Pela primeira vez na historia das contas nacionais do Brasil, o terceiro setor entrou com um destaque específico na composição do Produto Interno Bruto (PIB), o que ocorreu na recente revisão realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso significa que sua existência é reconhecida como um setor com características próprias, distinguindo-o do Estado e do conjunto das organizações do tradicional setor privado. Nosso País é provavelmente o mais novo membro da pequena comunidade de 12 países que incluíram o setor em suas estatísticas econômicas.
A sua participação oficial de 1,4% na formação do novo produto brasileiro significa que movimenta cerca de 32 bilhões de reais, valor bastante superior às despesas com pessoal no Estado de São Paulo, que somam aproximadamente 25 bilhões. É um valor considerável já que São Paulo administra o maior orçamento entre os Estados brasileiros, movimentando 53 bilhões de reais – sendo superado somente pelo orçamento da União, em que as despesas com pessoal atingem o valor de 44 bilhões de reais.
Desde 1948, quando a contabilidade nacional foi implementada pela Fundação Getulio Vargas, o método que vinha sendo empregado não permitia que as informações referentes às organizações da sociedade civil pudessem ser computadas separadamente. A tradicional metodologia das contas nacionais significava um forte paradigma, que permaneceu intocável até março de 2002, quando o departamento de Estatística da Organização das Nações Unidas (ONU) admitiu a importância de se calcular separadamente o valor movimentado pelo terceiro setor.
Até então, a metodologia apresentava uma grave distorção, já que possuía uma regra para o computo das organizações sociais, o que camuflava as suas atividades. Esta regra determinava que, nos levantamentos estatísticos, as organizações que recebessem mais de 50% de suas receitas como doações do Estado eram consideradas como estatais e aquelas com mais de 50% de receita advinda das empresas ou das famílias acabavam classificadas como sendo do setor privado. Por esta razão, nenhum país do mundo apresentava em separado as informações agregadas sobre o terceiro setor. A ONU denominou de Conta Satélite do Setor Não Lucrativo a metodologia que agora orienta os institutos de pesquisa nos países a levantarem as informações sobre as atividades do terceiro setor.
A longa batalha para substituir o velho paradigma iniciou-se nos primeiros anos da década de 90, quando o Centro de Estudos da Sociedade Civil da Universidade Johns Hopkins, liderado pelo prof. Lester Salamon lançou o Projeto Comparativo do Setor Não Lucrativo, que congregava pesquisadores de sete países e que lançava a base metodológica conceitual que orientaria o levantamento sobre o caráter estrutural e operacional do setor.
O Projeto Comparativo evoluiu e recentemente envolvia pesquisadores de 37 países. Foi através da credibilidade que este movimento acadêmico angariou para si que foi possível iniciar no final dos anos 90 uma pressão, liderada pelo Prof. Lester, junto ao Departamento de Estatística da ONU, para que o sistema de contas nacionais fosse reformulado, incluindo uma nova conta específica para o terceiro setor. Em março de 2002 a ONU lançava o Manual sobre Organizações Não Lucrativas do Sistema de Contas Nacionais que passou a ser um referencial para as pesquisas que desde então são realizadas sobre o terceiro setor.
O Centro de Estudos do Terceiro Setor tornou-se um dos protagonistas do processo para convencer o IBGE a adotar a nova metodologia. Em setembro de 2004, o CETS, em parceria com o Centro de Estudos da Sociedade Civil da Universidade Jonhs Hopkins, organizou uma reunião em São Paulo com lideranças dos principais centros de estudos brasileiros, que resultou em uma manifestação coletiva, encaminhada ao IBGE, solicitando que fosse considerada a possibilidade de incluir nas contas nacionais a participação das organizações sociais.
Podemos agora celebrar essa importante vitória de um movimento que se iniciou em meados da década passada nas universidades brasileiras e que tinha como principal propósito dar visibilidade ao setor. A partir de agora, saberemos através de estatísticas oficiais como se estrutura e evolui o terceiro setor no Brasil. Saber sobre o crescimento do setor é importante, mas não suficiente. O grande desafio que temos pela frente é demonstrar que o terceiro setor desempenha papel estratégico fundamental para o desenvolvimento social do nosso País. O seu impacto transformador da realidade social é significativamente mais importante do que sua mera participação no PIB.
Fonte: redeGIFE ONLINE – 14/05/07
Luiz Carlos Merege