Evento realizado pelo GIFE, em parceria com o Centro de Voluntariado São Paulo, no último dia 25, reuniu 30 profissionais de institutos, fundações e empresas para discutir o “estado da arte” do voluntariado corporativo. Com o apoio do Instituto Carrefour, o objetivo foi apontar as potencialidades, desafios e limites da prática, dentro do contexto brasileiro.
Os convidados, a maior parte representantes de associados ao GIFE, são responsáveis por ações de voluntariado em suas organizações. Assim, a dinâmica do evento os reuniu em grupos para analisar suas práticas, trazendo à tona as principais preocupações e oportunidades por consenso.
Ao final, cada equipe ficou responsável por um dos seis temas levantados. Por meio do exercício responderam questões que compreendiam desde o motivo para criar um programa de voluntariado, à comunicação, gestão, avaliação e, no fim, o que cada um dos envolvidos investe efetivamente em todo o processo.
“Vivemos em um paradigma de desesperança, em que as pessoas sentem que são impotentes contra a violação dos direitos ao seu redor. O voluntário acredita que, mesmo fazendo pouco, está transformando a sociedade e mostrando que todos nós podemos, sim, fazer alguma coisa”, argumentou a psicóloga Cenise Vicente, ex-oficial de projetos do UNICEF e diretora da empresa de consultoria Oficina de Idéias.
Por que começar?
Organizações como o GIFE e o Centro de Voluntariado de São Paulo (CVSP), representados pelo secretário-geral, Fernando Rossetti, e pela coordenadora do CVSP, Cristina Murachco, acreditam que a prática é eficiente na geração de transformações sociais. No entanto, para que isso ocorra, deve ser elaborada por meio de ações estruturadas e estratégicas.
Na visão dos participantes, apresentada pela gerente do Programa de Voluntariado do Instituto C&A, Carla Sattler, as empresas dão início a esse tipo de programa porque é possível identificar, mesmo que de forma empírica, que o voluntariado traz benefícios para empresa, para a comunidade e para o funcionário.
Como porta-voz de um dos grupos, Carla enumerou alguns dos benefício: o auxílio no desenvolvimento de habilidades pessoais e profissionais dos colaboradores, aumento da satisfação com o trabalho, contribuição na redução de problemas comunitários e engajamento de colaboradores em causas sociais.
Ao mesmo tempo, a prática tem ajudado as empresas a fortalecerem suas marcas de forma positiva e socialmente responsável junto a diversos stakeholders. Nesse sentido, verifica-se um maior reconhecimento por grupos comunitários e organizações sociais.
“Quem lida com voluntariado nas empresas, está na linha entre o que é benefício público e privado. Ações bem-estruturadas mostram que todos os públicos envolvidos podem ganhar com a prática”, afirmou Rossetti.
Mobilização
Um dos principais desafios identificados pelos participantes é o de mobilizar o colaborador para as ações de voluntariado. Nos argumentos que sustentavam os critérios a serem avaliados, tornou-se evidente que, para cada organização, havia um obstáculo diferente a ser superado.
Embora acreditem que a comunicação bem feita é um dos cernes da solução, a expectativa de cada funcionário sobre o trabalho voluntário deve ser levada em consideração. “É preciso entender o quê o colaborador acredita que está fazendo: assistencialismo ou transformação social”, lembrou coordenadora de Programas Sociais da Centrais Elétricas Matogrossenses (CEMAT), do Grupo Rede, Maria de Lurdes Neves, relatora de grupo.
Nesse sentido, pode-se encarar a gestão do voluntariado em duas perspectivas, sem categorização de mais positivo ou negativo. A primeira percebe o voluntário como instrumento de assistência, em que é encorajado a se envolver em ações prontas, criadas por uma organização (social ou empresarial). A outra perspectiva vê o voluntário como agente e promotor de suas próprias ações que age natural e espontaneamente sobre uma determinada realidade.
Cabe então a cada organização criar um projeto de acordo com o que se espera do colaborador. Uma empresa que estimula funcionários a participarem de suas ações de Investimento Social Privado, deve desenvolver uma comunicação distinta ao daquela que os motiva a oferecer apoio a associações comunitárias do bairro onde vive, por exemplo.
Para entender como mobilizar os funcionários, portanto, é preciso compreender o que o leva à decisão de “ser voluntário” e toda a subjetividade (desejo e expectativa) inerente à sua escolha.
Governança
As dúvidas sobre a gestão de todos esses processos também foram bastante analisadas durante o evento. Para a relatora do grupo que analisou esse enfoque, a gerente de Sustentabilidade do Instituto Carrefour, Karina Chaves, embora exista uma tendência desses programas serem coordenados por uma diretoria corporativa, em cada organização existe uma estrutura diferente.
De fato, pelas razões apresentadas pelos participantes, é preciso criar uma política de voluntariado para ter clareza de onde se quer chegar, tal como a forma com que ela está inserida estrategicamente na organização (no leque de sua Responsabilidade Social).
No entanto, segundo a responsável pelos Programas de Voluntariado do Instituto ibi, Tatiana Polo, a governança depende também da escolha da área que coordenará essa política e sua importância dentro da estrutura. Nos exemplos das mesas de discussão do evento, não houve consensos sobre o assunto.
Os programas podem ser coordenador por áreas distintas, como: Recursos Humanos, Comunicação, Marketing, pela “mulher do presidente da empresa”, ou mesmo pelos institutos e fundações vinculados à mantenedora. É a força da estrutura que pautará as linhas de ação e seu suporte pela diretoria.
“O importante é que também sejam feitas parcerias com os gestores e os líderes”, disse Karina Chaves, ao lembrar como é difícil manter um plano nacional de voluntariado, quando a empresa está presente em 16 Estados.
Avaliação
O que pode ser considerado sucesso em programas de voluntariado? Uma resposta simples é a de que a iniciativa tenha realmente trazido benefícios para os três principais grupos envolvidos: empresa, comunidade e funcionário. Daí a necessidade de conseguir mensurar resultados qualitativos e quantitativos sobre esses públicos.
O desafio, portanto, é como levantar esses dados. Isto é, como realmente o processo refletiu na vida dos beneficiados? A empresa deu o suporte necessário aos voluntários? As ações estavam alinhas ao negócio da empresa? Três questões, dentre uma série.
Citando o escritor francês Antoine de Saint-Exupéry, o consultor em cidadania empresarial e ex-presidente do Instituto C&A, Antônio Carlos Martinelli, afirmou:”O essencial é invisível aos olhos”.
Na fábula de sua autoria, “O Pequeno Príncipe”, Saint-Exupéry considerava (aos olhos dos personagens) os adultos como pessoas incapazes de entender o sentido da vida, pois haviam deixado de ser a criança que um dia foram.
No caso da avaliação, metaforicamente, pode ser considerada a necessidade de mensurar impactos, muitas vezes, intangíveis. Daí o ruído entre diferentes grupos. “Cultura empresarial e a social têm problemas de discurso. Uma vê apenas os dados e outro percebe os outros valores”.
A coordenadora de Projetos Sociais da Philips do Brasil, Renata Macedo, defendeu a importância da coleta de dados qualitativos, para mensurar o impacto da ação. Essa é a questão de “olhar o invisível”.
Investimento
Ao explicar as conclusões sobre o seu grupo, Renata Toledo, uma das responsáveis pela área de Voluntariado dentro do setor de Recursos Humanos da Natura, sistematizou o que cada segmento pode fazer para melhorar os programas.
Há diversas formas que a empresa pode fazer investir; seja em projetos próprios, seja na comunicação interna de estimulo ao voluntarismo de seus colaboradores (não vinculado à empresa), ou apenas com recursos financeiros a entidades selecionadas pelos funcionários.
Somado a isso, há o tempo e dedicação do funcionário. Por esse raciocínio de co-responsabilidade, a comunidade pode investir em mobilização e articulação, enquanto organizações não-governamentais podem estar vinculadas a programas de qualificação.
Comunicação
Embora a comunicação seja transversal em todo o processo, os grupos levantaram direcionamentos fundamentais para melhorar os resultados das iniciativas. O primeiro é, evidentemente, a comunicação interna. “Ela geralmente é a mais rápida e padrão”, considerou a coordenadora de Programa de Voluntariado da Fundação FEAC (Federação das Entidades Assistenciais de Campinas), Nilza Montanari.
Ao mesmo tempo, o relacionamento com a comunidade também está ligado às linhas de comunicação da organização. O envolvimento de entidades sociais de base pode ajudar na nesse ponto, principalmente na ligação entre público atendidos e voluntários – além de, como já dito, na capacitação dos envolvidos.
Um dos receios dos grupos de discussão foi como comunicar para a população em geral, sem o risco da atuação ser considerada oportunista. Para evitar isso, os projetos devem ter consistência, estar atrelados ao negócio, serem monitorados, além de serem pensados para longo prazo. Sem isso, os esforços para comunicar não terão respaldo objetivo, o que levaria à falta de credibilidade.
“Quando damos publicidade a um projeto, é preciso saber quem é o sujeito da frase. É a empresa ou a causa o foco da comunicação. Se for a empresa, trata-se de uma promoção da marca. Se for educação, saúde, inclusão, estamos nos referindo a um bem comum”, avaliou Fernando Rossetti.
Para começar
Programas de voluntariado corporativo, segundo as conclusões dos participantes, devem ser concebidos a partir de um diagnóstico participativo das ações sociais dos empregados. Afinal, muitos deles, antes mesmo da empresa desenvolver essa idéia já atuavam na área.
Em segundo lugar, pode ser estruturado uma espécie de “banco de talentos”, em que os colaboradores informam habilidades e desejos de ação na área social. Isso porque talentos artísticos, culturais e sociais muitas vezes não são demonstrados pelas pessoas em seu cotidiano de trabalho.
Dados
Durante as discussões, alguns dados foram apresentados aos participantes pela coordenadora do CVSP, Cristina Murachco. A pesquisa “Perfil do Voluntariado Empresarial no Brasil”, lançada pela organização da sociedade civil Riovoluntário, por exemplo, mostra como as empresas parecem preocupadas com o desenvolvimento de bons programas de voluntariado corporativo.
Das 89 empresas (de todos os portes e setores, que atuam em território nacional, sendo 61% delas na região sudeste) que responderam ao questionário, 45% possuem programas de voluntariado institucionalizado, com planejamento e orçamento anuais.
Segundo o estudo, as empresas que apresentam níveis de mobilização de seus funcionários acima dos 10% têm programas institucionalizados. Mas para as empresas, o principal fator responsável por aumentar o grau de participação dos colaboradores no serviço voluntário é a presença do profissional de comunicação interna, comprometido com o programa (79%).
Outro fator que contribui para o incremento da participação dos colaboradores, na avaliação dos entrevistados é o engajamento da diretoria. Para 84% deles, a existência de uma diretoria participativa está fortemente vinculada ao sucesso de um programa de voluntariado empresarial. No entanto, somente 25% das empresas declararam que seus diretores participavam maciçamente das ações de voluntariado incentivadas pela empresa.