O site Clima e Consumo, lançado pelas ONGs Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e Vitae Civilis, mostra como os hábitos cotidianos influenciam nas mudanças climáticas. Dos combustíveis fósseis (como gasolina, diesel e gás) que são queimados em motores ou em fogões domésticos ao avanço da pecuária e da soja derrubando as árvores da Amazônia, vários são os motivos que explicam como nosso modo de vida está relacionado ao aumento das emissões de gases de efeito estufa, o que provoca o aquecimento global e as conseqüentes mudanças climáticas.
Para que o consumidor seja parte da solução e não do problema, o site convida-o a colocar a mão na massa e lista 21 atitudes que deveria tomar, como economizar energia, usar menos o automóvel etc. Dessa lista, porém, sete itens estão ligados diretamente ao consumo de produtos ou à pressão que o consumidor deveria fazer sobre as empresas. Em relação ao fato de a pecuária estar crescendo na Amazônia, sendo um dos fatores responsáveis pelo aumento do desmatamento, o site apresenta duas sugestões bem diretas: ou o consumidor reduz o consumo de carne, ou exige dos supermercados que garantam não ser aquele bife o pedaço de um boi criado sobre áreas desflorestadas.
Para não ficar apenas no discurso, o site produziu um cartão postal que pode ser baixado, impresso pelo consumidor e entregue ao supermercado do qual é cliente. De um lado, sobre uma foto da floresta em chamas, a frase “não quero ser cúmplice do desmatamento da Amazônia”. Do outro, um espaço para ser preenchido com o nome e o endereço do supermercado, além do recado impresso: “Como consumidor desse supermercado, solicito que o senhor exija dos seus fornecedores um sistema de rastreamento da carne bovina comercializada que me garanta não estar contribuindo para o desmatamento da Amazônia Legal ao comprar esse produto no seu estabelecimento. Essa informação precisa estar visível para os consumidores”.
Pelas mãos do consumidor, a responsabilidade social e ambiental bate à porta das empresas ligadas à produção e ao comércio da carne – com uma ajudazinha da sociedade civil organizada, é claro. “O Idec quer conscientizar o consumidor sobre a relação direta entre seu consumo de carne e os problemas do desmatamento e das queimadas na Amazônia e, também, dar uma ferramenta concreta para que ele possa agir”, conta Lisa Gunn, gerente de Informação do Idec. “A idéia é que haja uma pressão em cadeia: o consumidor pressiona o supermercado, que pressiona o frigorífico, que pressiona o produtor. Dessa forma, esperamos que a demanda do consumidor contribua para que tanto os supermercados quanto os frigoríficos assumam sua responsabilidade socioambiental e desenvolvam ferramentas eficazes que garantam a rastreabilidade da carne e a informação clara e adequada aos consumidores”.
Pressão com nome e endereço
Alguns dos cartões postais do site já vêm com destinatário, pois têm impressos o nome e o endereço de algum supermercado. Um deles é endereçado ao Carrefour, que deve recebê-los de portas abertas, caso os postais apareçam mesmo por lá. “Apoiamos iniciativas que tenham, entre outros objetivos, o consumo consciente e a aproximação dos consumidores com as empresas”, afirma Rodrigo Lacerda, diretor de Marketing Corporativo do Carrefour. “Conhecer e entender a percepção dos consumidores em relação à responsabilidade social empresarial nos ajuda a estabelecer um campo fértil em prol de um consumo digno e consciente”. Em fevereiro deste ano, o Carrefour lançou o projeto Cuca, que une um grupo de consumidores transformados em uma espécie de consultores sobre os produtos vendidos, atendimento, ambiente das lojas e até questões ligadas a responsabilidade social e ambiental. Foi montado um blog do projeto que, para o diretor de Marketing Corporativo do Carrefour, representa “uma postura mais próxima e transparente de ouvir, aprender e evoluir junto com o consumidor”.
Em relação à origem da carne vendida nas lojas, Lacerda conta que o Carrefour tem um contrato com os fornecedores que, entre outras cláusulas, “prevê a obrigatoriedade do respeito às leis sanitárias, ambientais, à legislação trabalhista e à dignidade humana, sob pena de rescisão, nos casos de descumprimento”. De toda a carne bovina comercializada pelo Carrefour, 40% estão dentro do selo Garantia de Origem, um programa desenvolvido desde 1999 que estabelece padrões de exigências aos fornecedores acima do que estabelece a legislação. “Os produtos com este selo, sejam carnes, peixes, frutas ou legumes, são aqueles que, em todas as etapas, do campo à gôndola, foram preparados dentro de conceitos rigorosos de qualidade, responsabilidade ambiental e social”, destaca Rodrigo Lacerda, explicando ainda que os fornecedores desses produtos são constantemente visitados para monitoramento de suas atividades.
Outro destinatário já pronto dos cartões postais é a rede de supermercados Extra, que pertence ao Grupo Pão de Açúcar. Para o consumidor que exigir não comprar um bife responsável pela destruição da Amazônia, o Grupo atesta que, “antenado com as demandas urgentes de responsabilidade socioambiental, tomou a iniciativa de realizar um programa de carne de qualidade com princípios de sustentabilidade”, segundo informou sua assessoria de imprensa. “Nesse programa, temos uma parceria com pecuaristas, dos quais somos co-responsáveis pela proteção ambiental e desenvolvimento social”.
Essa iniciativa é parte do Programa Tear – Tecendo Redes Sustentáveis, promovido pelo Instituto Ethos e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O Programa Tear tem o objetivo de estender práticas de responsabilidade social e ambiental a pequenas e médias empresas que atuam na cadeia de valor de grandes empresas estratégicas de sete setores da economia: açúcar e álcool; construção civil; energia elétrica; mineração; petróleo e gás; siderurgia; varejo. No setor varejo, a empresa estratégica (âncora) é o Grupo Pão de Açúcar, que conta com nove fazendas no Tear.
As fazendas participantes do programa conseguem rastrear sua produção desde o momento de fecundação dos bois até a chegada da carne às gôndolas dos supermercados e hipermercados do Grupo. De acordo com a assessoria de imprensa, a rastreabilidade da carne é só uma parte do processo, pois “as fazendas parceiras passaram a incorporar o conceito de responsabilidade social empresarial nas suas práticas de gestão, com um modelo mais participativo e o desenvolvimento de produtos e serviços que atendem a critérios sociombientais”.
Rastreabilidade é a chave
O consumidor bate à porta que enxerga – a carne à venda no varejo – e é lá que vai exigir produtos socialmente e ambientalmente responsáveis à sua disposição. Os produtores, que ficam alguns passos atrás nessa cadeia, não são atingidos diretamente pela pressão do consumidor, mas sofrem as conseqüências dela. E não é a única. De acordo com Leslie Cohen, assessora internacional da Associação Brasileira de Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), entidade que reúne os maiores frigoríficos do Brasil, a demanda por práticas socialmente e ambientalmente corretas está vindo de todos os lados. “Os grandes frigoríficos são empresas de capital aberto, têm ações na Bolsa de Valores. Há pressão dos acionistas, dos clientes, dos bancos que financiam essas empresas. Por isso, há uma grande preocupação no setor com as questões sociais e ambientais”, explica Leslie.
Como os grandes frigoríficos processam a carne, mas normalmente não criam bois, a solução é atuar junto aos fazendeiros. “Os frigoríficos fazem acordos com seus fornecedores. Pagam mais se eles fornecerem animais não só dentro dos padrões sanitários exigidos, mas que atendam critérios de responsabilidade social e ambiental”, conta Leslie. “Os frigoríficos não têm poder de fiscalização, mas são clientes dos pecuaristas e escolhem de quem comprar. Visitam as fazendas e às vezes até financiam os pecuaristas para que façam os investimentos necessários para fornecer animais dentro dos padrões exigidos”.
Para que o consumidor saiba se os fazendeiros, os frigoríficos e os supermercados estão lhe oferecendo um pedaço de bife que não ajudou a derrubar a floresta, a palavra-chave é rastreabilidade. “É possível pegar um pedaço de carne e saber de onde ela veio e quem é o fornecedor, mesmo que essa informação não esteja no rótulo do produto, pois todo animal é identificado desde o nascimento até o abatimento”, afirma Leslie Cohen. Esse processo, exigido na carne para exportação, acaba sendo estendido também no mercado interno.
O passo além seria a certificação, ou seja, a criação de um sistema confiável de verificação da origem da carne, garantindo que aquele boi não pastou sobre a Amazônia devastada. Essa informação seria dada ao consumidor por meio de um selo estampado na embalagem. Seria um sistema semelhante ao selo FSC para produtos de madeira, uma certificação que garante que o produto é originário de florestas com manejo sustentável, e não do desmatamento ilegal. “Talvez a certificação seja o caminho, mas isso traria um custo adicional a toda a cadeia produtiva. Como o preço ainda tem um peso muito grande para o consumidor, pode ser um processo que leve algum tempo”, opina Leslie.
Mesmo que a certificação ainda esteja longe, todas essas empresas estão começando a sentir na carne o que é sustentabilidade.
Fonte: Instituto Ethos
05/05/2008