Ricardo Voltolini *
No dia seguinte à espetacular doação de US$ 44 bilhões, feita no final de 2006 por Warren Buffet à Fundação Bill e Melinda Gates, um comentarista de TV destacou, um tanto exagerado, que assistíramos ao gesto inaugural de uma nova fase da filantropia corporativa.
Definitivamente, não se pode atribuir ao ato de Buffett a condição de marco na doação de recursos privados para causas de interesse público. Exceto pela expressão do montante, a maior quantia de dinheiro já registrada na história da filantropia mundial, o megaempresário fez uma doação bastante convencional para os padrões norte-americanos. Seu gesto não se enquadra no conceito mais moderno de investimento social corporativo, porque representou uma decisão pessoal e não empresarial. Muito menos se aproxima do que The Economist classifica como filantrocapitalismo na medida em que foi feito por um indivíduo endinheirado não para adicionar valor social aos seus negócios.
Buffett é, portanto, um filantropo tradicional. A filantropia sempre existiu, desde que o mundo é mundo. Entre empresas e empresários, o que mudou foi, sobretudo, a sua lógica. Até a ascensão do conceito de responsabilidade social empresarial (RSE), prevalecia um modelo segundo o qual o generoso empresário doava recursos, como pessoa física e não jurídica, movido, na maioria das vezes, pelo impulso religioso, por uma espécie de dever moral ou pelo sentimento de culpa de ter uma economia pessoal maior do que a de muitas cidades, estados e países.
Ele entregava a uma organização social a pequena fração de uma fortuna acumulada ao longo de anos. Não havia nenhuma relação entre este ato e as suas empresas, pouco ou nenhum interesse em planejar o investimento, dar publicidade ao gesto, participar mais ativamente da gestão da causa, avaliar resultados e monitorar o impacto para a causa apoiada. O envolvimento esgotava-se na assinatura do cheque e na sensação do “dever cumprido”.
Com o avanço da RSE e a necessidade de as empresas se tornarem co-responsáveis pelo desenvolvimento das comunidades em que estão inseridas, a filantropia subiu um degrau e passou à categoria do investimento social privado (ISP). Em relação ao estágio anterior, houve uma alteração importante de raciocínio.
Além de incorporar elementos comuns à gestão de um negócio, planejamento, foco, avaliação de resultados e comunicação, a doação de recursos tornou-se mais estratégica para a empresa, contribuindo para reforçar os seus valores, melhorar o clima organizacional, fortalecer a sua reputação e gerar valor para o negócio e a sociedade. O passo seguinte, ao que tudo indica, será ampliar o valor estratégico do ISP, aproximando-o ao máximo das atividades de negócio das corporações até onde isso seja possível e viável.
Para Michael Porter, da Harvard Business School, a responsabilidade social, e por tabela o investimento social feito por empresas socialmente responsáveis, podem ser responsivos ou estratégicos. O que define uma e outra abordagem é justamente o nível de envolvimento da empresa com as questões da sociedade. Uma empresa responsiva procura ter alguma atuação comunitária e reduzir os danos causados pelas atividades de sua cadeia de valor.
Na prática, significa que ela reage ao que a sociedade lhe cobra, minimizando, de um lado, os seus riscos sócio-ambientais e, de outro, fazendo investimento em causas mais genéricas, de claro interesse social, mas que não interferem diretamente nas suas operações ou influenciam sua competitividade no médio e longo prazos. Bons exemplos seriam o banco que investe em certificação de florestas ou o fabricante de papel que aporta recursos em inclusão digital.
Ninguém duvida de que as duas causas sejam socialmente relevantes. Mas, segundo Porter, elas se mostram apenas genéricas na medida em que não influenciam, no curto prazo, o êxito da atividade negocial dessas companhias. Já na responsabilidade social estratégica, a empresa transforma as atividades de sua cadeia de valor para simultaneamente beneficiar a sociedade e reforçar sua estratégia de negócio. Ao realizar o seu investimento social, ela seleciona temas que, de alguma forma, contribuem para melhorar a competitividade do seu empreendimento. São os casos das empresas de software ou biotecnologia que investem, por exemplo, em programas de educação tecnológica para comunidades porque dependem de jovens qualificados para o futuro de seus negócios.
A pragmática tese de Porter é clara: quanto maior a relação de uma temática social com a atividade de negócio da corporação, maiores serão sempre as oportunidades de uma empresa gerar recursos em benefício da sociedade. Isso explica porque o guru da competitividade passou a ser um porta-voz convicto da idéia de que, ao escolher uma pauta social, as organizações devem levar em conta o alinhamento com a sua estratégia empresarial.
Na defesa de sua crença, Porter argumenta que o sucesso mútuo da empresa e da comunidade, gerador de valores econômico e social, reforça um bem-vindo “valor compartilhado”, premissa de uma nova noção de interação – garante – que, em vez de opor as duas partes, busca complementaridade.
* Ricardo Voltolini é diretor de redação de IdéiaSocial e consultor de responsabilidade social da Oficio Social.
Fonte: www.gife.org.br