Estudo da Oficina de Valor Consultoria mostra outra maneira de segmentar o mercado brasileiro, que pode ser particularmente útil para empresas que desconhecem seus clientes potenciais.
Por Claudia Mendes Nogueira e Pedro Paulo Cunha
O Brasil é um país de contrastes. Entre o topo e a base da pirâmide social encontram-se tipos variados, pessoas que nos cercam no dia-a-dia, em nossas famílias, nos shopping centers ou pelas ruas. Possuem necessidades e expectativas, básicas ou refinadas. Moram em grandes ou pequenos centros urbanos ou rurais. A maioria luta para levar a vida com dignidade. A minoria consome produtos muito diferenciados.
Interessantes artigos detalhando características das classes sociais mais baixas foram publicados em jornais, revistas e livros nos últimos tempos. Desde que C.K. Prahalad publicou A Riqueza na Base da Pirâmide, muitos se voltaram para esse grande segmento em ordem mundial.
O Critério de Classificação Econômica Brasil, da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep), divide o Brasil em seis categorias: A1, A2, B1, B2, C1, C2, D, E. Segundo dados da Abep (2008), 68% das famílias brasileiras estão entre o topo da pirâmide (A1 e A2, 5% da população) e a base (D e E, 27%).
Motivados a entender os brasileiros, identificá-los com seus lugares de origem e criar na mente dos tomadores de decisão uma imagem que inspire a compreensão das necessidades dos consumidores, resolvemos partir para uma longa empreitada. Utilizando os dados e estatísticas oficiais publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) por meio do Censo Populacional, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) e da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), acrescentamos a esse caldo informacional dados de outras entidades, ligadas a empresas do setor de telecom (Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel) e bancário (Federação Brasileira de Bancos – Febraban), para projetar o que as estatísticas oficiais não conseguem (ainda) nos fornecer.
Nosso objetivo foi encontrar grupos de indivíduos parecidos conosco e com tantas pessoas com que deparamos em nossa rotina diária. Além de segmentar e quantificar, pretendíamos criar um perfil, delinear uma persona passível de ser entendida pelas empresas e pelo governo. Assim, os tradicionais números, escondidos em estatísticas, poderiam ganhar vida e melhor entendimento.
Levando em conta o recente movimento no crédito ao consumidor, focamos nosso estudo na população com mais de 18 anos e com renda, ativa e inativa, uma vez que aposentados representam grande força para o consumo e manutenção da família.
Assim, considerando essa seleção de quase 96 milhões de brasileiros, identificamos três vetores que ora os aproximam, ora os diferenciam:
Estágio de vida: visa reconhecer em que fase do ciclo de vida encontram-se as pessoas: buscando o primeiro emprego; assumindo as responsabilidades do casamento; acolhendo os primeiros filhos; presenciando o ninho se esvaziar; convivendo com a velhice, de forma amparada ou não. Esses estágios de vida são praticamente comuns a todas elas e estão relacionados com a forma de organização das famílias em geral e com a compreensão dos papéis assumidos pelos indivíduos dentro do núcleo familiar.
Consumo: visa conhecer o que os indivíduos consomem, mensurar os impactos das novas demandas da vida moderna (telefonia celular, microcomputadores e internet), revelando novas expectativas e oportunidades para as empresas. A relação com o consumo pode ilustrar a busca de diferenciação e de inclusão social, como mostra Juracy Parente quando fala sobre o luxo e o popular.
Recursos econômicos e cognitivos do consumidor: recursos como renda, crédito e escolaridade agem como limitadores ou potencializadores do consumo. Em cada estágio de vida a alocação desses recursos é feita de maneira seletiva, ora priorizando a própria pessoa, ora a família, o presente ou o futuro.
Analisadas as variáveis selecionadas para os três vetores, o desafio foi agrupar a população de modo a atender aos requisitos estabelecidos para a segmentação:
• Diferenciação significativa por conta de características demográficas e de consumo, com diferentes respostas a estímulos do mix de marketing.
• Capacidade de acompanhamento em termos de tamanho e crescimento em um horizonte futuro (10 ou 15 anos).
• Que tenha o potencial de favorecer a percepção e a criatividade.
• Que permita criar algoritmos de classificação das bases de dados de empresas, especialmente as que atendem grandes massas.
• Que facilite vincular as pessoas com os locais de origem, permitindo subsegmentação geográfica e análise do market share por localidade.
Ao final, identificamos 12 grandes grupos (clusters), que foram testados a partir do cruzamento com bases de dados do mercado. A tabela abaixo mostra a quantidade estimada de pessoas em cada um dos clusters. As organizações podem cruzar os segmentos com seus dados internos e identificar comportamentos passados que orientem as experiências futuras com seus clientes e prospects.
Jovens trabalhadores e jovens batalhadores
Para compreensão inicial dos grupos, apresentamos a descrição de dois deles, considerando suas principais características:
• Jovens trabalhadores: idade em torno de 24 anos e renda média familiar de aproximadamente R$ 908,00. Nesse grupo, 57% não possuem carteira de trabalho assinada ou trabalham por conta própria. A renda individual de R$ 461,00 é também utilizada para as despesas familiares. Estimamos que 60% de sua renda seja destinada apenas para o consumo individual. Suas principais prioridades pessoais são, nesta ordem: vestuário, transporte e telefonia celular. Geralmente concluíram o ensino fundamental ou estão cursando o médio. Poucos ingressam na universidade. Levam a vida com dificuldade e não se alimentam sempre do que gostariam, pois sua renda não permite. Os que estão em centros maiores costumam acessar computadores, mas poucos de sua casa. Os jovens trabalhadores estão presentes em muitas cidades de porte pequeno e, nos grandes centros, concentram-se em áreas menos favorecidas.
Analisando o portfólio de uma grande empresa de varejo, podemos encontrar a seguinte situação envolvendo um jovem trabalhador: Márcio vai a uma loja de departamentos atraído pelo celular de “último tipo” com pagamento parcelado e vinculado a um plano de telefonia pós-pago. Quanto essa decisão deve ocupar de sua renda pessoal?
Em que escala a decisão está em sua priorização (emocional x racional)? O que a empresa pode fazer para atender melhor esse cliente? Ele necessita de informações esclarecedoras sobre crédito e consumo consciente? Como se comunicar com ele?
• Jovens batalhadores: com idade também em torno de 24 anos, mas renda média familiar de aproximadamente R$ 2.200,00. Possuem renda individual de R$ 730,00, usando cerca de 30% dela para as despesas familiares. Sobram para o próprio uso, portanto, por volta de 70% de sua renda, o que torna possível para alguns a compra do primeiro carro.
As despesas pessoais são priorizadas da seguinte forma: transporte, vestuário e aquisição de veículos. A maioria concluiu o ensino médio e uma pequena parte ingressou na universidade.
Muitos possuem carteira de trabalho assinada (63%). Apesar de alguns levarem a vida até o final do mês com dificuldades, a maioria tem celular e boa parte dispõe de microcomputador em casa. Residem em áreas mais desenvolvidas que os jovens trabalhadores.
Estão no meio da pirâmide e nessa fase da vida começam a ser alvo dos bancos, financeiras e cartões de crédito.
Analisando o portfólio de um grande banco, podemos encontrar a seguinte situação envolvendo um jovem batalhador: Sílvia está abrindo sua primeira conta bancária. Qual limite de crédito ela pode receber? Almeja comprar um carro? Em que escala essa decisão está em sua priorização (emocional x racional)? O que a empresa pode fazer para atendêla melhor na realização desse sonho? Como caracterizar a persona jovem batalhador em seu negócio?
Essa segmentação visa oferecer uma forma diferenciada de conhecer o mercado brasileiro, considerando suas peculiaridades. Os quadros a seguir apresentam dois exemplos:
(1) os segmentos contidos na área de influência de um shopping center em São Paulo e
(2) os segmentos presentes em localidades de distintos portes no estado de São Paulo.
Uma nova maneira de enxergar os prospects
Resumidamente, qualquer segmentação é uma abstração que tem como objetivo principal conhecer o cliente e o mercado. Exige abordagem pragmática e realista, pois não é simples encontrar relevância em muitos segmentos ou mesmo em nichos estabelecidos. Ao mesmo tempo, ela deve estimular a criatividade de quem a utiliza, fazendo sentido para cada negócio.
Existem empresas que armazenam muitas informações a respeito do comportamento do cliente e as utilizam para desenvolver seus segmentos. Nesse caso, o estudo que apresentamos acrescentará uma visão do mercado, complementando os dados internos daorganização.
Outras empresas possuem poucas informações sobre seus clientes ou até desconhecem seus prospects. Para essa situação, a segmentação proposta permite um salto qualitativo em relação ao conhecimento e atuação sobre seu mercado.
Claudia Mendes Nogueira, sócia da Oficina de Valor Consultoria, é mestre em administração de empresas pela Fundação Getulio Vargas em São Paulo (FGV-EAESP) e doutoranda em métodos quantitativos pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
Pedro Paulo Cunha, sócio da Oficina de Valor Consultoria, graduado em ciências da computação pela USP de São Carlos, é pós-graduado em marketing pela FGV-EAESP.