Tanto pelos custos financeiros, quanto pelos custos sociais, a corrupção é um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento do Brasil.
Por Henrique Lian*
Utilizando a definição do Relatório Bruntland, de 1987, o verdadeiro desenvolvimento deveria “possibilitar que as pessoas, agora e no futuro, atinjam um nível satisfatório de desenvolvimento social e econômico e de realização humana e cultural”. Sob essa perspectiva, o desenvolvimento institucional, ao lado do desenvolvimento econômico – não reduzido à análise do PIB – é uma condição primordial para a construção de uma sociedade justa e capaz de alcançar o desenvolvimento sustentável.
Tanto pelos custos financeiros, quanto pelos custos sociais, a corrupção é um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento do Brasil, afetando instituições públicas e privadas, intensificando a instabilidade política, causando a distorção da concorrência, afetando a competitividade e os mecanismos de livre mercado, deteriorando a qualidade de produtos e serviços, mitigando a confiança nos agentes econômicos e, finalmente, aumentando os custos de transação.
Segundo pesquisa do Business and Industry Advisory Cometee (BIAC) da Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE), o custo da corrupção no mundo é da ordem de 5% do PIB global, o que corresponde a cerca de US$ 3 trilhões anuais e eleva o custo global de fazer negócios em aproximadamente 10%. No Brasil, em particular, a corrupção é responsável por desviar entre R$ 40 bilhões e R$ 65 bilhões por ano, segundo pesquisa realizada em 2010 pelo Departamento de Competitividade e Tecnologia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), provando ser um potente entrave ao uso eficiente de recursos no país.
Em 2012, o Brasil deu importante passo no tratamento político dessa questão, sediando, em Brasília, o principal fórum mundial sobre corrupção, a Conferência Internacional Anticorrupção (IACC, na sigla em inglês). O tema do evento foi mobilização, considerando-se que os desafios impostos pela corrupção são cada vez mais complexos e, por consequência, exigem uma articulação intensa e bem coreografada entre todos os setores da sociedade.
Nessa abordagem integrada do tema, as empresas têm se mostrado excelentes parceiras, atuando junto a organizações como o Instituto Ethos e iniciativas como a Articulação Brasileira contra a Corrupção e a Impunidade (Abracci) para promover avanços em sua gestão interna e em seus relacionamentos e, ainda, para influenciar políticas públicas. Alguns passos fundamentais foram dados nesse sentido.
Em 2006, em parceria com a Patri – Relações Governamentais & Políticas Públicas, com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), com o Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC), com o Fórum Econômico Mundial e com Comitê Brasileiro do Pacto Global, o Instituto Ethos lançou o Pacto Empresarial Pela Integridade e Contra a Corrupção, um conjunto de diretrizes e procedimentos, construídos por meio de seminários e consultas públicas, que devem ser adotados pelas empresas e entidades signatárias no relacionamento com o governo. Com 308 signatários, o Pacto já teve resultados relevantes, como a criação de um grupo de trabalho responsável por medidas de combate à corrupção e produção de conteúdos sobre o tema.
De uma parceria entre o Ethos e a Controladoria-Geral da União (CGU), surgiu, em 2010, o Cadastro Empresa Pró-Ética (Cadastro Nacional de Empresas Comprometidas com a Ética e a Integridade), uma importante iniciativa pró-transparência que reconhece e divulga o trabalho das empresas que investem na promoção da ética e da transparência.
Além de trabalhar em sua gestão interna, as empresas também têm como alvo a construção de políticas, uma vez que têm todo o interesse em promover um ambiente em que imperem a transparência e o bom uso de recursos públicos, sobretudo quando se tem em mente os prejuízos aos negócios causados pela corrupção.
O Movimento Ficha Limpa ilustra bem esse argumento. Fruto de grande mobilização popular, a iniciativa resultou na Lei Complementar nº135 a qual prevê que políticos que já tiveram seu mandato cassado, ou que já renunciaram para evitar que isso ocorresse, ou que foram condenados por decisão de órgão colegiado fiquem inelegíveis por oito anos. Com apoio das empresas, do Instituto Ethos e da Abracci, o site da iniciativa entrou no ar antes mesmo da aprovação da lei, comprovando o impacto da articulação dos diferentes setores da sociedade.
O Portal da Transparência do Governo Federal é outro exemplo de controle social desenvolvido junto às empresas. Desenvolvido em 2004 pela Controladoria-Geral da União (CGU), o portal disponibiliza hoje dados sobre transferências de recursos para Estados, para pessoas jurídicas e feitas diretamente a pessoas físicas; gastos diretos do governo federal (obras, serviços e compras); informações diárias sobre a execução orçamentária e financeira dos atos das unidades gestoras do Poder Executivo; informações sobre a lista de empresas sancionadas pela administração pública; e informações sobre os servidores e agentes públicos; entre outros dados. Paralelamente, a mídia e movimentos da sociedade civil têm feito uso desse recurso para dar maior amplitude às informações no site, identificando e alertando a população para possíveis abusos, discrepâncias de informações e excessos.
Outro aspecto importante da relação entre o setor empresarial e o governo é o financiamento de campanhas políticas por pessoa jurídica. Essa parte relevante da reforma política que tramita no Congresso suscita numerosos debates, dado que as doações de pessoas jurídicas correspondem a 75% do total das últimas eleições. Por esse motivo, a influência das empresas na política não pode, de forma alguma, ser subestimada. O manual A Responsabilidade Social das Empresas no Processo Eleitoral, cuja edição mais recente foi lançada em 2012 pelo Instituto Ethos e pela Transparency International, contém diretrizes importantes para que as empresas ajam de forma socialmente responsável durante as eleições e, ainda, provê estudos de caso em perspectiva comparada, de forma a alimentar o debate sobre o financiamento de campanhas políticas.
O Brasil tem progredido significativamente na luta contra a corrupção, seja por meio da articulação de empresas, seja pela maturidade do próprio governo, o que pode ser observado, por exemplo, na chamada Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), que regulamenta o direito de acesso dos cidadãos às informações públicas, ou, ainda, pela Ação Penal 470, conhecida por “Mensalão”, uma reviravolta no histórico de impunidade do Brasil.
Apesar do progresso significativo no combate à corrupção, na última avaliação da Transparency International, o Brasil recebeu a pontuação 3,8 em uma escala de 0 a 10, considerando que, quanto menor a pontuação, maior o nível de corrupção. Seguindo essa metodologia, o país está na 73ª posição do ranking de 183 países avaliados por essa organização, atrás de países como Chile e Argentina. Além disso, casos de corrupção ainda tomam grande parte das notícias dos jornais brasileiros, provando que ainda há muito que fazer.
Na busca por novas ferramentas, políticas e projetos, deve-se ter em conta, de uma forma ou de outra, o papel central das empresas na construção de uma sociedade que limita ao máximo a corrupção, seja pelo favorecimento da transparência e do controle social, seja pela punição de atos ilícitos. Os benefícios de um setor empresarial socialmente responsável não se limitam ao mercado. Pelo contrário, atingem todo o tecido social, servindo de exemplo e motivando os demais atores na construção de uma sociedade íntegra, transparente e justa.
* Henrique Lian é gerente executivo de Relações Institucionais do Instituto Ethos.