O ex-primeiro-ministro inglês Tony Blair, mesmo depois de negar, acabou renunciando o anglicanismo e se convertendo ao catolicismo (coisa muito incomum de acontecer). Não bastasse isso, ele ainda se propôs a passar o resto de sua vida lutando pelo diálogo inter-religioso; e como passo importante lecionará em Yale seminário sobre fé e globalização; uma síntese do pensamento católico sobre o tema pode ser observado num artigo do próprio Blair publicado no Estadão de ontem:
O papel da fé para o êxito da globalização
Em mundo interdependente, poder da religião pode tornar-se força de ruptura e de conflito Tony Blair*, Global Viewpoint.
As pressões da globalização levam as pessoas a se unir, desconhecendo as fronteiras, pelo comércio, viagens, telecomunicações e a migração em massa. Quando em um mundo tão interdependente a fé religiosa tem o poder de afastar as pessoas, ela se torna uma força de ruptura e de conflito. Isso é péssimo para todos. Mas tal conseqüência será particularmente negativa para os que têm fé religiosa. Significará que a fé não é sinônimo de reconciliação, compaixão e justiça, mas de ódio e sectarismo.
Estou tão convencido da importância desta questão que resolvi dar um seminário na Universidade de Yale sobre o tema. Não decidi fazer isso como mero exercício intelectual, mas porque acredito que se trata de uma questão profundamente prática. Se não descobrirmos um modo de conciliar fé e globalização, o mundo não só será um lugar perigoso, como a própria globalização terá muito menos possibilidades de sucesso na disseminação da prosperidade.
Deste meu empreendimento tirei dez lições:
1) A fé religiosa é muito importante. Gostemos ou não, bilhões são motivados por ela.
2) A fé não está em declínio. Poderá estar em declínio em alguns lugares, mas não no mundo todo. Em algumas partes está em ascensão.
3) A fé religiosa pode atuar de modo positivo, apoiando, por exemplo, as Metas de Desenvolvimento do Milênio estabelecidas pela ONU para reduzir a pobreza e permitir o avanço do desenvolvimento. Ou pode atuar de modo negativo, com o extremismo.
4) A globalização está criando sociedades multiconfessionais. A Londres onde meu filho está crescendo é totalmente diferente da Londres em que teria crescido há 30 anos. O mesmo se aplica a toda a Europa e aos EUA.
5) Para funcionar com eficiência, a globalização precisa de valores como confiança, fé, abertura e justiça.
6) A fé não é o único meio, mas é importante para proporcionar estes valores, quando a própria fé se abre e não se fecha; quando se baseia na compaixão e na ajuda aos outros e não numa identidade única.
7) Para que a globalização possa prosperar, precisamos de capital social – a confiança recíproca para que possamos confiar no futuro. O capital espiritual é uma parte importante do capital social.
8) Mas, em uma era de globalização e de sociedades multiconfessionais, a criação do capital exige não apenas tolerância, mas também o respeito pelas pessoas de outras confissões.
9) O elemento fundamental do respeito é a compreensão e, portanto, a necessidade de aprender e educar-se a respeito da fé e das tradições do outro.
10) A religião organizada deveria apoiar este processo e permitir por meio dele a evolução da fé de modo que ela seja uma força positiva, construtiva e progressista.
A fé e seus valores são muito importantes. Sua integração definirá de modo crucial as perspectivas de sucesso, de prosperidade e de coexistência pacífica da sociedade global em que vivemos. A alternativa é a tensão, o conflito e a violência. O que isso significa em termos práticos? Antigamente eu acreditava que a globalização era um processo que não contemplava valores. Eu pensava que numa era de globalização era preciso buscar a justiça por seu valor intrínseco, e não por motivos de eficiência. Agora mudei minha posição. A crise econômica mostra o por quê.
Esta crise foi criada em grande parte por um comportamento (pela irresponsabilidade) que preferiríamos não tivesse sido adotado. E prolongou-se pela falta de confiança. Valores como a fé nos outros ou a perspectiva a longo prazo, em lugar da maximização do lucro a curto prazo, são os elementos que criarão a confiança exigida para que a economia volte a se fortalecer. Em outras palavras, a confiança e a estabilidade que dela decorre não poderão ser restauradas apenas por recursos técnicos, mas pelo restabelecimento dos valores. Este é um dos casos que ilustram a idéia de que um mundo interdependente não pode funcionar sem os valores da confiança.
Em matéria de política externa, isso pode ser visto mais claramente. Os ataques de Mumbai representam uma ameaça à segurança. Evidentemente, em nossa reação à violência, precisamos estar preparados para dar uma resposta militar. Mas é também verdade que será a força das idéias e não a força das armas que permitirá que a globalização tenha êxito e não desmorone em meio aos conflitos.
Se pudéssemos criar um espaço em que pessoas de diferentes credos pudessem viver e trabalhar juntas e em paz, seria uma poderosa demonstração de que há valores distintos dos que, durante décadas, criaram uma violência sem fim. Para derrotar as forças da exclusão e da divisão que levam ao terror devemos recorrer à educação como um dos principais componentes da política externa.
Portanto, tanto em política econômica quanto em política externa, é evidente que, se não nos pautarmos por valores sólidos, não poderemos tornar o mundo seguro para esta interdependência. A coexistência pacífica não poderá lançar raízes a não ser que existam fortes alianças não apenas entre nações, mas também entre os vários credos e os valores que temos em comum.
* Tony Blair foi primeiro-ministro da Grã-Bretanha de 1997 a 2007. Este artigo é uma adaptação de uma palestra feita por ele, na semana passada, na Universidade de Yale.
Fonte: Jornal O Profeta
Data: 21/12/08