Em artigos anteriores, abordei conceitos que envolvem a responsabilidade social empresarial e suas diferentes vertentes. Nesta edição, tratarei de um tema tão ou mais complexo e polêmico que os que foram discutidos em outras oportunidades: o significado de Responsabilidade Social Empresarial (RSE) e de cidadania corporativa.
Para muitos, que não atentam para o real significado de cidadania, ambos os termos são idênticos. Para os mais observadores, entretanto, os conceitos são, certamente, distintos. Cidadania nos dicionários Aurélio e Michaelis é explicada como qualidade ou estado de cidadão. O que isso quer dizer? Que ser cidadão, além de habitar uma determinada cidade ou comunidade, e mais do que gozar dos direitos civis e políticos do Estado ou no desempenho de seus deveres para com este, implica, principalmente, em colocar os interesses da humanidade acima dos da pátria e, sobretudo, de seus próprios.
Outra interessante definição de cidadania é formulada pelo advogado e presidente da OAB/SP, Luiz Flávio Borges D’Urso, que a expressa como status jurídico e político mediante o qual o cidadão adquire direitos civis, políticos e sociais; e deveres (pagar impostos, votar, cumprir as leis) relativos à coletividade política, além da possibilidade de participar na vida coletiva do Estado. Concordo com os dois enunciados.
Em que contexto estaria então a responsabilidade social, seja individual ou relacionada às empresas? Para mim, ela se encontra em um degrau acima. Além da condição cidadã, necessária e obrigatória, a responsabilidade social exige outros comportamentos como altruísmo, abnegação, desprendimento e acentuada visão de futuro, privilegiando o planeta e as futuras gerações.
Onde fica a ética, então, nesse contexto? Entendo que ética e responsabilidade social não têm nenhuma ligação direta. A ética é condição indispensável na vida de qualquer empresa ou indivíduo. Se ela não estiver presente, jamais se chegará à condição de socialmente responsáveis, seja na pessoa física ou na jurídica. Ou seja, a palavra ética não comporta adjetivos. Assim sendo, não existe uma empresa meio-ética, da mesma forma que não existem mulheres meio-grávidas. Ou está grávida ou não está. Ou é ético ou não é.
Imagine um triângulo. A ética é colocada na base da figura, porque é ela que a sustenta. Do mesmo modo acontece com empresas e indivíduos. A ética é quem dá subsídio a todas as atividades individuais e corporativas, constituindo-se em um elemento primordial para o levantamento, a manutenção e o reconhecimento de organizações e pessoas.
Logo acima da ética vêm os quatro componentes principais para a manutenção de uma empresa no mercado: os famosos “4Ps do Marketing” que, embora não tenham sido criados por Philip Kotler – um dos principais estudiosos e autores do assunto -, foram consagrados por ele no mundo corporativo.
O que significam os “4Ps”? Produto, praça, preço e promoção. Grosso modo, se um produto não tiver qualidade, não estiver ao alcance dos consumidores, o preço não for compatível com os valores praticados pela concorrência e, por fim, não se tornar conhecido por seu públicoalvo, ele simplesmente não sobreviverá no mercado. Logo, discordo quando relacionam esses aspectos a atributos de responsabilidade social empresarial. Ora, se um produto não tiver tais prerrogativas, será, sem dúvida, “engolido” pela concorrência. Dessa forma, proponho que os “4Ps” estejam posicionados em um segundo degrau, logo após a ética.
O terceiro degrau seria o da cidadania. Quando uma companhia é ética e atende aos requisitos dos “4Ps”, pode se arvorar em se tornar uma empresa cidadã, aquela que trata bem seus colaboradores, que não polui o meio ambiente, que apóia projetos sociais das comunidades onde está presente etc.
Alguns estarão se perguntando se essas condições não são relativas a empresas que se dizem socialmente responsáveis. Não! Costuma-se confundir com muita freqüência ambas as situações. Em minhas palestras costumo fazer duas analogias para justificar esse posicionamento. Eu tenho um cachorrinho da raça Lhasa-apso. Quando ele é levado para seus passeios matinal e vespertino por minha secretária doméstica, ela leva consigo sacolas de lixo e uma bisnaga contendo água e desinfetante, para recolher os dejetos e lavar a urina que o Tobby – este é o nome dele – despeja nos postes e muros vizinhos. Ela está sendo socialmente responsável com esse ato? Não. Ela está exercendo uma atitude cidadã, pois ao meu cão nunca foi dado o direito de sujar as ruas, podendo, inclusive, ser agente de doenças.
Contudo, se a minha secretária passar a recolher os dejetos de outros cães, ela estará sendo socialmente responsável nesse ato, pois irá além da sua obrigação, fazendo o que outros deveriam ter feito.
Traspassando o exemplo para outro que envolve empresas, imaginemos uma indústria que, para fabricar seus produtos, utiliza um rio que passa no seu entorno, poluindo-o. Após algum tempo, mediante pressão da sociedade, governos e ONGs ambientalistas, a empresa resolve despoluir as águas. Ela foi socialmente responsável? Não, pois a ela nunca foi dado o direito de contaminar o meio ambiente. Repensando a situação, ela tomou apenas e tão somente uma atitude cidadã. Se, por outro lado, uma empresa situada ao lado dessa indústria, que nunca poluiu aquelas águas, se dispor a implementar ou apoiar um projeto que vise recuperá-las, estaremos, então, diante de uma organização que adotou uma medida socialmente responsável.
Com esses dois exemplos, entendo que a responsabilidade social é o quarto e último degrau a ser galgado por uma organização. Se a compararmos a um iceberg, a RSE é a sua parte visível, porque são as atividades que diferenciam uma empresa da outra hoje em dia. No entanto, as corporações só podem se valer dessa condição após fazerem sua “lição de casa”, ou seja, depois de terem cumprido outras condições prioritárias.
Uma empresa somente pode se candidatar a ser socialmente responsável quando não houver nenhuma dúvida por parte de seus stakeholders com relação às suas obrigações.
Se uma corporação conseguir ser referência em responsabilidade social em seu setor de atuação, já terá feito muito. Por conta disso não compreendo o desespero de algumas empresas em se mostrarem socialmente responsáveis. Na verdade, elas estão sendo vítimas das próprias promoções, uma vez que a sociedade se encontra bem mais informada e cada vez menos se deixa enganar por discursos efêmeros, que pouco contribuem para a eqüidade social.
Revista Filantropia on-line
Fernando Credidio
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