O texto abaixo, embora tenha sido escrito por mim em 1999, com o objetivo de discutir mais amplamente a questão da formação do cidadão do novo milênio e o papel ativo que o educando deverá ter em sua própria educação, toca, de forma bastante significativa, na questão da presença e da contribuição da tecnologia (e, conseqüentemente, da “alfabetização tecnológica”) nesse processo.
Nas últimas cinco décadas, a juventude vem, literalmente, virando o mundo de pernas para o ar. Se, antes da metade do século, era dócil e, muitas vezes, subserviente, diante de uma sociedade patriarcal e autoritária, a partir daí afirmou-se, através da rebeldia e da busca de caminhos próprios. Iniciando pelos requebros de quadris de Elvis, passando pelos cabelos longos dos Beatles, pelas passeatas e músicas de protesto dos anos 60, pelo movimento hippie, pela liberação feminina e pelo amor livre, nos anos 70, pela invenção e adoção apaixonada dos computadores pessoais e dos videogames, na década de 80, pelo mergulho no mundo da internet e da multimídia, já nos anos 90, os jovens mostraram sua poderosa força transformadora.
Nos últimos 50 anos, ainda, saímos da Sociedade Agrária, passamos pela Sociedade Industrial e estamos em plena Era da Informação. Curiosamente, um segmento da sociedade passou incólume por todas essas transformações: a Escola. Como se nada estivesse ocorrendo à sua volta, continuou dando suas aulas na velha metodologia de exemplos e perguntas (como faziam os antigos gregos) e na busca pura e simples da transmissão de informação. Se foi adequado e eficaz para o passado, esse modelo não responde às demandas da nova Sociedade.
A missão do sistema educacional é fornecer à sociedade cidadãos educados e competentes para cuidarem de si mesmos e contribuírem para a sobrevivência e melhoria da própria sociedade. Assim, o sistema educacional deve estar sempre alinhado com as características e demandas cambiantes da sociedade que o abriga.
Na Sociedade Industrial, em que vivemos até bem recentemente, o dinheiro e o trabalho eram os geradores de riqueza. Como as habilidades requeridas dos trabalhadores eram de natureza extremamente repetitiva (por anos a fio iriam exercer a mesma função), a capacidade de decorar – para posteriormente saber de cor as etapas do trabalho – era mais necessária que a de aprender. Desta forma, o modelo de sistema educacional existente cumpria seu papel.
As duas últimas décadas do século XX nos colocam na Era da Informática, na Sociedade do Conhecimento. A Sociedade, que já foi oral e escrita, passou a ser digital. O volume de informações disponíveis duplica a cada 4 ou 5 anos. Não é mais eficaz, nem possível, concentrar todas as informações na cabeça de um professor e tentar transferi-las para os alunos.
Alimentada pelo advento da globalização, com sua demanda básica de que pessoas e países sejam cada vez mais competentes e competitivas, a Sociedade do Conhecimento se apresenta para ficar. Segundo Alvin Toffler, os países não são mais classificados como “ricos e pobres”, mas como “rápidos e lentos”, “com conhecimento e sem conhecimento”. Conhecimento: informação significativa, contextualizada, interpretada e aplicada. Este passa a ser o verdadeiro capital das pessoas, das empresas, dos países, da sociedade.
Longe da simplicidade de decorar, a habilidade de, por si mesmo, identificar a informação necessária, acessá-la, interpretá-la e transformá-la em conhecimento passa a fazer parte do imenso cardápio de exigências para que alguém – pessoa e profissional – possa participar da sociedade do próximo século. Algumas outras dessas exigências: alta competência em leitura e escrita, alta competência em resolução de problemas (novos); capacidade de raciocínio, criatividade e iniciativa; capacidade de utilizar os equipamentos tecnológicos; capacidade para descrever, analisar e criticar o ambiente social; vontade permanente de aprender; autonomia, autocontrole e capacidade de tomar decisões sem supervisão; ética; e capacidade de participar positivamente de equipes de trabalho.
Se parecem draconianas, tais exigências sinalizam, na verdade, para a saudável necessidade de se formar um ser humano cada vez melhor e mais completo. Nesse ambiente de profundas mudanças, pessoas que foram formadas no modelo anterior e continuam no mercado de trabalho, têm que fazer hoje um grande esforço para adaptar-se aos novos tempos e continuar empregáveis.
Se a aquisição destas habilidades é um desafio, representa também a abertura de extraordinárias oportunidades para aqueles que resolvem enfrentá-lo, sejam os próprios estudantes, sejam os demais responsáveis pelo sistema educacional. Nos Estados Unidos, o mercado de trabalho terá um milhão de vagas não preenchidas na área tecnológica, na virada do milênio. No Brasil, estimam-se 400 mil (só nas atividades relacionadas á Internet serão 50 mil). As 50 melhores empresas para se trabalhar, no Brasil, contrataram, nos últimos 12 meses, 43 mil novos profissionais (encarte especial da revista Exame, nº 669), evidentemente escolhidos a dedo.
Diante de tantos desafios e oportunidades, uma reflexão se faz necessária e tem duas vertentes. De um lado, é fundamental um concentrado esforço nacional de modernização do sistema educacional, para sintonizá-lo com as novas demandas e com o surgimento de novas profissões e exigências profissionais, sob pena de aumentar, contínua e tragicamente, a horda dos excluídos. Não é mais razoável oferecer uma educação “industrial” para quem vive e tem que trabalhar em um mundo pós-industrial. De outro, é vital que o próprio jovem, que tantas revoluções já fez, compreenda que, em boa parte, seu destino está em suas próprias mãos.
Tornar o jovem capaz, competitivo e empregável é tarefa que a família, a escola e a sociedade não podem fazer sozinhos, pois implica um processo que só ele pode operar: o processo de aprender e produzir conhecimentos. O sucesso e a sobrevivência não mais são providos exclusivamente pelo diploma. Requerem competência e conhecimento, que só se obtêm com planejamento, produtividade e – sem dúvida – esforço genuíno e intenso.
Gerenciar sua própria aprendizagem, assim como qualquer trabalhador moderno gerencia seus próprios processos, é a nova tarefa que espera os estudantes. De simples aluno a Gerente de Aprendizagem. Uma promoção e tanto!
Jornal Estado de Minas – Revista Economia
Publicado no Jornal Estado de Minas – Revista Economia – edição de Quinta-feira, 24 de Janeiro de 2002