Ricardo Voltolini
A necessidade de formação de líderes socialmente responsáveis tem sido mote freqüente nas falas de alguns dos mais importantes especialistas mundiais em sustentabilidade.
É opinião comum que os mercados só vão incorporar a cultura de responsabilidade social empresarial por força da ação de “líderes sustentáveis”. E eles não estão sobrando. É verdade que as melhores escolas de negócio têm formado bons gestores em todo o mundo. Mas ainda não desenvolvem líderes sensíveis, éticos e responsáveis, com visão de longo prazo, capacidade de conciliar resultados econômicos, sociais e ambientais, habilidade para dialogar com stakeholders, coragem para influenciar comportamentos, romper paradigmas e mudar modelos de negócio; e ainda consciência para compreender o propósito moral e filosófico da mudança que se deve operar no modo de as empresas fazerem negócios.
Já se disse um dia que gestores têm subordinados e líderes, seguidores. No caso da RSE, bons gestores de ferramentas são importantes. Mas os líderes são imprescindíveis. E, ao que tudo indica, eles não vêm saindo em fornadas das escolas de administração de empresas. Harold Leavit, da Universidade de Stanford, tem um ponto de vista interessante sobre o atual sistema de formação de executivos. Para ele, trata-se de um “processo estranho que distorce aqueles que são sujeitos a ele e os transforma em criaturas com mentes desequilibradas, corações de pedra e almas sem vida.” Exageros à parte, o que está por trás da afirmação de Leavit é o questionamento de um modelo de educação ainda preso ao pensamento empresarial do século passado, que se restringe a uma visão cartesiana de mercado, confere ênfase excessiva ao instrumental e não integra os novos papéis das empresas no relacionamento com a sociedade e o meio ambiente.
Para desenvolver uma nova geração de líderes socialmente responsáveis, as escolas de negócio não poderão apenas treinar habilidades e competências técnicas. Precisarão, mais do que isso, desenvolver novos modelos mentais.
A inserção da RSE nos programas de educação pode ser uma saída. Não como um conteúdo extra desconectado de marketing, finanças, gestão de pessoas e logística. Mas como elemento transversal. São dois os desafios que se apresentam. Um é de natureza curricular. Se quiserem, de fato, estar em sintonia com os atuais desafios dos líderes, os currículos precisam integrar diferentes campos do conhecimento humano. Devem, sobretudo, considerar abordagens mais holísticas, desenvolver atributos como integridade, empatia e diálogo, valorizar práticas empresariais sustentáveis e promover análises multidisciplinares sobre questões políticas, sociais, tecnológicas e ambientais.
O outro desafio é pedagógico. Se quiserem formar líderes com consciência crítica, preparados para questionar premissas econômicas, culturais e políticas hoje consagradas, as escolas de negócio terão que investir em propostas de ensino mais horizontais e estimulem a convivência com outros pontos de vista, ainda que dissonantes. Mais do que isso: deverão ser um exemplo de comportamento cidadão, envolvendo os professores e em atividades voluntárias para a comunidade, assumindo metas de emissão de carbono e adotando práticas de ecoeficiência em suas instalações. Afinal, educa-se sempre pelo exemplo.
A educação é, na visão do Global Compact da ONU, um dos quatro grandes desafios-chave para os líderes globalmente responsáveis. Pensar e agir em um contexto global, ampliar o propósito corporativo para que as empresas atuem em nome do bem comum e colocar a ética no centro de seus pensamentos, ações e palavras são os outros três. Tudo isso pode e deve ser ensinado ns escolas.
Sobre Drucker e Arns
Peter Drucker disse certa vez que empresas e organizações sem fins lucrativos tinham muito a aprender umas com as outras. As empresas –acreditava – poderiam dar aulas sobre foco, planejamento e estratégia. As organizações de terceiro setor, por sua vez, poderiam ensinar sobre como se faz muito com pouco e, principalmente, a obter adesão apaixonada, em uma dimensão voluntária, de sua força de trabalho.
Esses “conhecimentos”, imaginava Drucker, se aplicariam também á liderança. Estudioso do tema, ele achava que, na sociedade do conhecimento, o maior desafio dos líderes de negócios era exatamente o mesmo que os líderes sociais já haviam tirado de letra: definir uma visão motivadora para a organização, estabelecer valores claros e mobilizar as pessoas em torno de uma missão. Para ele, os profissionais do conhecimento são como os voluntários de uma organização social. O que os atrai e os mantém estimulados é um propósito instigante e desafiador, uma causa com a qual se identificar.
Em um tempo no qual tudo parece transitório, na opinião de Drucker, os fundamentos da liderança seguem os mesmos. Liderança é, acima de tudo, uma questão de “como ser”, e não de “como fazer”. Líderes são sujeitos especiais que prosperam a partir do esforço das pessoas que lideram, indivíduos que constroem pontes, unem pontos, incluem pessoas, atraem talentos, formam relações de cooperação, empreendem, geram confiança e contaminam com a fé que possuem em si mesmos, nos outros e em suas idéias.
Explorando melhor a reflexão de Drucker, não seria, portanto, exagerado afirmar que os bons líderes de terceiro setor podem sim ser um rica fonte de inspiração e aprendizagem sobre liderança sustentável para as empresas. Esqueça Jack Welch, Stephen Covey ou Jim Collins. Se estivesse vivo e fosse brasileiro, o filósofo Drucker recomendaria que a sua empresa ouvisse as idéias de gente como Zilda Arns ou que botasse os seus talentosos trainees para fazer um curso de imersão em liderança na Pastoral da Criança, que, com o apoio de 270 mil voluntárias, conseguiu melhorar o nosso IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), beneficiando 2 milhões de crianças em 4.040 municípios espalhados pelo País.
Fonte: Revista Ideia Social
Data: 18/02/2009