Os novos papéis de empresas, sindicatos e trabalhadores diante das transformações no mundo do trabalho
Uma conversa que leva à convergência. Assim Paulo Itacarambi, vice-presidente-executivo do Instituto Ethos, abriu o III Seminário Capital e Trabalho – Compromisso Estratégico para a Sustentabilidade, realizado no dia 12 de setembro, em São Paulo, pelo Portal Gestão Sindical, pelo Instituto Ethos e pelo Observatório Social. O evento reuniu representantes de sindicatos, da academia, de empresas e do governo para debater o tema sob quatro aspectos: o desemprego; a implementação da democracia participativa; a desigualdade e a concentração de renda; e a capacidade do Estado de criar condições de desenvolvimento sustentável.
Paulo Itacarambi ressaltou que uma sociedade a caminho da sustentabilidade “demanda produtos e serviços sustentáveis, cujos impactos econômicos, sociais e ambientais sejam equilibrados”. Nesse caminho, é fundamental que as empresas pratiquem ações de responsabilidade social, mas isso não é suficiente: “É preciso ter um mercado socialmente responsável e, para isso, é necessário criar mecanismos que desenvolvam esse mercado”. Para ele, alguns pontos são obrigatórios na questão do trabalho em uma sociedade sustentável, como elevar os direitos humanos no Brasil ao mesmo patamar do desenvolvimento econômico. “A décima economia do mundo não pode conviver com esse nível de desrespeito aos direitos humanos, nem com essa desigualdade e essa concentração de renda”, afirma.
Mecanismos democráticos de participação dos trabalhadores também devem ser implementados pelas empresas. Além disso, é papel dos três níveis de governo liderar o processo político e criar mecanismos que reconheçam as empresas e os trabalhadores que já estão mudando as relações de trabalho. Um ponto fundamental, entretanto, é a incorporação da agenda do trabalho decente, quaisquer que sejam as relações de trabalho.
Paulo Sérgio Muçouçah, consultor da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, lembrou que há dois anos o Ministério do Trabalho e Emprego lançou a Agenda Nacional do Trabalho Decente, cujo objetivo é gerar mais e melhores empregos para combater a pobreza e a desigualdade social. Segundo a OIT, trabalho decente é “um trabalho produtivo, adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, eqüidade e segurança e capaz de garantir vida digna a todas as pessoas que dependam do trabalho para viver”. Para o consultor, mais do que um conceito, “esse é um paradigma que aponta para estratégias de ação frente aos rumos da globalização e à crise mundial de empregos”.
No Brasil, de acordo com Carlos Lupi, ministro do Trabalho e Emprego, estabelecer o trabalho decente ainda é um dos grandes desafios para o crescimento sustentável do país, ao lado do combate ao trabalho análogo ao escravo e ao uso de mão-de-obra infantil. O país, entretanto, tem avançado na meta de criação de empregos, proporcionados pelo crescimento em vários setores da economia nacional. Para o ministro, o acesso ao mercado de trabalho formal significa para um brasileiro muito mais do que garantir a renda no final do mês. “Na sociedade brasileira, a carteira de trabalho assinada é o mais forte elemento de cidadania. Isso aumenta a auto-estima e até a produtividade do trabalhador”, afirma. Com o objetivo de preparar os trabalhadores para conseguir melhores empregos, os investimentos federais em qualificação profissional têm girado em torno de R$ 800 milhões por ano, segundo o ministro. “Qualificação dos trabalhadores, com responsabilidade social empresarial, é o que dá sustentabilidade ao crescimento da economia”, acredita Lupi.
Para Márcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o tom eufórico do ministro do Trabalho ao citar os números positivos da economia brasileira nos últimos anos é justificável. “Se, nos últimos 25 anos, o Brasil tivesse mantido a rota de expansão dos períodos anteriores, seria hoje a terceira economia do mundo e teríamos 90% de trabalhadores com carteira assinada, e não apenas 48%”, afirmou. Pochmann lembrou que ainda há um déficit de quase 8 milhões de postos de trabalho no país. Entretanto, a criação de empregos para o futuro terá de ocorrer em um modelo diferente do que tem prevalecido nos últimos dois séculos. “Na economia capitalista, a inserção no emprego acontece pelo crescimento da atividade econômica e aumento da produção. Mas isso, hoje, é ambientalmente insustentável”, disse Pochmann.
De acordo com ele, um dos desafios para o futuro é a transição para a economia do imaterial. “O padrão do ‘ter’ está condenado, pois é insustentável do ponto de vista ambiental”, atesta. “Temos hoje 1 bilhão de carros no mundo. Podemos chegar a 2 bilhões, mas aí vamos visitar a savana da Amazônia”, ironizou, numa referência às previsões de que as mudanças climáticas poderão transformar boa parte da floresta em uma vegetação mais parecida com a do Cerrado. O deslocamento para o trabalho imaterial – ou seja, para a área de serviços – já está ocorrendo nos países mais desenvolvidos. Lá, segundo Pochmann, a maioria dos novos empregos gerados estão nessa área.
Para isso, no entanto, é preciso investir muito mais em educação, e não apenas na qualificação profissional. De acordo com Pochmann, no futuro, diante de uma expectativa de vida que deve chegar aos 100 anos, não haverá motivo para as pessoas entrarem no mercado de trabalho antes dos 25 anos, o que lhes permitirá permanecer estudando até essa idade. “O trabalho imaterial exige conhecimento, não força física. E a educação deve formar as pessoas para a vida toda, não para entrar mais cedo no mercado de trabalho”, diz Pochmann. Segundo ele, isso já acontece no Brasil, onde “os filhos dos mais ricos entram no mercado após os 25 anos de idade e mais bem preparados, ocupando os melhores empregos. Já os filhos dos mais pobres começam a trabalhar mais jovens, chegam mal preparados e ficam com as piores colocações”.
Este é o momento, segundo Marcio Pochmann, de ruptura com os padrões da sociedade urbana/industrial. Uma das transformações importantes é a extensão da jornada fora do local de trabalho. “Com as novas tecnologias, o trabalhador se tornou parceiro da produção. Com celular e acesso à internet, trabalha em qualquer lugar e a qualquer hora, resolvendo problemas ou lendo planilhas”, explica. “Não há razão para que quem trabalha dessa maneira tenha uma jornada superior a 12 horas semanais no local de trabalho”, completa Pochmann, indo muito além das pretensões do movimento sindical, que luta para que o Congresso Nacional aprove algum dos vários projetos de lei e propostas de emenda à Constituição que reduzem a jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais.
A própria atuação dos sindicatos, diante das transformações no mundo do trabalho, também passa por mudanças. Para o ministro Carlos Lupi, “a grande questão do sindicalismo moderno é dar aos trabalhadores melhores condições para, conseguirem acordos mais favoráveis, e também atuar por um pacto social, sentar à mesa com empresários e ver qual é o papel da empresa na vida das pessoas”.
Vários exemplos sobre essa nova forma de atuação já estão espalhados pelas empresas. Um deles é o Diálogo Social da Basf, uma rede que une os 5.000 trabalhadores da empresa na América do Sul e estabelece um canal de diálogo com a direção da companhia. A rede nasceu em 1999, por iniciativa dos funcionários, e conta hoje com o apoio da direção para que se fortaleça cada vez mais. “Essa é a nova realidade, e os gestores têm de aprender que as relações entre a empresa e os trabalhadores mudaram”, afirma Wagner Brunini, diretor de Recursos Humanos da Basf.
Fonte: Instituto Ethos
18/09/2008