O ex-presidente americano prega que a cooperação vai triunfar sobre as rivalidades políticas, econômicas e étnicas na solução dos problemas globais.
Quando deixou a Presidência dos Estados Unidos, em 2001, após oito anos no cargo, e se mudou para uma casa nos arredores de Nova York, Bill Clinton brincou com um grupo de jornalistas: “Agora sou como a maioria dos americanos. Acordo, dou uma olhada nos jornais e tomo café da manhã”. Embora a declaração fosse verdadeira no âmbito das situações comezinhas, nos anos seguintes Clinton se dedicou à atividade mais comum aos ex-presidentes daquele país -rodar o mundo dando palestras sobre os temas mais relevantes do cenário internacional. Logo, porém, Clinton deu um salto à frente de seus pares que ocuparam o cargo de homem mais poderoso do mundo, um salto que hoje o qualifica como o melhor dos ex-presidentes americanos vivos.
O grande salto de Clinton foi fundar, em 2005, a Clinton Global Initiative, uma ONG de alcance internacional que se dedica a encontrar soluções para grandes problemas mundiais, desde a desigualdade econômica até as mudanças climáticas, da reconstrução de regiões arrasadas por fenômenos naturais à obesidade infantil. A entidade pratica um modelo de filantropia que só é possível tendo como base o carisma e a rede de simpatizantes que Clinton reuniu em seus anos de governo -do qual saiu com notáveis 65% de aprovação popular.
A Clinton Global Initiative, ao contrário de outras entidades filantrópicas notáveis, como a de Bill e Melinda Gates, não distribui verbas. Sua estratégia funciona assim: todos os anos, em setembro, Clinton promove em Nova York um encontro de líderes globais, empresários, CEOs de grandes empresas e notáveis das mais diversas áreas. Após discutirem as melhores soluções para os problemas colocados em pauta, os participantes se comprometem a investir verbas -ou conhecimento -para solucioná-los. Clinton acredita que só com a cooperação entre governos, ONGs e iniciativa privada se poderá fazer frente aos grandes desafios do mundo de hoje (veja abaixo entrevista exclusiva do ex-presidente a VEJA).
Nesses oito anos de existência da Clinton Global Initiative, já passaram pelos encontros 150 presidentes de países, vinte ganhadores do Prêmio Nobel, centenas de empresários e CEOs e diretores de ONGs, além de celebridades endinheiradas -como Brad Pitt, Leonardo DiCaprio e Mick Jagger -dispostas a abrir o cofre em prol de causas com que simpatizem. As doações com as quais os chefes de estado, empresas ou pessoas físicas se comprometem são aplicadas diretamente nos respectivos projetos. Os encontros promovidos por Clinton já estabeleceram 2300 compromissos de investimento em projetos beneficentes em 180 países. Quando estiverem inteiramente implementados, esses projetos terão consumido 73 bilhões de dólares.
Os projetos nascidos nos encontros da Clinton Global Initiative já beneficiaram 400 milhões de pessoas. Muitas outras deverão ser beneficiadas indiretamente por meio de uma das prioridades da ONG -a melhoria das condições ambientais nas maiores metrópoles do planeta. Um exemplo vistoso dessa frente de atuação e” a reforma do Empire State Building, um dos prédios-símbolo de Nova York, inaugurado em 1931. Em 2009, a Clinton Climate Initiative, juntamente com parceiros, iniciou um projeto de ampla modernização no Empire State que tomou quatro vezes mais eficiente o isolamento térmico das 6514 janelas duplas e dos 26056 painéis de vidro do edifício. O controle de temperatura e os elevadores receberam sistemas mais eficazes. Ao todo, o projeto reduziu o uso de energia do Empire State em 38%, o que significa uma redução de 4.4 milhões de dólares por ano nas contas de energia de seus ocupantes. A redução também evitará que 105000 toneladas de emissões de gases do efeito estufa sejam produzidas nos próximos quinze anos. Isso equivale à poluição produzida em um ano por 22000 carros.
Na frente de auxílio às populações mais pobres do globo, a ONG de Clinton tem ampla atuação em países como o Haiti, onde foi fundado um braço especial da entidade, que arrecadou 16,4 milhões de dólares para auxílio imediato às vítimas do terremoto. Posteriormente, foi investido 1,25 milhão de dólares para subsidiar os estudos de 400.000 crianças. “Com a união de forças, temos mais poder do que nunca para construir um mundo de valores e oportunidades compartilhadas”, diz Clinton. As ações da ONG do ex-presidente mostram que essa teoria tem dado certo na prática.
Em qualquer tempo e em qualquer país, a política é território dos que praticam a divisão, mas o futuro pertence aos que praticam a cooperação”
A ESTRATEGIA É JUNTAR FORÇAS
Há oito anos Clinton fundou a Clinton Global Initiative, que promove encontros anuais entre governos, empresas privadas e ONGs. Em entrevista a VEJA, ele explica por que avalia que a união entre os três setores é o melhor caminho para enfrentar questões como a desigualdade social e as mazelas ambientais.
Como o senhor vê o papel dos cidadãos diante dos desafios do século XXI?
Vivemos um período da história inédito em termos de interdependência entre as nações. A riqueza e o talento, hoje, cruzam fronteiras rapidamente, numa grande rede internacional, mas o mesmo acontece com as forças negativas. A crise financeira que começou nos Estados Unidos e varreu o globo provou como as condições sociais e econômicas das nações estão interligadas. Não podemos mais ignorar o que acontece em outros países. A boa notícia é que temos mais poder do que nunca para construir um mundo de valores e oportunidades compartilhadas, mas, para obter sucesso no século XXI, três setores da sociedade – governo, iniciativa privada e organizações não governamentais, as ONGs – precisam trabalhar juntos. Isso vale para os países ricos, como os Estados Unidos, para os pobres, como o Haiti, ou para aqueles em rápido desenvolvimento, como o Brasil. E o papel das ONGs, grupos de cidadãos que trabalham juntos em prol do bem comum, está se tornando cada vez mais relevante. Os Estados Unidos sempre tiveram instituições não governamentais fortes. Um dos fundadores da República americana, Benjamin Franklin, criou em 1736 o que pode ser considerada a primeira ONG da história, o Corpo de Bombeiros de Filadélfia, composto exclusivamente de voluntários. Não havia alternativa naquele tempo porque os impostos recolhidos pela prefeitura não eram suficientes para bancar um corpo de bombeiros e nenhuma companhia privada teria lucro com um projeto desse tipo. As ONGs são instituições únicas: por serem formadas por cidadãos, não dependem de cargos políticos e, portanto, têm mais liberdade para experimentar novas ideias. Ao contrário das empresas privadas, não precisam produzir lucro para satisfazer os acionistas. Devem prestar contas de suas ações e ser cuidadosas com seus orçamentos, mas, se algo não dá certo, podem mais facilmente mudar de rumo e tentar uma estratégia diferente. Por isso, as ONGs têm hoje um papel mais significativo do que nunca.
O que faz com que algumas pessoas sejam mais propensas do que outras a se tornar voluntárias e doar tempo e dinheiro?
Pensei muito sobre isso. Parece-me que as pessoas doam por uma combinação de fatores, com base no que pensam do mundo e no que pensam de si mesmas. Algumas pessoas doam porque acham que o gesto de doar lhes dá mais satisfação e recompensa do que gastar mais dinheiro em bens materiais e mais tempo em atividades de lazer ou no trabalho. Outras doam porque se sentem moralmente obrigadas a fazê-lo, amparadas em convicções éticas ou religiosas. E há as que doam porque alguém que elas conhecem e respeitam lhes pediu que o fizessem, ou porque acham que, doando, proporcionarão às nossas crianças um futuro melhor. Os motivos opostos explicam por que as pessoas se recusam a doar. Muitas não acreditam que a doação possa fazer grande diferença, seja porque não podem doar muito, seja porque estão convencidas de que os esforços para mudar as condições de vida de outras pessoas são inúteis. Não se sentem moralmente obrigadas a doar e talvez ninguém lhes tenha pedido para fazê-lo. E acreditam que vão aproveitar melhor a vida se guardarem seu dinheiro e seu tempo para si próprias e sua família. Muita gente, em meio ao dia a dia do trabalho e da vida familiar, não sabe como doar tempo e dinheiro de forma eficaz. Nesse caso, deixa de doar, embora se sinta frustrada com isso. A tecnologia está fazendo maravilhas para resolver esse tipo de situação. Ela não apenas torna mais fácil doar como transforma um grande número de pequenas doações numa doação de grande porte. Quando o tsunami devastou o Sudeste Asiático, gente do mundo inteiro doou bilhões de dólares, grande parte pela internet. Nos últimos tempos, doar uma pequena quantia fixa por meio de mensagem de texto facilitou ainda mais o processo. Foi o que aconteceu após o terremoto que atingiu o Haiti, há três anos. A escolha de doar tempo e dinheiro é pessoal, mas quanto mais cidadãos tentam fazer a diferença mais perto chegamos de vencer nossos grandes desafios.
O senhor daria algum conselho aos brasileiros acerca de como enfrentar o século XXI?
Em primeiro lugar, amo o Brasil. Já visitei o país dez vezes, e em dezembro vamos promover no Rio de Janeiro nossa primeira conferência Clinton Global Initiative na América Latina. No ano passado, tive o prazer de dar uma palestra na Universidade de Fortaleza, no Ceará, e fiquei mais convencido do que nunca de que o povo brasileiro tem a noção exata de como criar um mundo de oportunidades e responsabilidades compartilhadas. Digo isso porque, nesta última década, o Brasil foi um dos pouquíssimos países a registrar ao mesmo tempo um crescimento sólido e uma queda na pobreza e na desigualdade social. Isso não aconteceu nos Estados Unidos, onde, no mesmo período, 90% dos ganhos econômicos beneficiaram 10% da população. Desses 90%, 43% foram para 1% da população, e a pobreza aumentou no país. Um dos principais motivos pelos quais o Brasil continuou a crescer durante a recente crise econômica é que combateu o problema da desigualdade. Darei outro exemplo. Quando estive em Manaus no Fórum Mundial de Sustentabilidade, em 2011, havia executivos de grandes companhias de petróleo, de eletricidade e de outros setores, políticos do Partido Verde e de grupos ambientalistas, além de representantes das tribos indígenas e de entidades de defesa da floresta. Ao contrário do que aconteceria nos Estados Unidos, onde, num evento desse tipo, todos estariam levantando verbas para produzir comerciais de TV atacando uns aos outros, os participantes do fórum de Manaus estavam reunidos calmamente em torno de mesas, conversando respeitosamente, porque sabiam que não havia respostas fáceis. Eles entenderam que, para construir um país de prosperidade e responsabilidade compartilhadas, teriam de enfrentar juntos as questões difíceis e descobrir novas formas de cooperação mútua. Meu conselho, portanto, é prosseguir desta forma: manter todos nas mesas -empresários, governo e cidadãos descobrindo maneiras criativas de trabalhar juntos. É bom lembrar que, em qualquer tempo e em qualquer país, a política é território dos que praticam a divisão, mas o futuro pertence aos que praticam a cooperação.
Fonte: Revista Veja
Por: Carolina Melo
Autor: Assessoria de Imprensa