Para Sérgio Abranches, os desafios do século 21, sob os riscos das mudanças climáticas, exigem mudanças urgentes em toda a sociedade.
A falta de vontade política e o monopólio dos países desenvolvidos sobre as tecnologias sociais agravarão os efeitos da mudança climática em todo o planeta. A afirmação pessimista é do sociólogo e comentarista político Sérgio Abranches, feita durante o seminário “O Brasil na Transição do Baixo Carbono”, que aconteceu na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, em São Paulo, nesta segunda-feira (24/08).
Segundo Abranches, estamos atualmente diante de uma revolução tecnológica que pode servir como ferramenta para a integração dos continentes, ajudando a diminuir as diferenças sociais. No século passado, explica ele, a democratização foi o grande benefício e o auge da revolução tecnológica. “Ela foi direcionada principalmente para a política mundial e, em alguns casos, foi utilizada para um lado mau. Mas isso, infelizmente, faz parte do jogo”, disse.
O sociólogo ressaltou que a partir de agora a grande preocupação é com as mudanças climáticas, que estão afetando a economia de diversos países. “Já temos exemplos de secas e enchentes intermitentes e não há muito o que discutir. As medidas devem ser pensadas no curto prazo, pois estamos diante de um mar de incertezas sobre os efeitos desse fenômeno”, lembrou.
Se a democratização foi o marco do século passado, as políticas climáticas serão a próxima fronteira, trazendo-nos o desafio de vencer uma dificuldade com a qual nem sabemos lidar, diz ele, alertando para os riscos da fragmentação da discussão sobre o aquecimento global, como vem ocorrendo. “Se cada um tiver um ponto de vista, que coincide com os seus interesses, faremos muito pouco. É hora de unir forças, pois o nível de perigo é muito alto e cada vez mais visível”, disse.
Na opinião de Sérgio Abranches, a sociedade já começa a se mobilizar e a própria imprensa aumenta o seu interesse sobre a temática. “As mudanças do clima têm interessado bastante a mídia e isso faz com que a população pressione os congressistas a atuar mais energicamente, para que os efeitos sejam os menores possíveis”, falou.
Pela primeira vez a classe política não pode deixar os problemas para as próximas gerações, pois eles exigem medidas imediatas que possam mitigar seus efeitos. “Apesar de interesses financeiros contrários a medidas, não se pode mais deixar de lado o tema. O que mais precisamos é de ações locais fortes, mostrando que se esperarmos muito pode ser tarde”, ressaltou o sociólogo.
A COP 15
Ele lembra que estamos perto da 15ª. Conferência das Partes (COP 15) da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que será o evento ambiental mais importante no cenário mundial desde a Rio-92. “Nesse período nada de relevante aconteceu”, diz ele, destacando que é importante que a COP 15 seja um espaço de diálogo eficiente. “Temos que agir entre 2009 e 2030 para que as coisas não saiam do nosso controle. Quanto menos fizermos agora, mais difícil ficará lá na frente”, destacou.
Nesse cenário, em sua opinião, o amadurecimento tecnológico dos países mais poluidores pode significar um avanço significativo no combate às mudanças climáticas. “O uso intensivo das energias renováveis e da nanotecnologia será um grande passo, mas alguém tem de dá-lo”, diz ele, salientando que em vez da “regra da unanimidade”, modelo adotado na Convenção do Clima, “seria necessário que os grandes emissores tomassem uma decisão unilateral para que fossem seguidos pelo resto do mundo”.
O Brasil e a questão climática
Se os grandes poluidores, como Estados Unidos e China, já estão tomando medidas mais eficientes de controle na emissão dos gases de efeito estufa, o mesmo não se pode dizer do Brasil, que, segundo Abranches, é o mais atrasado em efetivar políticas climáticas. “Temos um problema histórico, pois somos um país paradoxal: lidamos com problemas medievais, como a corrupção e a má regulação e aplicação de leis, mas dominamos tecnologias de ponta, como a do etanol e a das hidrelétricas. Ou seja, nossa maior dificuldade se chama má governança”, diz ele, lembrando também o nível de tolerância da população brasileira quanto aos seguidos escândalos políticos que acontecem no país.
Abranches criticou também as políticas de combate ao aquecimento global no Brasil, citando como exemplo o modelo do transporte brasileiro. “As rodovias são péssimas escolhas, encarecem os produtos e aumentam a emissão de gases de efeito estufa. O governo acha que rodovia é uma coisa ultramoderna. O que falta é conhecimento para quem apóia esse tipo de investimento. É sabido que as hidrovias e ferrovias são dez vezes menos impactantes que as estradas. Com certeza, até o final do século 21 estaremos com um sistema de transporte caro e obsoleto”, indignou-se.
A economia e as mudanças climáticas
Sérgio Abranches destacou que daqui para a frente o processo de expansão da economia mundial estará diretamente ligado à descarbonização dos processos produtivos, e a empresa que não se adaptar estará fadada ao esquecimento. “O Brasil pode se tornar uma potência econômica do século 21. Temos todos os apetrechos para isso: uma matriz limpa de energia, água, biodiversidade e avanços tecnológicos. Mas também temos de acabar com os empecilhos como o sistema de transporte e, principalmente, a agricultura extensiva”, ressaltou.
Existem muitas oportunidades “verdes” circulando pelo mundo e quem souber aproveitar primeiro estará na vanguarda de um novo modelo de desenvolvimento. “Só na Coréia do Sul, existem mais de US$ 300 bilhões planejados para investimentos em ações sustentáveis. Isso mostra que podemos escolher entre deixar o destino escrever a história ou usar as ferramentas tecnológicas para nos defender”, finalizou.
Fonte: Fabrício Ângelo (Envolverde) / Edição de Benjamin S. Gonçalves (Instituto Ethos)