A comunicação é essencial para que o terceiro setor obtenha mais doações de pessoas físicas. As organizações sociais precisam se mostrar mais para seus potenciais financiadores e pedir dinheiro. “A comunicação é irmã da captação de recursos”, resume o diretor responsável pela área de projetos do IDIS, Rodrigo Alvarez. “As organizações precisam ser mais ativas na hora de pedir doações”, reforça João Paulo Vergueiro, presidente da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR).
As iniciativas nessa área são importantes para driblar o que Fernando Rossetti, secretário-geral do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), chama de “falta de cultura de doação e cultura de concentração de riqueza”. Não por acaso, entre os 146 países que fazem parte do World Giving Index 2012 divulgado pela Charities Aid Foundation (CAF)/IDIS, o Brasil ficou em 83º lugar – atrás de nações como Serra Leoa (33º), Trindade e Tobago (16º) e Paraguai (9º).
Há, no entanto, fortes sinais de que por trás desses números existe potencial para melhoria. “O brasileiro é muito solidário, como demonstra toda mobilização quando há alguma catástrofe natural como aconteceu recentemente em Santa Catarina e no Rio de Janeiro”, lembra Alvarez. O desafio, avalia, é fazer com que a doação vá além de iniciativas pontuais e se torne uma prática regular, como nos Estados Unidos e na Europa.
Um dos passos a serem dados é superar o descrédito que ainda pesa sobre as entidades. “A CPI das ONGs levou a uma criminalização do setor e, assim, mais de 380 mil entidades acabaram pagando pelos desvios de algumas poucas”, afirma Rossetti, fazendo referência à Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado que, entre outubro de 2007 e novembro de 2010, apurou a liberação de verbas do governo federal para entidades sociais. O desafio de comunicação, portanto, envolve reestruturar a imagem do terceiro setor, mostrar que “ONG é capital social, é riqueza para o país”, como diz o secretário-geral do Gife. Alvarez lembra que, “para doar regularmente, a pessoa precisa ter segurança de que o recurso aplicado vai gerar mudança real”.
Dentre os exemplos exitosos de comunicação, o representante do IDIS cita o da organização Médicos Sem Fronteiras. “A entidade fez forte campanha de imagem antes mesmo de chegar ao país e agora arrecada milhões aqui.” Vergueiro, da ABCR, elogia o Grupo de Apoio à Criança e ao Adolescente com Câncer (Graac) e a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD). “Eles trabalham com um sistema de microdoações, no qual muitas pessoas doam pequenas quantias”, observa. O ganho em volume de doadores compensa os valores baixos.
Perfil do doador
As estratégias de comunicação têm de estar ligadas, claro, ao perfil dos doadores brasileiros que, diz Alvarez, está mudando. Se antes eles eram predominantemente doadores locais – ou seja, doavam mais guiados pela proximidade física com a entidade social –, aos poucos ganham peso aqueles engajados em causas específicas. “A pessoa acaba privilegiando entidades reconhecidas, ligadas a grandes causas, como o Greenpeace, Fundação Abrinq, SOS Mata Atlântica”, comenta. “A pessoa se engaja e doa.”
Vergueiro vê outra tendência simultânea: grandes organizações sem fins lucrativos buscam no ainda pouco explorado mercado de doações brasileiro o financiamento que míngua no exterior com a crise econômica. As pessoas nem precisam conhecer profundamente as entidades. “O que atrai a doação é uma mistura de credibilidade e retorno garantido: o doador sabe que o dinheiro dele vai ter um bom fim”, completa Alvarez.
Mesmo no Brasil, aponta Rodrigo, acaba-se procurando campanhas maiores, de organizações reconhecidas, como Criança Esperança (TV Globo e UNESCO) e Teleton (SBT e AACD). “O brasileiro acaba apostando nos blockbusters. Grande parte das doações não deve ir para mais de 50 entidades.”
Legislação
As doações no País também são influenciadas pela legislação. Os incentivos fiscais para doações individuais podem ser feitos apenas para projetos aprovados nas Leis de Incentivo à Cultura, Esportes e Fundo da Criança e Adolescente. “Se a entidade para a qual você quer doar não tem projetos aprovados nessas leis, você não pode fazer uso do incentivo fiscal” – afirma Alvarez. Além disso, existem obstáculos para grandes repasses.
Isso ocorre por causa do principal tributo na área, o Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD). Ele é estadual, mas nenhum estado estimula contribuições. Alguns dão isenção a doações pouco volumosas (em São Paulo, para até R$ 46 mil por ano), mas outros, nem isso (como o Rio de Janeiro).
Ademais, paga-se a mesma alíquota para deixar dinheiro de herança, dá-lo a um familiar ou para uma instituição sem fins lucrativos. Não por acaso, a principal fonte de investimento social no Brasil são as doações de empresas.
Nos Estados Unidos, por outro lado, a legislação oferece um forte incentivo para o investimento social, ao mesmo tempo em que desincentiva a manutenção de dinheiro na família. O imposto sobre herança chega a 50%, e não se tributam doações a entidades sociais. Assim, o investimento social privado é predominantemente familiar –usando fundações – ou de pessoas físicas.
O problema de o investimento social brasileiro ser predominantemente corporativo é que as empresas levam muito em conta a própria imagem ao escolherem quais causas apoiar. Há, assim, dois principais efeitos: tendência a abordar temas menos polêmicos e mais consensuais, como educação, e, muitas vezes, um foco local, caso de empresas como Vale e Camargo Correa, que concentram ações em áreas nas quais estão presentes.
Já o investimento feito por famílias ou pessoas tende a ter um perfil bem diferente. “Há mais independência na aplicação dos recursos, o que leva a uma diversificação nas causas apoiadas”, explica Alvarez
Que fazer?
Para superar esses obstáculos, um passo importante é profissionalizar a captação de recursos. “Muitas instituições ainda dependem de um presidente que a criou faz 30 anos, dá dinheiro do próprio bolso para mantê-la ou pede doações a um círculo restrito de amigos”, diz Vergueiro. “As entidade precisam aprender a captar recursos, identificar potenciais doadores e abordá-los”, complementa Alvarez.
Rossetti sugere, de um lado, uma ação legislativa imediata: as entidades se unirem para pressionar os estados a não cobrarem mais ITCMD sobre doações ao terceiro setor. De outro, um plano de comunicação com a sociedade, para mudar fortalecer a cultura de doação no Brasil.
Alvarez propõe uma coordenação também entre quem já doa. “É preciso criar redes para eles discutirem o ato de doar, atraindo, assim, outros doadores.”