Os estudantes de escolas públicas e privadas têm visões diferentes sobre o que é uma democracia e vêem a escola isolada da sociedade. Essas são algumas das conclusões obtidas pela pedagoga Ana Maria Klein durante sua dissertação de mestrado, defendida na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP).
Em um estudo que envolveu 80 estudantes, do terceiro ano do ensino médio de duas escolas particulares e duas públicas da cidade de São Paulo, Ana colheu depoimentos a partir das opiniões dos jovens sobre o que é uma sociedade democrática e como ela é vivenciada.
Segundo a pesquisadora, aqueles que têm a possibilidade de pagar pelos estudos associam democracia a valores como igualdade e liberdade. Por outro lado, estudantes de escolas públicas entendem voto e a liberdade de expressão como as bases de um Estado democrático.
Em entrevista ao redeGIFE, Ana fala um pouco mais sobre sua pesquisa e esclarece como chegamos a essa diferenciação.
redeGIFE – Seu estudo conclui que alunos de escolas públicas e privadas têm visões diferentes sobre democracia. Como você comparou isso?
Ana Maria Klein – As representações se constroem por meio das teorias que a gente tem acesso na sociedade e por meio das vivências das pessoas, unindo o mundo psíquico e o mundo social. É o que o indivíduo percebe e sente e o que o mundo passa para ele. A partir desse conceito de representação eu fiz a minha investigação.
Os resultados dela foi que os estudantes de escolas públicas associam a democracia e sociedade democrática à participação e expressão. Eles falam em voto e no fato de você poder expor suas idéias. Já os alunos de escola particular falam em valores democráticos, ao discutirem mais igualdade, eqüidade social, de ter chance iguais e em liberdade. Essa foi uma diferença bastante clara na investigação.
redeGIFE – Por meio de sua pesquisa, qual a origem dessa diferenciação?
Ana – Eu fiz um histórico da democracia. Uma coisa importante para a gente ressaltar é que muitas vezes os jovens são desqualificados pela sociedade. Quando dizem que não são interessados, que não sabem de nada.
No entanto, o que se viu é que os grupos trouxeram elementos muito pertinentes. Se você for olhar o processo de desenvolvimento democrático no mundo, falar em participação, falar em liberdade, igualdade é totalmente pertinente com uma democracia, pois são valores fundantes dela.
A análise caminhou para o lado de quais são as experiências que esses jovens têm. Assim, quando um menino de escola pública fala que para ele sociedade democrática é poder votar, é escolher quem vai me representar, isso tem a ver com a experiência que ele tem. Quando é que ele vivencia a democracia no mundo que ele vive? Através do exercício do voto.
redeGIFE – E o de escolas particulares?
Ana – Quando um menino de escola particular diz que o importante é a igualdade, de fato, ele vivencia uma oportunidade igualitária em relação aos seus pares. Tal como ele percebe a liberdade, quando decidi a carreira que irá seguir; se cursará uma universidade pública ou privada. Uma liberdade de escolha, pois eles vêem de escolas de classe média alta, em que a mensalidade média supera mil reais.
No entanto, quando você olha para o aluno de escola pública, ele nem sequer sonha em ir para uma universidade. Então, quando é que ele tem a liberdade de exercitar a igualdade? Eles não têm muita liberdade de escolha, eles estão sofrendo para ver se conseguem um emprego, que é a grande preocupação daqueles que deixam o ensino médio. Eles sabem que concorrem em desvantagem para qualquer coisa.
redeGIFE – As diferenças são práticas então?
Ana – Quando você fala de valor, sabe que valor é uma porção mais abstrata na sociedade. Liberdade e igualdade são valores fundantes. Quando você fala de voto, ele abre o espaço. Historicamente, as camadas trabalhadoras conseguiram espaço na sociedade através do voto. Foi votando que os trabalhadores conseguiram conquistar direitos sociais. A democracia começa com direitos políticos.
Por isso, eu acho bastante significativo quando um grupo fala muito em voto, que é uma possibilidade de participar da sociedade e exigir seus direitos.
redeGIFE – O que pode ser avaliado nessa diferença?
Ana – Acredito ser relevante o discurso dos dois grupos, quando questionados sobre sociedade democrática. E na escola particular eles se referem muito a “indivíduo”, “cada um”, “pessoa”; e na escola pública a palavra povo aparece bastante.
Isso que dizer que nas escolas públicas, os estudantes se identificam mais com o povo, fazendo parte dele. A identificação de classe foi essencial para a democracia, pois os trabalhadores, por exemplo, apenas conquistaram direiros quando se tornaram uma classe. A consciência de pertencer a um grupo é muito importante.
Enquanto isso, nas escolas particulares, os estudantes falam muito “eu acho”, “o meu direito”. O discurso é muito mais centrado no indivíduo, que é muito forte na ideologia liberal. Diferentemente da escola pública, centrado nas classes.
redeGIFE – E como a escola participa para perpetuação dessas opiniões?
Ana – Uma das coisas interessantes é que ambos os grupos dizem que uma escola democrática é aquela que escuta o que o aluno tem a dizer. No entanto, nenhum deles acha que uma escola democrática é aquela que dá acesso a todo o mundo. Eles não relacionam a escola e a sociedade, pois a instituição se encerra nela mesma. Se a diretoria deixar todo mundo falar ela é democrática, não importa se custa mil reais a mensalidade.
Isso leva a outras questões: qual é o currículo com que essa escola está trabalhando? Como essa escola forma para a cidadania e para viver democraticamente? Até porque esses valores você aprende na escola, porque família não é democrática, nem pode ser. O lugar de conviver com igual é a escola.
Fonte: Rede GIFE Online
Rodrigo Zavala
18/09/06