*Mario Soares
O mundo – e o Ocidente, em particular – estão atravessando uma fase de transição e de grande insegurança, que, por se manifestar em diferentes planos, torna imprevisíveis os próximos tempos. No plano econômico, estamos à beira de uma recessão econômica internacional que começou nos Estados Unidos e está se refletindo na Europa e no resto do planeta. Ainda não sabemos se irá se agravar ou começará a ser superada, o que não depende apenas do Ocidente, mas também de múltiplos fatores internacionais, como o aumento ou a baixa dos preços do petróleo, ou o comportamento das economias emergentes.
O capitalismo especulativo está em um pantanal, já que a economia especulativa tem hoje pouco a ver com a economia real. Cria-se e perde-se grandes fortunas nos paraísos fiscais, onde circula impunemente o chamado dinheiro sujo, proveniente da droga e de outros comércios ilícitos (tráfico ilegal de armas, de órgãos humanos, da prostituição, etc) enquanto a economia real está gerando desemprego, paralisação econômica, inflação, crise na bolsa e no crédito imobiliário, irregularidades e quebras de instituições bancárias e de seguros até agora consideradas inatingíveis.
Por sua vez, as organizações financeiras internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional – que não dependem, como deveria ser, das Nações Unidas – se mostram obsoletas e incapazes de enfrentar a crise financeira em curso. O mesmo se pode dizer da Organização Mundial do Comércio – também fora do âmbito da ONU – onde os necessários consensos com os países emergentes e em desenvolvimento são cada vez mais difíceis de serem estabelecidos.
Nestes tempos de globalização – não apenas econômica mas também científica, tecnológica, informática e de um novo fenômeno que é a nascente formação de uma opinião pública mundial -, os grandes problemas que afetam o mundo ainda não encontram uma resposta global, que apenas poderia consistir em uma profunda reestruturação da ONU e de seu Conselho de Segurança. E o G-8, que agrupa as maiores potências, não passa de um diretório das nações ricas, carente de legitimidade para orientar o mundo, como mostra a experiência dos últimos anos. Existe, portanto, um grave vazio na ordem mundial.
Quais são os maiores problemas que afetam o mundo contemporâneo e que, se não forem resolvidos em um prazo razoável envolvem uma ameaça para a humanidade? Enumero por ordem de importância. Em primeiro lugar as mais graves questões ambientais: o buraco na camada de ozônio, o aquecimento da Terra e as mudanças climáticas, a contaminação da água e do lençol freático, a desertificação, a redução da biodiversidade, o progressivo desaparecimento das florestas, a degradação urbana.
A fome e a pobreza endêmica, que afetam mais de dois terços da população mundial apesar de a ciência e a tecnologia disporem de recursos para eliminar facilmente esses problemas, com a condição de que haja vontade política para enfrentá-los. A violência – fomentada pela violência cotidiana propagada pelos meios de comunicação -, os conflitos, as guerras, o comércio ilimitado de armas e a corrida armamentista nuclear às quais são incapazes de por um freio as potências e as instituições internacionais.
As pandemias com a da AIDS e outras doenças que haviam sido erradicadas e que ressurgem, com a tuberculose, a malária e outros desafios que somente podem ter uma resposta global. O fanatismo religioso e político, a perda de valores nas sociedades consumistas e hedonistas de nosso tempo, o desprezo pelos problemas sociais, ambientais e pelos direitos humanos.
Tudo isto forma uma profunda crise mundial, comparável à vivida no começo da Segunda Guerra Mundial, depois das avassaladoras vitórias militares de Hitler e do imperialismo japonês, quando alguns pessimistas vislumbravam “um retrocesso de mil anos”. Mas, nessa oportunidade, como agora, não podemos – nem devemos – perder a esperança e deixar de lutar pelos valores do humanismo universal.
A ordem mundial é novamente multilateral. O império norte-americano como tal está em vias de desaparecer. As soluções para os problemas que enfrentamos não dependem apenas, como se pensava no começo deste século, do Ocidente (Estados Unidos e Europa). Hoje também contam os chamados países emergentes -Brasil, Rússia, China e Índia – e outros mais como Japão, México, África do Sul, Irã, Egito e Turquia. Isto quer dizer que o Ocidente deve entender que tem de negociar com esses países, bem como ajudar na reforma da ONU se quer realmente enfrentar os grandes desafios de nosso tempo.
Muito depende ainda dos Estados Unidos e de seu próximo presidente. Seja quem for, terá que mudar radicalmente as políticas interna e externa de Washington, se quiser evitar que sua nação entre em decadência. Por sua vez, a União Européia deve ter a coragem de definir uma estratégia autônoma e indicar o rumo que seguirá nos próximos anos na esfera institucional e como ator global no cenário internacional.
*Mario Soares é ex-presidente e ex-primeiro-ministro de Portugal.
Fonte: IPS/Envolverde
25/04/2008