A idéia ‘Terceiro Setor’ representa uma maneira de compreender a dinâmica da sociedade atual, uma busca por encontrar caminhos para construir um novo mundo, melhor para mais gente, mais humano e repleto de significado. Talvez seja praticamente impossível separar a idéia de desenvolvimento da concepção de ‘Terceiro Setor’, se o conceito de ‘Terceiro Setor’ for analisado em profundidade.
No mundo de hoje, cada organização contém, em sua dinâmica, um gérmen de ‘Terceiro Setor’ mais ou menos consciente. As políticas de treinamento típicas do ‘Primeiro Setor’ tendem a estar focadas no saber aplicar leis, normas e regulamentos e no entendimento de mecanismos de controle e de regulação. No ‘Segundo Setor’, ações de treinamento se voltam mais para o saber fazer, para técnicas de produção e atendimento, com ênfase na qualidade, na produtividade e na competitividade.
No ‘Terceiro Setor’, a formação e o desenvolvimento devem ser estratégias primordiais para gerar ampliação de consciência, desenvolver autonomia e empoderar as pessoas para que se altere o status quo. Qualquer iniciativa de capacitação ou de avaliação, neste âmbito, precisa averiguar regularmente qual é a sua intenção primária, sob risco de obter resultados que muito mais reforçam uma situação social do que contribuem para sua transformação.Pode ser um equívoco operar com uma percepção superficial de ‘Terceiro Setor’, pois a conseqüência será desperdício de recursos e ineficácia no longo prazo.
Um bom entendimento do que chamamos de ‘Terceiro Setor’ pode se tornar estratégico para definir políticas de capacitação e para questionar e conceber uma iniciativa social, bem como para tomar decisões que afetem a inserção de uma organização na sociedade. Por exemplo, a política de capacitação de uma fundação empresarial pode ser bem diferente dependendo da forma como ela vê a si própria na sociedade.
Claro que pensar o ‘Terceiro Setor’ separado do ‘Primeiro’ e do ‘Segundo Setor’ é como considerar os aspectos cognitivos, afetivos e volitivos de uma pessoa isoladamente. Uma sociedade melhor do que a atual será fruto de uma articulação mais madura entre os ‘setores’ que a compõem do que da atuação isolada de um deles. É necessário admitir que cada indivíduo e organização vivem os três ‘setores’ simultaneamente, de diversas maneiras. A maioria das organizações não é pura, pertencente a um ‘setor’ somente – elas são, em grande parte, mistas, mesclando características, situando-se entre, ou seja, na interseção de dois ou mesmo de três ‘setores’. Uma grande contribuição das organizações com caráter de ‘Terceiro Setor’ é a ampliação de consciência. Mudanças de atitude que perduram advêm de expansão de consciência, do questionamento de modos habituais de pensar, da busca contínua por formas melhores de refletir, interagir e de comportamento.
Os conceitos de “desenvolvimento sustentável”, “inclusão” e “responsabilidade social”, que estão influenciando organizações no mundo todo, são bons exemplos do que se pode entender como ampliação de consciência – como seria o mundo sem estes conceitos atualmente?A aprendizagem constitui um dos principais caminhos para a expansão de consciência. Porém, é muito difícil criar e implementar políticas e programas que estimulem a pensar novas maneiras de ser, a reversão completa do status quo, a mudança das relações sociais estabelecidas. Um dos maiores desafios das organizações de ‘Terceiro Setor’ atualmente é gerar programas que criem essa possibilidade. Quando se tem interesse em gerar aprendizagem com um programa, pode ser útil clarificar que tipo de questão está sendo enfrentada, na forma de uma pergunta. Essa pergunta tem caráter existencial? Uma ONG pode chegar à conclusão que está buscando soluções para a pergunta “Como retirar crianças da rua?”; outra pode chegar à conclusão de que a pergunta central é “O que faz com que mais e mais crianças tenham que vir para as ruas?”. Essa simples discussão pode levar a um processo de aprendizagem e exigir a reavaliação de estratégias de formação e ação, por exemplo.
A partir do momento em que as pessoas se tornam conscientes, elas podem deixar de ser controladas e manipuladas e se sentir responsáveis pela situação que vivem (e não vítimas). Ao trabalhar com pessoas é preciso revisar com coragem e honestidade aquilo que se tem como intenção. Qual é a real intenção por trás de um programa de treinamento ou de um projeto social. Essa intenção é uma pergunta ou uma resposta? A mudança da sociedade depende de um movimento transformador, por meio do qual paradigmas serão renovados e uma verdadeira mudança coletiva de mentalidade possa ocorrer. Todas as iniciativas de ‘Terceiro Setor’ têm uma visão de mundo, um marco referencial, conceitual, no qual se baseiam para tomar decisões estratégicas. A sua revisão e aperfeiçoamento, incluindo a noção de ‘Terceiro Setor’, a partir de perguntas abertas e desafiadoras, oferece oportunidades para auto-renovação e crescimento institucional, mesmo que em alguns casos ela comece com uma crise. Sustentar perguntas, como se sabe, é angustiante. A aprendizagem não existe sem algum nível de angústia. Para parar na ponta do trampolim é preciso ser capaz de sustentar alguma angústia interior.
Instituto Fonte, maio de 2006
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