A promoção do desenvolvimento social nas atuais condições da sociedade globalizada e informatizada requer, necessariamente, uma mudança de paradigma de ação: ações pontuais e isoladas precisam dar lugar a redes horizontais de cooperação, que possibilitem maior intercâmbio e eficácia na implementação de projetos e políticas públicas na área social.
Antes mesmo de inspirar políticas sociais mais abrangentes, a noção de rede possibilita o questionamento de uma certa rigidez implícita no conceito de “entidade social”.
No Brasil, muitas entidades sociais ainda são herdeiras de uma cultura assistencialista e possuem um estilo de atuação mais baseado no esforço individual do que na cooperação interinstitucional ou intersetorial. Em seu sentido convencional, a expressão “entidade social” refere-se a um espaço institucional que atende ou abriga pessoas por meio de programas ou serviços de caráter filantrópico. Toda entidade é uma organização e toda organização é idealmente destinada a agregar valor aos seus beneficiários. Contudo as organizações possuem uma vida própria e uma dinâmica interna que podem se tornar mais importantes que a sua própria finalidade e passar a determinar a compreensão de seus membros sobre o sentido geral do trabalho que realizam. Tal compreensão nem sempre é reveladora da essência dos problemas e fatores que promovem ou restringem as possibilidades de emancipação de seu público.
Pressionadas por grandes demandas e atuando muitas vezes em situações-limite, muitas entidades acabam freqüentemente focalizando sua atenção nas questões que se desenrolam em seu espaço “intra-muros”, o que as torna pouco permeáveis a um contato mais aberto e efetivo com a comunidade da qual fazem parte e para a qual atuam.
Por melhor que seja a ação de uma entidade, por mais que ela venha a se constituir em uma “ilha de excelência”, o referencial decisivo para sua atuação não se encontra em si mesma. De nada adianta uma “entidade forte” se, mais além dos seus muros, os problemas continuarem a existir e a comunidade não se fortalecer.
Deslocando seu eixo de atenção para a realidade-problema que dá sentido à sua existência, a “entidade” pode gradualmente se transformar em “projeto” – uma ação que nasce da insatisfação com uma situação que precisa mudar e cria a visão de uma realidade modificada no futuro. O projeto surge como resposta a um problema social. Assim colocado, o conceito de “projeto” se opõe à idéia coisificada de “entidade”, pois enfatiza a ação viva, o movimento de busca e os resultados a obter, ao invés da mesmice e da oposição à mudança, que podem enrijecer o dia-a-dia da entidade. É por isso que, muitas vezes, um bom projeto pode trazer força nova para uma entidade.
Todavia mesmo um bom projeto precisa de apoios e articulações para se tornar um processo de ação comunitária. Aqui surge a noção de rede. Ela pode ser utilizada tanto para representar as relações que uma entidade estabelece com seus beneficiários quanto suas relações com a comunidade mais ampla. A rede pode favorecer não apenas o desenvolvimento das pessoas e das entidades, mas também o da comunidade mais ampla (ou seja, do espaço público), tornando-se, portanto, um instrumento de construção da cidadania democrática. Pode impulsionar um processo de mudança da própria identidade das organizações, levando-as a transcender a dimensão de “entidade” (voltada para a estabilidade da organização), e até mesmo a dimensão de “projeto” (voltado para um resultado específico), para alcançar a dimensão de uma experiência mais ampla de desenvolvimento e fortalecimento do tecido social.
Nesse sentido mais amplo, o trabalho em rede cria relações que se antepõem à cultura baseada nos vínculos de dependência e na tradição hierárquica e clientelista ainda fortemente presentes no trato dos assuntos públicos no Brasil. Redes abertas permitem que as informações possam ser compartilhadas por todos, sem canais reservados, e favorecem a formação de uma cultura da participação, da cooperação, da co-responsabilidade, mas também da autonomia.
Em suma, uma rede é um processo de captação, articulação e otimização de energias, recursos e competências, capaz de gerar um sistema de relacionamentos que organiza indivíduos e instituições de forma igualitária e democrática, em torno de um objetivo ou agenda comum de caráter público. Com o desenvolvimento crescente das tecnologias da informação e da Internet, as redes não têm mais uma limitação presencial, podendo também funcionar de forma virtual e aumentar ainda mais as possibilidades de articulação de pessoas e organizações.
Em seu livro “A sociedade em rede” (Editora Paz e Terra, 1999), Manuel Castells afirma que “a lógica de redes gera uma determinação social em nível mais alto que a dos interesses sociais específicos expressos por meio das redes: o poder dos fluxos é mais importante que os fluxos do poder. A presença na rede ou a ausência dela e a dinâmica de cada rede em relação às outras são fontes cruciais de denominação e transformação de nossa sociedade: uma sociedade que, portanto, podemos apropriadamente chamar de sociedade em rede, caracterizada pela primazia da morfologia social sobre a ação social”.
Inspiradas em valores de participação social responsável, as redes podem canalizar o “poder dos fluxos” citado por Castells para a implantação de políticas sociais universais e o fortalecimento da democracia. Este é o desafio que se abre para as empresas e organizações do terceiro setor que buscam nas redes um instrumento mais efetivo de promoção do desenvolvimento social.
Fábio Ribas
Diretor-executivo da Prattein –
Consultoria em Educação e Desenvolvimento Social
(www.prattein.com.br)
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