07/01/08
Luiz Carlos Merege*
Nada como iniciar um novo ano com boas e novas perspectivas para o terceiro setor. A tese de que este milênio será reconhecido como aquele em que a sociedade civil organizada assumiu um importantíssimo papel de gestor de bens públicos reforça-se a cada ano que passa. Além de assistirmos nas últimas décadas um crescimento vigoroso das organizações do terceiro setor, constatou-se um impressionante esforço para que a gestão se tornasse cada vez mais profissionalizada.
Comparando com o surgimento e fortalecimento do setor industrial no século passado, pode-se afirmar que a similaridade histórica da formação organizacional no Terceiro Setor é muito próxima. Ambos iniciam o seu crescimento acelerado com uma multiplicação de pequenas organizações de “fundo de quintal”, com características familiares, frágeis, formadas com escassos recursos e com uma gestão marcadamente amadora. Este processo não poderia resultar em um dos dez setores industrial mais importante de nosso planeta se não fosse acompanhado da profissionalização dos seus dirigentes e técnicos.
Para tanto a universidade brasileira inicia, a partir do início da década de noventa, a formação de administradores de empresas, que se dedicam a distintos novos campos de trabalho que se tornaram fundamentais para a eficiência e eficácia de nossas empresas. Por último, cabe ressaltar que nas últimas décadas a industria se preocupa prioritariamente com a qualidade de sua gestão e sua imagem, recorrendo para tanto as auditorias externas e às certificações.
O ano que se inicia certamente será marcado pela preocupação das organizações do Terceiro Setor em demonstrar que são corretas e transparentes em suas relações com o setor público, com o privado, com as famílias e com as instituições financiadoras. Sem dúvida alguma, a CPI das ONGs contribuirá para que na agenda das organizações esta preocupação passe a fazer parte de suas prioridades no relacionamento com seu público e apoiadores.
Estas premissas serão necessárias para garantir um fluxo contínuo de recursos sem o qual o setor não poderá exercer o papel estratégico que vem assumindo para o desenvolvimento social de nosso país. Recursos que não são somente financeiros, mas principalmente humano, já que o setor tornou-se o lócus para a participação pública, como complementação e mesmo como alternativa a via dos partidos políticos. E para tanto, necessita manter sua credibilidade que se fundamenta em princípios e valores.
a falta de eficácia e transparência na gestão das organizações do terceiro setor acaba por comprometer a legitimidade do setor. Os constantes escândalos relacionados a desvio de dinheiro e doações, o não-cumprimento de padrões mínimos de qualidade no atendimento, a despreocupação com relação a apresentação de resultados e até a criação de organizações para fins ilícitos exigem que as organizações sejam avaliadas constantemente por auditorias externas.
Este cenário levou o Centro de Estudos do Terceiro Setor da FGV-EAESP a estabelecer uma parceria com a SGS (Société Gênérale de Surveillance) do Brasil – uma prestadora de serviços suíça, fundada em 1878, líder mundial em inspeções, verificações e certificações – para aplicar e adequar as condições brasileiras à metodologia NGO Benchmarking desenvolvida por profissionais dessa organização. A metodologia permite uma avaliação independente das entidades com base em 108 pontos verificáveis objetivamente extraídos de uma série de Códigos de Boas Práticas e Padrões Internacionais, que são divididos em nove dimensões: Conselho de Diretores, Estrutura Estratégica, Gerência de Integridade, Comunicações, Advocacia e Imagem Pública, Recursos Humanos, Captação de Fundos, Alocação de Recursos e Controle Financeiro, e, finalmente, Resultados das Operações e Melhoria Contínua. Para obter a certificação, a organização auditada deverá obter um número total de pontos iguais ou superiores a 70% nos critérios avaliados.
O CETS desenvolverá uma 10ª dimensão que focará a dimensão social das organizações do terceiro setor, levando em consideração o marco legal dos direitos sociais, o seu papel na promoção da cidadania, a mudança social que provocam e suas ações pela preservação do meio ambiente. Assim, para que uma organização receba subvenções governamentais ela deverá apresentar um desempenho, representado por uma média superior a 70% de aprovação dos critérios que comporão essa dimensão. Esta será uma forma de induzir as organizações parceiras de projetos governamentais a abandonar suas práticas assistencialistas e se tornar protagonistas de mudanças sociais.
Abre-se, desta forma, uma oportunidade para as organizações se qualificarem como aquelas que apresentam as melhores praticas de gestão social através de um padrão internacional de avaliação. A auditoria, ao se tornar uma prática permanente, coloca as organizações do Terceiro Setor em um mais alto degrau na sua já iniciada caminhada em direção à profissionalização e a um exemplar papel transformador em nossa sociedade.
*Luiz Carlos Merege é professor titular, doutor pela Maxwell School of Citizenship and Public Affairs da Universidade de Syracuse, coordenador do Centro de Estudos do Terceiro Setor – CETS da FGV-EAESP, do curso de Administração para Organizações do Terceiro Setor e do Projeto Censo do Terceiro Setor do Pará .
(Este artigo foi originalmente publicado na edição de setembro da revista Integração, publicação do CETS)