Em 2016, havia 237 mil fundações privadas e associações sem fins lucrativos (Fasfil) ativas no Brasil. O número reflete queda de 14% em comparação a 2013 e 16,5% em relação a 2010.
Divulgado no início deste mês, o estudo, liderado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apresenta uma relevante discrepância se comparado ao Mapa das Organizações da Sociedade Civil (OSCs), gerenciado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que registrou 820 mil organizações em atividade no país no mesmo período.
Denise Guichard, analista do IBGE responsável pela Fasfil, explica que a diferença é de ordem metodológica. “A Fasfil utiliza como fonte de dados o Cadastro Central de Empresas (CEMPRE) do IBGE. São utilizados somente dados provenientes dos registros administrativos do então Ministério do Trabalho, como a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) e o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED).”
A analista observa ainda que, para a publicação das informações, são selecionadas apenas as unidades ativas das entidades sem fins lucrativos no ano de referência, ou seja, que declararam ter exercido alguma atividade no ano em questão ou que tenham cinco ou mais pessoas ocupadas.
“Após esse primeiro filtro, são adotados os critérios definidos no Handbook on Non-Profit Institutions in the System of National Accounts para delimitação do universo das Fasfil, a saber: privadas, sem fins lucrativos, institucionalizadas, autoadministradas e voluntárias”, explica.
“Já o Mapa das OSCs parte da lista de todos os CNPJs [Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica] ativos, que somaram mais de 20 milhões de registros em 2016, segundo o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), contra os 5,1 milhões de empresas e outras organizações formais em atividade no país contidas no CEMPRE no mesmo período”, informa Janine Mello, coordenadora do Mapa das OSCs.
O CEMPRE e o CNIS constituem importantes bases de dados públicas, mas foram criados sob diferentes contextos e possuem finalidades distintas. O CEMPRE reúne informações sobre o universo das empresas e outras organizações formais a partir de dados oriundos de pesquisas feitas pelo próprio IBGE nas áreas de indústria, construção, comércio e serviços e dos ministérios. Já o CNIS é o banco de dados do governo federal que armazena informações trabalhistas e previdenciárias, entre elas o CNPJ de todas as organizações formais do país, assim como dados sobre vínculos empregatícios, remunerações mensais, recolhimentos dos contribuintes, entre outros.
“De maneira geral, é possível afirmar que a Fasfil representa um recorte das organizações contempladas no Mapa das OSCs quando levamos em consideração que os dois mapeamentos, apesar de partirem de bases de dados distintas, adotam referências conceituais similares para definir uma entidade como organização da sociedade civil (OSC) ou como fundação privada ou associação sem fins lucrativos (Fasfil)”, observa Janine.
Apesar da diferença, é possível observar que as pesquisas convergem, principalmente, em dois aspectos. Em primeiro lugar, em relação aos critérios utilizados para definir uma entidade como organização da sociedade civil ou fundação privada ou associação sem fins lucrativos. Janine explica que, apesar da diferença de nomenclatura, as duas siglas significam a mesma coisa.
“Tanto o Mapa das OSCs quanto a Fasfil adotam as mesmas referências conceituais, que consideram OSCs ou Fasfil apenas as entidades enquadradas, simultaneamente, nos seguintes critérios:
1) Ser privada e não estar vinculada jurídica ou legalmente ao Estado;
2) Não possuir finalidades lucrativas, ou seja, não distribuir o excedente entre proprietários ou diretores e, se houver geração de lucro, este é aplicado em atividades fins da organização;
3) Ser legalmente constituída, ou seja, possuir inscrição no CNPJ;
4) Ser autoadministrada e gerenciar suas próprias atividades de modo autônomo;
5) Ser constituída de forma voluntária por indivíduos e as atividades que desempenha serem de livre escolha de seus responsáveis.”
Outro ponto de convergência se refere aos resultados sobre o setor apontados pelos dois estudos. Um exemplo é a distribuição geográfica das organizações pelo país, que acompanha, em geral, o arranjo da população. De acordo com a Fasfil 2016, quase metade das entidades estava sediada na região Sudeste (48%). No Mapa, 40% delas estavam localizadas na mesma região.
Outro exemplo é o perfil dos empregados pelas OSCs: a Fasfil aponta que a maioria é formada por mulheres (66%), cuja remuneração média equivalia a 76% da dos homens. Segundo o Mapa, as mulheres também predominam entre as pessoas empregadas em OSCs: representam 65% e recebem, em média, 85% do salário pago aos homens.
A Fasfil revela ainda que as OSCs atuavam, principalmente, nas áreas de religião (35,1%), cultura e recreação (13,6%) e desenvolvimento e defesa de direitos (12,8%). Segundo o Mapa das OSCs, desenvolvimento e defesa de direitos e interesses (41,3%) e religião (25,4%) eram as principais finalidades no mesmo período.
Denise destaca a presença de quase dois terços (64,5%) de entidades sem empregados assalariados, o que, segundo a analista, reflete o apoio do trabalho voluntário nessas instituições.
Em 2015, o Mapa das OSCs registrou quase três milhões de pessoas com vínculos de emprego nas organizações espalhadas pelo país. Na Fasfil, o número de empregados era de 2,3 milhões de pessoas, com remuneração média de R$ 2,6 mil mensais em 2016, contra os R$ 2,8 mil apontados pelo Mapa.
“Outro ponto relevante é em relação ao nível de escolaridade, dado que 35,4% do pessoal assalariado possuía nível superior completo, o que representa uma participação 2,5 vezes acima da observada nas entidades empresariais (13,8%)”, salienta Denise.
Para Janine, ambos os mapeamentos contribuíram de modo expressivo para o aumento dos dados disponíveis sobre as OSCs no país, fornecendo subsídios para análises mais realistas sobre o perfil e papel dessas organizações.
Além disso, os resultados apontados por essas e outras pesquisas desenvolvidas sobre o setor podem ser utilizados no aprimoramento de estratégias de gestão das organizações e de mecanismos de acompanhamento e controle social da população em torno das ações desenvolvidas pelas OSCs, além de servirem como subsídio para a formulação de políticas públicas voltadas para as próprias OSCs e suas relações com o Estado.
“O estímulo à produção de mais conhecimento sobre o setor é fundamental para que o debate público sobre as OSCs seja pautado por informações consistentes sobre essas organizações em detrimento de diagnósticos baseados em preconceitos pouco fundamentados sobre o setor”, defende Janine.
De acordo com o IBGE, o objetivo do CEMPRE vai além da esfera socioambiental, pois ele se constitui em um importante acervo de dados sobre o universo das empresas e outras organizações formais e suas respectivas unidades locais em todo o país. “O IBGE espera, com esse trabalho, cumprir sua missão constitucional de retratar a realidade do país, inclusive no que diz respeito às fundações e associações privadas sem fins lucrativos, em suas diferentes áreas de atuação.”