Tenho o pesar de anunciar que o espaço da caridade na filantropia está com seus dias contados. Existe agora um número cada vez maior de livros e artigos que defendem que deixemos de lado a caridade em prol de uma coisa que é geralmente denominada filantropia de desenvolvimento ou filantropia estratégica. Além disso, o empreendedorismo social, a empresa social e a filantropia de risco têm uma metodologia que, muitas vezes, deixa de lado a caridade.
O estabelecimento de padrões de comparação, avaliação de resultados e aumento de impacto não parecem fazer parte do escopo da caridade. Finalmente, o movimento “doe em vida” sugere que podemos resolver muitos problemas em um período de tempo razoável, se colocarmos todos os nossos recursos no problema em vez de economizar para os dias ruins, diminuindo assim a necessidade de caridade.
O que há de errado com essa imagem, além do fato de que usei a técnica questionável de criar um “Judas” para que pudesse atacar a renúncia à caridade? Existem muitas coisas erradas, mas vou mencionar apenas três. A primeira é que ela cria a noção de que existe uma progressão linear da caridade para a filantropia estratégica. Ou seja, as organizações filantrópicas estão, ou precisam estar, subindo os degraus dessa escada. Nos Estados Unidos, isso significa dizer que cerca de 65.000 das 70.000 fundações estão mais para o lado da caridade nessa escala.
Embora o fato de ser pequeno não necessariamente o coloque no lado da caridade, existe certamente uma correlação, devido ao fato de que menos de 5.000 fundações americanas têm funcionários. Minha impressão é que a real situação da filantropia global é que existem muitas, muitas pequenas organizações filantrópicas e muito poucas grandes organizações filantrópicas. Sendo assim, por que deveríamos criar uma idéia daquilo que seria o padrão-ouro quando ele relega a grande maioria das instituições a um ponto abaixo na cadeira alimentar da filantropia?
A segunda preocupação com relação a uma progressão linear ou contínua é que ela tende a negar que os esforços profissionais e criativos que têm a mesma probabilidade de surgir nas instituições de caridade quanto na filantropia estratégica. Embora seja justo dizer que a caridade lida com os sintomas em vez de lidar com as causas, não existe motivo pelo qual não possam fazer isso com profissionalismo e criatividade. As muitas organizações internacionais envolvidas nos esforços de mitigação de desastres têm sido, quase sempre, as primeiras a responder, lidando com necessidades imediatas e aliviando os sintomas. Mesmo assim, elas desenvolveram um profissionalismo ao longo dos anos que geralmente superam a eficácia as agências do setor público.
Existem muitos exemplos de caridade criativa. Vou mencionar uma das minhas favoritas, a DC Central Kitchen. Todas as semanas, em Washington DC, várias embaixadas e organizações internacionais e nacionais promovem eventos de gala, onde muita comida é servida e pouca é consumida. A DC Central Kitchen pega essa comida, reembala e serve milhares de refeições para os famintos a cada dia. Embora a organização tenha ido além de coletar e reembalar comida, quem poderia negar o fato de que a idéia inicial era extremamente criativa?
Uma última preocupação que tenho é com a linguagem. Nós simplesmente não temos uma linguagem que descreva adequadamente a caridade. Por isso, ela é considerada essencialmente como “não estratégica”, um rótulo pejorativo na melhor das hipóteses. É muito provável que todas as doações “paroquiais”e “locais”que estão por trás da caridade façam mais pela construção de um capital social do que todas as filantropias ‘estratégicas’.
Pelo menos essa é uma hipótese que pode ser testada, e que me leva a sugerir que podemos chamar essa forma de doação de capital social de filantropia em vez de caridade. Existe a necessidade de ambas, a filantropia de capital social e a filantropia estratégica, e essas metodologias não estão competindo entre si. Ambas podem ser feitas com profissionalismo e criatividade. No curto prazo,, existem necessidades que precisam ser atendidas enquanto desenvolvemos estratégias que levem a uma mudança sistêmica positiva.
Doar, para muitos indivíduos e organizações filantrópicas, é uma expressão de cuidado, feliz e realizadora. Não vamos afastá-los disso diminuindo o que eles fazem.
Fonte: Revista Digital Envolverde – http://envolverde.ig.com.br/
Barry D Gaberman – 26/02/2008