*Rodrigo Zavala
Uma conclusão final sobre as discussões promovidas no primeiro Festival Latino-Americano de Captação de Recursos, realizado na última semana, em São Paulo, é a de que não existe no Brasil uma visão sistêmica sobre financiamento de ações sociais. Seja por falta de metodologias, insegurança jurídica, ou mesmo desinformação, a relação entre projetos e doadores – principalmente os individuais, foi posta em xeque pelos especialistas convidados para o evento.
Promovido pela Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), Revista Filantropia e Resource Alliance, o festival contou com três dias de atividades. Neles, foi programada uma agenda colaborativa, que deu espaço aos participantes ministrarem suas próprias oficinas e privilegiou a troca de experiência.
Por meio desse formato mais interativo, foi possível identificar as dúvidas mais frequentes dos participantes sobre o tema. E no diagnóstico das questões foi possível entender que os desafios para a sustentabilidade de organizações sociais são reflexos de uma cultura que ainda deve amadurecer no país.
Exemplos que sinalizam esse diagnóstico não faltaram. Na Roda Viva “O poder do indivíduo”, coordenada pela gerente de mobilização de recursos da Plan Internacional, Flavia Lang, representantes das organizações Greenpeace, Visão Mundial, GRAAC, Fundação Abrinq e ActionAid dividiram suas técnicas de captação. Em meio ao debate, um dos palestrantes teve que esclarecer ao público que os conceitos usados por eles, como face-to-face e score, tratavam-se do mais básico em marketing direto.
Em outro ponto, questionados sobre a existência de um perfil do doador brasileiro, ou alguma pesquisa que indicasse isso, os palestrantes foram bastante reticentes. O Diretor de Mobilização de Recursos da Visão Mundial, Ader Assis, chegou a dizer que “era mais fácil encontrar doadores na classe C e D, provavelmente por estarem mais próximos da linha de pobreza”.
As situações destacadas acima demonstram uma carência de referências em todo o setor, confirmada pela experiência dos convidados e desconhecimento da audiência. Embora seja natural ter preocupações e obstáculos sobre a captação de recursos, ainda mais em épocas de crise, dúvidas muito básicas sobre o antes, durante e o depois das ações específicas de mobilização por parte do público, pode demonstrar certo amadorismo na área. Daí a importância de iniciativas como o Festival.
“Há pouca gente pensando mobilização de recursos e a área sempre teve um foco maior na captação com empresas. No Brasil, ocorre o inverso do que nos EUA ou Europa, onde mais de 80% dos recursos são provenientes de doações individuais”, acredita o presidente da ABCR, Marcelo Estraviz.
Diversificação de Doadores
Uma questão muito presente no debate foi a diversificação dos doadores. De acordo com o Mapa do Terceiro Setor, elaborado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em 2005, somente 13% das doações privadas eram provenientes de indivíduos. O que na visão dos participantes é um erro, já que, construir uma base de doadores individuais significa trabalhar para legitimidade e a sustentabilidade da organização.
Mas como consegui-los? Em primeiro lugar, é preciso entender a captação de recursos como forma de mobilização social. No debate “Nem tudo são flores: Quando a captação de recursos não promove desenvolvimento institucional”, coordenado por Janaína Jatobá, do Instituto C&A, um dos patrocinadores do evento, especialistas mostraram que a área deve ser transversal na organização.
Para Domingos Armani, autor do livro “Mobilizar para Transformar – A mobilização de recursos nas organizações da sociedade civil” (Editora Peirópolis, 2008), a captação é, em si, um ato político estratégico de sustentabilidade. “Ao mobilizar recursos para sua ação, você se relaciona com a sociedade, oferece visões a ela e leva mais pessoas a trabalhar em sua causa. O dinheiro é consequência direta de um trabalho permanente de educação”, comentou.
No entanto, uma dificuldade apontada pelos participantes foi o alto custo para construir uma base de doadores e a lentidão para perceber os resultados. Qual é o melhor canal para chegar a eles (mala direta, telemarketing, face to face, propagandas na TV)? E, antes, quem é o público para qual a ação deve ser direcionada?
A resposta depende de cada organização e de sua base de dados. Lá é possível ver o perfil de quem doa para sua instituição, quem cancelou vínculo e dar pistas para iniciativas de prospecção. “Cada público tem um meio certo e a forma certa de ser conquistado. A arte de captar é contar histórias. A partir delas que se dá a identificação com o projeto e, mais tarde, um possível aporte de recursos”, argumentou a CEO da Resource Alliance, Lyndall Stein. A conquista de um público não significa apenas o financiamento. Muitos indivíduos também contribuem para a legitimidade da organização, que ajuda em sua credibilidade e no fortalecimento de sua marca. Isso se dá por uma razão simples: quanto mais pessoas doando, maior é o controle social e, assim, o nível de transparência. Daí, a ideia de que é melhor ter um milhão de pessoas doando R$ 1, do que uma empresa doando um milhão de reais.
Retenção
Quando uma organização comemora o sucesso de uma campanha, determinada pela entrada de novos doadores, chegou o momento de mais trabalho. Os participantes do Festival mostraram muitas dúvidas quando o assunto é o tripé: ressência (arrolamento sobre os doadores), frequência e valor das doações.
A equação dessa conta leva a uma nota (ou score) sobre a base de doadores. Por outro lado, essas informações são imprescindíveis para um diagnóstico futuro, que mostrará o retorno de investimento nas ações de mobilização. Por um cruzamento de informações é possível fazer o perfil dessas pessoas e uma projeção de quanto tempo doar e qual é o valor aportado. Assim, calcula-se em quanto tempo a ação se paga.
“Por mais que faça parcerias, a organização sempre deve poupar para essas ações. Não há como escapar desse investimento”, afirmou Lucimara Letelier, coordenadora da área de captação de recursos da ActionAid.
Mesmo com essas ações cumpridas, o trabalho não acabou. Por meio de oficinas, os participantes também discutiram a necessidade da comunicação e manter o doador sempre informado sobre as ações. “Devem criar instrumentos que estejam ligados ao cotidiano das pessoas. Produtos de qualidade que garantam a fidelização dessas pessoas”, disse Flavia Lang.
Outro ponto fundamental é analisar a lista de “inadimplentes”, aqueles que deixaram de contribuir. Pelo que se viu nas oficinas, realizadas no festival, pouco se fala sobre reaproximação com ex-doadores. Nesse sentido, a pergunta que deve ser respondida é: o que você fez de tão errado para ele não confiar mais no seu trabalho?
Formação
A Associação Brasileira de Captadores de Recursos busca agora fortalecer o grupo que participou do evento e, assim, o próprio setor de captação de recursos. Para isso, já está no ar o site do festival (www.festivalabcr.ning.com). A plataforma que está montando permite a fácil criação de redes de discussão. “Será um repositório de conteúdo, em que serão disponibilizados materiais, além de ser um ambiente para que eles conversem”, garantiu Marcelo Estraviz.
Para aqueles que já trabalham na área e querem turbinar seus estudos, Estraviz anuncia o lançamento do Curso de Especialização em Captação de Recursos, uma iniciativa da ABCR e da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), de São Paulo. Com carga de 105 horas, o curso pretende trazer um conteúdo mais acadêmico para a capacitação na área.
“O apoio da ESPM é importante, porque deixa claro o viés do marketing, que falta nesse tipo de curso, que geralmente possuem uma visão de gestão muito forte”, explicou Estraviz. As inscrições para o curso terão início nas próximas semanas, pelo site www.espm.br.
Fonte: redeGIFE ONLINE – 27/07/2009