Valter Leite e Vânia Alves. São Paulo
Pesquisa inédita da BDO Trevisan revela a preocupação dos empresários brasileiros com o tema Responsabilidade Social. O estudo mostra um crescimento de 196% no número de empresas que publicam relatórios socioambientais, em relação à primeira edição, publicada no ano passado. Outro fato que também chama atenção é o comprometimento dos altos dirigentes com o assunto: 88% dos pesquisados revelaram o envolvimento das diretorias. Para a elaboração do estudo foram ouvidas 113 empresas de diversos setores.
Para Mauro Ambrósio, sócio da BDO Trevisan, a principal conclusão da pesquisa é que as corporações estão mais interessadas em ampliar suas ações na área de responsabilidade social corporativa. “Perceberam que não é moda. É mais do que fazer filantropia e para a continuidade do negócio é um instrumento estratégico que pode trazer resultados de médio e longo prazos”.
A pesquisa aborda as relações com os stakeholders da empresa – ou seja, os indivíduos ou grupos que afetam e são afetados pela corporação, como clientes, acionistas, funcionários, comunidade e governo. “As empresas monitoram os seus grupos de interesse e a estratégia de negócios precisa estar voltada para isso”, comenta.
No indicador de clientes e consumidores, mais de 84% dos pesquisados declaram manter o SAC (serviço de atendimento ao consumidor). Em relação à comunidade, recorda Ambrósio, antigamente, as ações se resumiam à ajuda dada pela mulher do presidente à creche do filho da empregada. Hoje o investimento em projetos sociais e comunitários aumentou muito. A pesquisa mostra que 89% dos pesquisados investem seus recursos no entorno da comunidade da fábrica.
E, finalmente, no que diz respeito às relações do governo e sociedade, 98% das empresas procuram se relacionar com as autoridades governamentais. Outro dado positivo destacado por Ambrósio, é que não há vinculação a partidos políticos. “A discussão de temas ligados à arrecadação tributária, incentivos fiscais, projetos sociais é fundamental e altamente salutar para as mudanças necessárias”, complemente. Ele destaca que houve melhoria em todos os indicadores em relação à pesquisa anterior.
AVALIAÇÃO
Na opinião de Oded Grajew, presidente do Instituto Ethos e um de seus fundadores, as empresas estão realmente mais conscientes sobre o tema e trabalham para colocar os conceitos em prática. De acordo com ele, essa é uma tendência mundial. “Quando o Ethos foi criado, era a única instituição do gênero na América Latina, hoje já existem mais de vinte”, afirma. Essa preocupação das empresas é uma resposta a pressões internas e externas. “O mercado já reconhece e valoriza as empresas que têm uma postura responsável”, diz. Exemplo disso é o índice Dow Jones Sustainability World Index (OJSI World). Lançado em 1999 para acompanhar a performance das empresas que aliam responsabilidade social à solidez financeira, seu desempenho costuma ser melhor que o índice Geral da Dow Jones. No Brasil, a iniciativa inspirou a criação do índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE). “Hoje não é mais suficiente avaliar uma empresa com base em seu balanço financeiro, é preciso olhar para todos outros indicadores que vão mostrar se as empresas estão preparadas para enfrentar riscos econômicos, sociais e ambientais”, avalia Grajew.
DESAFIOS
Para ele, o desafio agora é incorporar de fato as ações nos negócios das empresas. “Responsabilidade Social é antes de tudo uma questão de gestão”, diz. Na avaliação de Aerton Paiva, sócio-diretor da Apel Gestão de Projetos, empresa com experiência na gestão de iniciativas para a sustentabilidade, muitas empresas ainda não tratam estas questões no âmago de seus negócios. “A maioria ainda não está levando esta discussão a sério”, diz. A professora Maria Raquel Grassi Marques, coordenadora do núcleo Andrade Gutierrez de sustentabilidade e responsabilidade corporativa da Fundação Dom Cabral, diz que, para conseguirem implementar de fato ações de responsabilidade nos negócios, as empresas precisam ter ousadia, criatividade e coragem para romper com seus antigos valores.
AÇÕES SUSTENTÁVEIS COMO…
Na Natura, empresa considerada referência no que diz respeito a responsabilidade social, essas três características – criatividade, ousadia e coragem – fazem parte das estratégias de negócios, segundo o diretor de Assuntos Corporativos e Relações Governamentais da empresa, Rodolfo Gutilla. “Em um segmento onde a embalagem é fundamental, a Natura teve a coragem de ser a primeira a substituir materiais tradicionais por embalagens recicladas e recicláveis e incentivar o uso de refis”, exemplifica.
Metas econômico-financeiras e socioambientais fazem parte das estratégias de crescimento da empresa, que mantém programas que vão da adoção de logísticas de transportes que causem menos impactos ao relacionamento direto com comunidades tradicionais que fazem parte da cadeia produtiva, passando por processos de produção que consomem menos recursos naturais e a eliminação dos testes em animais.
Na opinião de Gutilla, a maior responsabilidade das empresas é distribuir riqueza para a cadeia produtiva e mitigar os impactos ambientais causados por ela. Para o executivo o crescimento da companhia – que no ano passado foi de 19%, chegando a uma receita bruta de R$ 3,9 bilhões – não seria possível sem essa postura responsável da empresa.
BANCOS
O setor financeiro está na vanguarda da Responsabilidade Social. Segundo dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o investimento social dos bancos em 2006 chegou a R$ 1,151 bilhão, 15% a mais que no ano anterior. As instituições, que há muito tempo já investiam em projetos sociais por meio de seus institutos e fundações, começam a incorporar os conceitos de responsabilidade social em seus negócios, com adoção dos Princípios do Equador – diretrizes sócios ambientais adotadas para a liberação de financiamentos acima de US$ 10 milhões -, lançamento de fundos éticos e de linhas de financiamento especiais.
O Banco Real, por exemplo, possui linhas de crédito destinadas a estimular a ecoeficiência tanto por pessoas físicas como pelas empresas. O banco oferece crédito para a troca de equipamentos de conversão de veículos a álcool ou gasolina para gás natural veicular – combustível menos poluente. Também oferece linhas para instalação de aquecedores solares em residências e financiamento de veículos para deficientes físicos.
Já o Bradesco lançou em fevereiro o programa EcoFinanciamento de veículos, em parceria com a S0S Mata Atlântica. De acordo com o programa, para cada veiculo financiado pelo banco, uma muda de árvore será plantada pela organização não governamental. Além do ganho ambiental, o EcoFinanciamento traz vantagens para quem decidir comprar um veículo financiado. Para os clientes do segmento de varejo; a taxa do CDC (Crédito Direto ao Consumidor) caiu de 1,65% para l,40%, com prazos de até seis meses. Já as taxas do leasing caíram de 1,58% para 1,40%, podendo variar de acordo com percentual de entrada.
TENDÊNCIAS
Passada a fase da conscientização e da transformação dos conceitos em práticas de gestão empresariais, o próximo passo das corporações será intensificar seu papel junto aos governos, segundo avaliação da pesquisadora do Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA), Ana Maria Peliano. “Esse será o principal papel da empresa”, diz.
Oded Grajew; do Instituto Ethos, concorda: “o setor empresarial é o mais poderoso da sociedade, porque detém poder econômico, político, tecnológico e cultural. Se os empresários quiserem promover uma transformação real na sociedade terão de usar esse poder para influenciar políticas públicas em prol do bem comum e não só em beneficio próprio”. Depois de participar da criação do Instituto Ethos e do Fórum Social Mundial, Grajew agora trabalha na mobilização de empresários, sociedade civil e poder público em tomo do movimento Nossa São Paulo: Outra Cidade, que tem por objetivo melhorar a qualidade de vida na capital paulista.
Fonte: Gazeta Mercantil – 18/julho/2007
Suplemento Especial – Páginas 1-4