Por Tatiana Magosso Evangelista*
Atualmente, em razão de toda a divulgação existente em torno do trabalho voluntário, quando se propaga a sua importância, seja no âmbito pessoal ou profissional, as pessoas físicas e jurídicas se encontram imersas em questionamentos envolvendo o tema.
O maior problema que envolve o voluntariado, e acaba por muitas vezes tornando um obstáculo intransponível, está na segregação entre voluntário e empregado. Este último, regido nos termos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), possui diversos direitos e obrigações, que não se aplicam ao voluntário. Daí a necessidade da correta distinção.
A lei nº 9.608/98 fixa requisitos essenciais que devem ser observados para a configuração do serviço voluntário, ou seja, “a atividade não-remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não-lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade. Parágrafo único – O serviço voluntário não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista previdenciária ou afim”.
Desta feita, para que não pairem dúvidas sobre a inexistência de vínculo trabalhista, é essencial que seja celebrado o termo de adesão entre a entidade e o prestador do serviço voluntário, indicando o objeto e as condições do trabalho voluntário, com toda a descrição do serviço que será prestado, dia da semana, horário, local, sempre o mais preciso possível.
Incentivo das empresas ao trabalho voluntário
As empresas, atualmente, seja em razão da sensibilidade junto aos problemas sociais que este país enfrenta ou mesmo pela pressão de seus próprios consumidores, apóiam distintos projetos sociais ou possuem sua própria entidade. Pesquisas recentes realizadas pelo Instituto Ethos e pelo jornal Valor Econômico mostram que 22% dos consumidores já puniram ou privilegiaram empresas em razão da sua responsabilidade social.
Assim, como meio de implementar sua atuação social, uma vez que perceberam que podem proporcionar à sociedade uma contribuição maior do que apenas doar dinheiro, e mesmo em prol de seus colaboradores, muitas incentivam os funcionários a prestar serviços voluntários, acreditando que, assim, estão aumentando o espírito de equipe e dando mais motivação e confiança para resolverem os problemas da empresa – o que gera maior respeito e admiração pela empresa em que trabalham –, entre outros fatores.
Tal medida é extremamente positiva. No entanto, há certos cuidados que devem ser destacados:
a) Compete às empresas incentivarem o trabalho voluntário e esclarecem o que isto representa – O trabalho voluntário, como sua denominação indica, é algo que deve partir da pessoa que possui a intenção real de se dedicar a produzir uma mudança positiva tanto nas pessoas quanto na sociedade, especialmente no que se refere à justiça social, à distribuição de recursos e de oportunidades. Todos podem ser voluntários, independentemente de idade, condição social ou profissão. Basta querer.
As empresas, ao incentivarem que seus funcionários participem de serviços voluntários, poderão indiretamente forçá-los a tanto, o que resultaria em prejuízos às entidades que os recebem. A dedicação, o empenho e o engajamento do voluntário na finalidade da entidade são essenciais para que o serviço voluntário seja produtivo e efetivo, e não um problema para a entidade.
Como antes já orientado, em artigo anteriormente publicado nesta revista, as entidades não são obrigadas a receber todos aqueles que se propõem a prestar serviços voluntários. Elas identificam se aquela pessoa é apta para a tarefa, se possui habilidades que se adequam às reais necessidades, pois do contrário, o voluntário tende a trazer problemas, e não soluções.
As empresas, ao incentivarem seus funcionários a serem voluntários, devem ter em mente a necessidade de orientá-los sobre o que vem a ser um trabalho social voluntário, uma vez que este deve ser encarado com responsabilidade e profissionalismo. Não se pode esquecer que sempre há regras a serem seguidas e metas a serem cumpridas, não importando a causa ou a amplitude do projeto, devendo possuir o desprendimento e a consciência dos problemas ao se enfrentar com a realidade, para doarem seu tempo como voluntários.
b) Trabalho voluntário x horas extras – A hora extra poderá ser configurada quando o funcionário, finalizado o horário de trabalho, continuar como voluntário, seja na mesma empresa, seja na entidade que pertence à empresa. Isto porque este período suplementar pode ser configurado posteriormente como hora extra, e vir a ser pleiteado pelo próprio funcionário/voluntário – o que acarretará, se reconhecido, em implicações trabalhistas e financeiras para a empresa.
Os cuidados necessários, neste caso, são: exigir que o funcionário assine o Termo de Adesão ao Trabalho Voluntário; prever o dia da semana em que irá atuar – no máximo dois dias por semana; o horário; e a função – que preferencialmente deve ser distinta da função assumida como empregado. Ainda assim, tomados todos estes cuidados, existe o risco de que reste configurado este trabalho voluntário como hora extra.
c) Reembolso x salário – O voluntário, por determinação legal, não é remunerado e não possui vínculo trabalhista com a entidade para qual presta seus serviços. Assim sendo, não pode receber nenhum valor a título de remuneração, seja da forma que for; uma vez que, caso recebido, as chances para este valor integrar o valor do salário são grandes, e as conseqüências também, pois repercute em todos demais direitos trabalhistas. Ainda, o voluntário pode, quando prestar serviços para entidade diversa da empresa que trabalha, pleitear o reconhecimento do vínculo trabalhista, com fundamento na onerosidade, um dos requisitos do art. 3º da CLT.
O voluntário somente pode receber o reembolso das despesas gastas em prol da entidade quando forem devidamente autorizadas com antecedência e comprovadas.
d) Como não errar – As empresas devem se atentar quanto aos cuidados despendidos ao funcionário/voluntário, para que o auxílio aos mesmos seja benéfico, e não um problema, razão pela qual algumas medidas devem ser implantadas:
• Criação de um departamento de voluntários, com o objetivo de administrar o trabalho do grupo de pessoas que se predispõem ao trabalho voluntário.
• Realização de pesquisa interna com os funcionários para conhecer seus interesses e as necessidades da comunidade onde atuam.
• Adotar como política a dispensa de funcionários para a realização de trabalho voluntário durante o horário de trabalho, seja remunerada ou não, neste caso sem ônus para o período de férias.
Para que não pairem dúvidas sobre a inexistência de vínculo trabalhista, é essencial que seja celebrado o termo de adesão entre a entidade e o prestador do serviço voluntário
Conforme restou demonstrado, não é uma tarefa fácil o apoio ao trabalho voluntário de funcionários, mas as empresas não devem se ater às dificuldades, e, sim, focar nos resultados positivos que irão obter, exercitando a cidadania em benefício da sociedade.
*Advogada da M. Biasioli Advogados Associados, graduada pela PUC/SP, com especialização em Direito do Terceiro Setor pela FGV/SP e pós-graduanda em Direito Processual Tributário na PUC/SP.
Fonte: Revista Filantropia Online – nº 151
Data: 20/05/08