90, eles ficavam por volta de 15 e até 20 anos em uma empresa. Hoje, esse perÍodo, em média, é de cinco anos. Isso acontece, porque o board tem um papel mais presente na rotina da companhia e cabe a ele terminar com a vida do CEO naquela função dependendo do que ele faz. Antes, o board só dava suporte ao CEO. Agora são mais ativos e acompanham de perto suas ações.
Valor: Na sua opinião, qual o perfil do CEO do futuro?
Mary: A figura de um CEO único e onipotente vai deixar de existir. Cada vez mais ele será obrigado a trabalhar junto com o time, a dividir responsabilidades e motivar as pessoas que estão abaixo dele. Até porque diante das inúmeras responsabilidades que passou a acumular, dificilmente atuará com sucesso, se estiver sozinho ou centralizar tudo em suas mãos. Se a empresa quiser ter uma boa liderança, precisará investir no trabalho das equipes. Além disso, o CEO deverá ter visão de outras culturas, preparar equipes para sucessão e ser flexível. Também acredito que eles precisarão ter uma visão de longo prazo, planejar o que irão fazer em até cinco anos. Não teremos líderes focados apenas em resultados mês a mês. Apesar das pressões de WalI Street, os líderes devem enxergar oportunidades que criem valor para a empresa. O líder do futuro precisa ter essa maturidade.
Valor: Mas como ter maturidade, se muitos líderes são jovens e têm pouca experiência?
Mary: Esse é o grande desafio das companhias para os próximos anos e um problema com o qual precisarão lidar. Hoje você tem líderes muito jovens, que não estão preparados, com maturidade suficiente para levar a empresa para um patamar melhor. Acredito que apostar na formação em processos sucessórios ainda é uma das alternativas mais viáveis.
Fonte: Valor – 28/03/2007
Texto: Andrea Giardino
Entrevista: Mary Fontaine, do Hay Group