O povo brasileiro é solidário. São inúmeros os registros de atitudes de apoio desprendido, em momentos de catástrofe pública ou dificuldades coletivas. Essa solidariedade está enraizada na cultura popular, animada pelos valores da tradição religiosa e por uma realidade de exclusão social que leva um grande contingente a uma situação de extrema carência. É o que se vê, por exemplo, na promoção de campanhas de arrecadação, de bingos beneficentes e venda de rifas para sustentar os chamados “trabalhos de caridade”. É uma prática louvável e salutar, sem dúvida alguma, e deve ser enaltecida. No entanto, após tantos anos de filantropia – até programas de televisão a incentivam, o País ainda não foi capaz de deixar de condenar milhões de cidadãos à miséria absoluta.
Apesar do desenvolvimento econômico e de toda a colaboração que a sociedade proporciona a seus excluídos, na forma de donativos, o Brasil continua sendo o segundo maior país do mundo em termos de desigualdade social.
É bem verdade que a prática da filantropia é importante e sempre traz algum tipo de conforto para os desvalidos, sobretudo num país de população tão carente como o Brasil. Mas ela não é suficiente para substituir políticas públicas. Nos moldes em que é realizada acaba se tornando um paliativo para o grave quadro social, porque, em muitos casos, não busca a continuidade das ações e se concentra, geralmente, em promoções episódicas, como campanhas de agasalho no inverno e arrecadações de brinquedos no período natalino.
No Brasil, apesar do esforço de mídia que se faz em torno de campanhas para obtenção dos mais variados fundos sociais, a capacidade de doação da sociedade é muito baixa, se comparada a outros países. Estima-se que a média é de apenas R$ 23 reais per capita por ano. Esse número é extremamente inferior ao dos norte-americanos, por exemplo, cujas contribuições per capita são estimadas em algo equivalente a R$ 780 anuais. Isso não ocorre somente porque a sociedade americana é mais rica. Ela possui uma prática filantrópica composta por contribuição contínua, participação do cidadão nas entidades apoiadas e uma rigorosa fiscalização e acompanhamento dos repasses efetuados pelas entidades sociais beneficiadas. Já em nosso País, parte dos recursos advindos de doações nem ao menos chega a seus destinatários finais.
A priori, para evitar ocorrências deste tipo é necessário que a empresa tenha compromisso com o processo de doação, envolvendo-se com a entidade social e ajudando-a a desenvolver ferramentas de avaliação que permitam medir os impactos efetivos das ações nos públicos beneficiados. Assim é possível acompanhar o caminho percorrido por esses recursos e mensurar os resultados sociais obtidos.
Assegurar que os investimentos transformem efetivamente a condição de vida das pessoas é uma questão fundamental, ao alcance das empresas e que pode servir de exemplo para seus parceiros e para os governos. E o exemplo sempre é pedagógico para estabelecer modelos, prioridades e referências.
É importante analisar que, quando se pretende uma parceria entre empresários, governos e entidades assistenciais para o desenvolvimento de programas sociais, os recursos destinados diretamente à filantropia também devem ser alvo de fiscalização, assim como a sociedade deve fazer com o dinheiro público.
Mas as doações efetuadas pelas empresas brasileiras precisam fazer parte de um projeto mais amplo, que esteja referenciado em princípios e valores éticos e que contribua para a constituição de um cenário econômico sustentável. Simultaneamente, é necessário implementar uma política que promova distribuição de renda, que traga para o País uma condição de justiça social e de garantia dos direitos básicos de cidadania.
Esse horizonte deve nortear as ações das empresas socialmente responsáveis. É preciso envolver fornecedores, parceiros, funcionários e todos os agentes da cadeia produtiva num processo de transformação efetiva da sociedade. Faz parte desse processo exigir políticas públicas coerentes e evitar a prática assistencialista de somente angariar alimentos, agasalhos ou doação em dinheiro.
Por outro lado, é fundamental que a filantropia passe a fazer parte de uma estratégia global da empresa, com consistência, que ajude na montagem de uma imagem corporativa com responsabilidade social, o que contribui para impulsionar os negócios. Empresas que trabalham com a perspectiva socialmente responsável, que atuam no sentido de estabelecer uma agenda inclusiva, que preveja benefícios para a comunidade, levam vantagem na disputa de mercado.
Em levantamento realizado pelo Instituto Ethos, em 2000, na pesquisa “Responsabilidade Social das Empresas – Percepção do Consumidor Brasileiro”, o comportamento social empresarial é bastante prestigiado. Para 43% dos entrevistados, colaborar com escolas, postos e entidades sociais da comunidade é uma atitude que estimula a compra de produtos da empresa, e faz com que ela seja recomendada aos amigos. Em 2001, a mesma pesquisa mostrou que essa é uma tendência, já que praticamente o mesmo percentual de consumidores respondentes (42%) consideram que esse tipo de colaboração só aumenta o prestígio e as vendas das empresas que a pratica.
É inegável que as práticas filantrópicas vêm amadurecendo. Cresce a consciência de que esse tipo de ação deve ser constante, persistente e com compromisso, envolvendo todos os atores sociais. Cresce também entre as empresas a visão de que uma prática de intervenção socialmente responsável traz ganhos para o seu negócio, sua imagem e, principalmente, para a sociedade.
Oded Grajew
24/04/2002