Por Fernando Exman e Bruno Peres | De Brasília
Os articuladores políticos do Palácio do Planalto aguardam apenas o sinal verde da presidente Dilma Rousseff para impulsionar a tramitação de um novo marco regulatório das organizações da sociedade civil. Depois de longas discussões com o setor privado e as mais diversas áreas do Executivo, o governo tem uma proposta. Agora, Dilma deve decidir se enviará ao Congresso uma proposta própria ou buscará incorporar os pontos de interesse do governo nos projetos sobre o assunto que já são debatidos no Legislativo.
Um projeto em análise na Câmara dos Deputados já está em estágio avançado de tramitação e poderia abrigar os pontos de interesse do Executivo. No entanto, um projeto de autoria do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) e relatado por Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) no Senado já contempla em seu parecer 98% da proposta elaborada em conjunto por diversos órgãos do governo federal e representantes das organizações não governamentais.
Apesar da campanha eleitoral, autoridades do governo acreditam ser possível ver a proposta sancionada até meados do ano que vem. A pauta tem simpatia de integrantes da base aliada, da oposição e da sociedade civil organizada. Além disso, a mais recente série de denúncias de irregularidades envolvendo parcerias entre o governo e organizações não governamentais pode ajudar a dar fôlego às discussões. A proposta de marco regulatório das organizações da sociedade civil é resultado de um diálogo entre a administração Dilma e representantes do segmento no âmbito de um grupo de trabalho interministerial criado em setembro de 2011.
Foram problemas em convênios do Ministério do Trabalho que fizeram o tema retornar às manchetes de jornais. Nas últimas vezes que irregularidades em parcerias com organizações não governamentais foram denunciadas, o governo federal reagiu recrudescendo as normas que regem o setor e reduzindo repasses. Agora, o Palácio do Planalto defende a realização de um ajuste estrutural.
“Claramente esse setor precisa de uma regulação melhor, mais precisa, mais exata e mais constante. A necessidade do marco regulatório é tornar mais estável e não ficar mudando a legislação”, afirmou ao Valor o secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República, Diogo de SantAna. “O projeto de lei tem uma unidade no governo forte agora.”
Autoridades do governo sabem que a aprovação do novo marco regulatório não significará o imediato fim da corrupção, mas acreditam que as novas regras reduzirão as brechas para corrupção. “O trabalho das organizações é essencial para a execução de algumas políticas públicas”, ponderou SantAna.
O universo de ONGs é significativo. Segundo a Secretaria-Geral da Presidência, que faz a ponte entre o Palácio do Planalto e o segmento, a pesquisa “Fundações Privadas e Associações Sem Fins Lucrativos no Brasil (Fasfil)” apontou a existência de 290.692 organizações da sociedade civil existentes no país, as quais representam 5,2% das 5,6 milhões de entidades públicas e privadas lucrativas e não lucrativas com registro no Cadastro Central de Empresas (Cempre) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Empregam 2,1 milhões de trabalhadores formais. A Fasfil é feita pelo IBGE, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong) e o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife).
No entanto, aproximadamente 3,5 mil entidades mantêm parcerias com o governo federal. No governo Dilma, as entidades privadas sem fins lucrativos receberam R$ 2,37 bilhões da União. De acordo com a Secretaria-Geral da Presidência, 80% das parcerias envolvem valores abaixo de R$ 600 mil.
As parcerias com esses valores terão de fazer prestações de contas eletrônicas, as quais poderão ser fiscalizadas com maior eficácia pelo setor público. Já os contratos que superarem os R$ 600 mil receberão mais atenção: além da prestação eletrônica de contas, visitas in loco e pesquisas de satisfação com os beneficiários verificariam a execução dos projetos.
Em ambos os casos, o marco regulatório exigirá que o governo federal só mantenha parcerias com organizações “ficha limpa” e cujos dirigentes não tenham sido condenados por crimes contra a administração pública, mantenham vínculos diretos ou tenham parentes trabalhando no poder público.
Se a pauta avançar, será criado o Termo de Fomento e Colaboração, o qual passará a ser o instrumento para as parcerias com as organizações da sociedade civil. Os “convênios” serão utilizados apenas para a relação do governo federal com entes federados.
O Palácio do Planalto também quer exigir maior capacidade operacional e de planejamento dos órgãos do Executivo a fim de garantir a qualidade das parcerias e evitar criação de passivos de prestação de contas sem análise. Cada órgão deverá criar uma comissão para acompanhar a execução das etapas dos plano de trabalho, prestações de contas e comprovações de resultados.
O marco regulatório estabelecerá ainda como regra o chamamento público para a seleção das entidades, o que, na visão do governo, fortalece a transparência e a isonomia no processo e evita que a contratação ocorra à conveniência e oportunidade do gestor. Além disso, será exigido três anos de existência para as organizações que buscarem fechar parcerias com o governo. A ideia é privilegiar a experiência e a legitimidade de organizações que já realizam trabalhos reconhecidos.
“Tanto as organizações como o governo têm muito interesse na tramitação desse projeto”, comentou o senador Rodrigo Rollemberg, que dialogou com ONGs, governo e Tribunal de Contas da União (TCU) antes de escrever seu parecer. “Seria muita pretensão dizer que acaba com todas as possibilidades de problemas, mas dá segurança jurídica, transparência e rotinas que vão dar muita lisura ao processo de contratação das organizações da sociedade civil.”
As ONGs, porém, criticam a demora do governo e o que chamam de omissão da administração Lula. E também lamentam a criminalização de todo o setor. “Esse marco regulatório é uma reivindicação histórica da Abong”, comentou a diretora-executiva da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), Vera Masagão, segundo quem em 2010 a então candidata Dilma Rousseff comprometeu-se a resolver a questão. “Não tem mais problemas de prestação de contas em ONGs do que em prefeituras.”